O número de pessoas interessadas em adotar é maior do que o número de crianças para serem adotadas, de acordo com o Cadastro Nacional de Justiça (CNJ). Esse índice deveria ser a solução do problema de crianças sem um lar na Bahia, mas parte do grupo inscrito no Cadastro Nacional de Adoção não se adéqua ao “perfil de preferência” dos adotantes.
Uma das grandes questões que complica o sistema de adoção, além da idade da criança, é a raça. Mesmo Salvador sendo a cidade mais negra fora da África, o soteropolitano ainda termina sendo preconceituoso na hora de adotar. Cerca de um terço dos pretendentes (32,36%) só aceitam crianças brancas, que representam exatamente três em cada dez das cadastradas. Apenas 38,72% se declaram indiferentes em relação à raça do futuro filho ou filha. Outros motivos que também dificultam o processo de adoção são a demora e a burocracia necessária. Para entender melhor sobre como adotar uma criança ou adolescente, o Varela Notícias conversou com a promotora Cecilia Pondé, da 1ª Vara da Infância e Juventude.
Quando questionada sobre quais documentos são necessários para adoção, a promotora afirma: “A lei exige documentos pessoais dos candidatos, em via de regra RG, CPF, comprovante de residência, declaração de renda e de bens, se houver, inclusive pode ser pedido comprovante de Imposto de Renda, documentos de imóveis se tiverem, certidões de antecedentes criminais e policiais de ambas as Justiças, Estadual e Federal. Além disso, atestado de sanidade física e mental (assinado por médico), declaração de de idoneidade moral (assinado por duas pessoas) e outros que os serviços social e psicológico acharem que devem ser acrescentados caso a acaso, se houver necessidade para o fim de se fazer um Cadastro dos candidatos.”
A promotora afirma que os adotantes devem passar por uma avaliação psicológica e só ai devem entrar para lista de adotantes. “Cada candidato, individualmente e/ou casal, passam pelas entrevistas com o serviço social e o serviço de psicologia (se necessário poderá passar por processo de acompanhamento psicológico) e depois poderá ser entrevistado inclusive pelo Promotor e pelo Juiz, se necessário. Aceito o pedido de inscrição no cadastro, o candidato e/ou casal entrarão na lista de adotantes, respeitando-se a ordem de inscrição e o perfil do candidato e/ou casal e o desejo expresso pelo perfil da criança pretendida.”
Para adotar, o perfil procurado pelo ECA é qualquer pessoa maior de vinte e um anos, desde que seja dezesseis anos mais velho que a criança pretendida, ressalvados os casos de pessoas que revelem, por qualquer motivo incompatibilidade com a natureza da medida de figurar como família substituta e ou não ofereça ambiente familiar adequado à criança ou adolescente pretendido.
Quando questionada sobre a adoção de irmãos, a promotora afirma: “Lei também prevê que a adoção de irmãos seja feita por grupo, ou seja, não se deve separar irmãos, ainda mais se já existe entre eles vínculo e ou convivência.”
Dificuldades e cuidados
Um dos motivos que fazem a parte burocrática do processo de adoção ser tão criteriosa é evitar a devolução da criança ou adolescente já adotado ao abrigo. De acordo com a psicóloga Maria Luiza Girardhi, a devolução remete ao abandono. “A devolução chama muito mais nossa atenção porque se constitui como uma experiência que reedita o abandono. É desse ângulo que se enfatiza que as consequências para a criança podem ser intensificadas em relação aos seus sentimentos de rejeição, abandono e desamparo.”.
De acordo com a lei, a adoção é irrevogável, afirma a promotora: “Nem a morte do adotante restabelece os laços da adotado coma a sua família de origem.” Esse é o motivo do convívio anterior da família com a criança ou adolescente, para que se forme um vínculo afetivo e não exista o abandono. “É um processo muito delicado porque as crianças aptas para adoção já passaram ao longo da sua vida por processos dolorosos de rejeição, perda e abandono e uma situação destas as relembra do trauma anterior, daí o cuidado que se tem neste s casos de adoção.”
A adoção não existe prazo de duração, afirma a promotora. “É um processo sempre longo, minucioso, que requer cuidados e podem ocorrer incidentes que atrasem seu andamento, como por exemplo os pais da criança a entregam no Juizado e depois somem no mundo e nestes casos é preciso ingressar com um processo de destituição do poder familiar (consentimento dos pais é necessário), e neste caso é preciso comprovar o abandono dos pais, ou seja, cada caso é um caso e tem suas especificações. O que orientamos sempre aos candidatos é que eles devem ter muita paciência porque não é jamais um processo rápido.”
