Pesquisa feita pela Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo analisou 639 mortes de civis registradas como resultados de supostos confrontos entre policias e criminosos em 2017 e apontou que duas em cada três (67%) não contaram com testemunhas civis.
Conforme a pesquisa, 430 casos de mortes decorrentes de intervenção policial só contaram com a versão de policiais sobre o crime. Os outros 209 tiveram depoimentos de pelo menos uma pessoa fora da PM sobre o ocorrido.
Os casos que contaram com testemunhas civis, 15% houve contradição no depoimento com a versão dos policiais, de acordo com a pesquisa. A Ouvidoria aponta ainda que, das que tiveram contradição, metade teve indícios de excesso na prática de legítima defesa e a outra metade houve excesso durante ocorrências que não tiveram confrontos.
Por meio da assessoria de imprensa, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) diz que os dados foram apresentados pela Ouvidoria “de forma equivocada”. A pasta afirma que o correto é separar as ocorrências que envolvem policiais em serviço e de folga, “já que possuem dinâmica e políticas de redução completamente diferentes”.
A secretaria, comandada por Mágino Alves Barbosa Filho, diz que “também é incorreto fazer estudo analítico sem levar em conta todos aspectos de cada caso que é acompanhado, monitorado e investigado para constatar se a ação policial foi realmente legítima”.
Para Benedito Mariano, ouvidor de polícia responsável pela pesquisa, o equívoco é da assessoria de imprensa da pasta. “Existe uma resolução da SSP que diz que as ocorrências de intervenção policial devem ser consideradas tanto em serviço como na folga”.
O ouvidor ainda diz que “os dados de 940 civis mortos por policiais em serviço ou na folga foram colhidos na Coordenadoria de Análise e Planejamento da secretaria”, e destaca que tem “documento oficial de que a própria SSP computa as mortes em serviço e na folga”.
Os dois tiros no peito que mataram o carroceiro Ricardo Silva Nascimento, 39 anos, em Pinheiros (zona oeste de São Paulo), em 12 de julho do ano passado, foram registrados em um boletim de ocorrência como “morte decorrente de intervenção policial”. Ele é um número das estatísticas de mortos em supostos confrontos.
Na ocasião, as investigações apontaram que o carroceiro estava armado com um pedaço de pau e teria partido para cima do policial militar. Houve divergências entre os relatos das testemunhas que presenciaram a ação, inclusive dos civis com a versão dos PMs.
Para se posicionar sobre as mortes em supostos confrontos, a SSP-SP diz que “em 2017, foram presos em flagrante 152.448 pessoas, apreendidos 25 fuzis e 188 explosivos e apetrechos”, e este número, comparado às vítimas de tiros da polícia paulista, representa 0,45% do total de