Famílias dão exemplo
A adoção é um um ato de amor. O desejo tão grande de ter um filho, que mesmo não o gerando ou sendo biológico, é assumido pela família. É necessário adaptação e muita coragem, além de tempo de espera. A história da família de Ana Rosa Mendes, vem sendo muito admirada por aqueles que conhecem o “Prazer, sua Neta” e desde o início ela se mostra bastante especial.
Ana Rosa cuida de seu avô adotivo que tem Alzheimer, e mostra um pouco do dia a dia dos dois em suas redes sociais. “Nasci em Palmas no Paraná, minha mãe biológica me colocou na adoção por não ter condição e porque meu pai biológico não quis me assumir. Daí minha mãe adotiva e o meu pai já estavam na fila de adoção a 1 ano. E aí eu vim! Normalmente as mães dizem: ‘você veio da barriga’. Minha mãe sempre disse: ‘você veio do coração’. E isso me deixava intrigada até o dia em que um amigo meu, quando eu era pequena, arranjou um tumulto na sala porque eu era filha do coração e ele não. Que ser do coração era melhor. Aí minha mãe foi conversando comigo ao passar dos anos… Sempre tivemos uma relação tranquila, não só eu e ela, mas com meus primos, minhas irmãs por parte de pai… Sempre fui aceita por eles mesmo sendo indígena e eles brancos. Os laços de amor são mais fortes que os laços sanguíneos. Sou mais filha que muito filho de DNA”, afirma Ana Rosa.
Outra história admirável é dos criadores da página “Nascor-Nascidos do Coração”. Os pais Patrícia e Fábio,adotaram duas meninas de 9 e 10 anos dois meses atrás. “Agora no dia 8 de outubro completaremos apenas 3 meses que nossas filhas estão conosco. Isso mesmo, no plural! São duas meninas lindas de 9 e 10 anos. Nossa decisão pela adoção aconteceu de forma relativamente natural. Eu e meu marido antes de decidir “providenciar” filhos já desejávamos que um de nossos filhos viesse por meio da adoção. Não foi possível te-los por meio da gestação uterina, então, após um período para processar essa impossibilidade partimos para a adoção. Para nos certificarmos que essa era uma decisão consciente e acertada, primeiramente buscamos informações com amigos, na internet, na vara da infância (fundamental para dar-nos a segurança legal do processo) e de grupos de apoio à adoção. Na época (segundo semestre de 2015) o grupo de apoio à adoção de Salvador estava desativado, participamos de reuniões muito interessantes do Grupo de Apoio de Aracaju (Acalanto -SE) e conseguimos reativar o grupo de apoio de Salvador (NASCOR – Associação Baiana de Estudo e Apoio à Adoção Nascidos do Coração). As reuniões no grupo de apoio, nas quais tínhamos contato com pais do coração,as leituras e os videos de palestras e depoimentos foram fundamentais para nos assegurarmos de nossa decisão e nos prepararmos para o nosso “parto”! Nesse tempo vimos a importância de nos assegurar que o sentimento que nos movia em direção À adoção era o de que queríamos ser pais. Por mais duro que pareça, é muito importante saber distinguir que essa ação não pode ser realizada como forma de caridade! Ninguém tem filhos por caridade. É o desejo de compartilhar amor e ensinamentos que nos moveu para essa decisão. E te-las em casa é agito certo a todo o tempo! Não é tarefa nem um pouco fácil mudar a rotina de 2 para a rotina de 4! E elas são cheias de personalidade, umas figuras! Trazem sim suas histórias de vida que as deixam frágeis e resistentes para algumas coisas, mas em geral suas histórias as fazem muito fortes e resilientes. Elas tem os sorrisos mais lindos do mundo! E nesse começo de convivência é incrível perceber o quanto absorvem o que falamos e o que fazemos. Ter crianças em casa é assim, ou deveria ser assim… demanda um tempo e uma paciência danada para explicar o certo e o errado, para ajudar na lição de casa, para levar para passear, para dar bronca, para botar para dormir, para esperar no banheiro, para passar creme no cabelo, para levar para natação, futebol … dá um trabalho danado com as birras, com os estudos, com a higiene, educação, etc… e dá uma alegria danada com uma nota 10 (de cada!), com uma medalha, um desenho, um aprendizado, com um abraço, um beijo e com um sorriso, com um “mãe eu te amo, você é a melhor mãe do mundo”.
A Nascor é uma Associação sem fins lucrativos, formada por pais adotivos e simpatizantes que se interessam pela adoção, cujos objetivos são o estudo e apoio à adoção, desenvolvendo ações que contribuam para garantir o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, esclarecendo e estimulando à adoção. As reuniões da NASCOR são abertas ao público, acontecem todo terceiro sábado do mês na Escola Politécnica da UFBA das 14h Às 17h ( para mais informações: http://www.associacaonascor.blogspot.com.br )
Varela Notícias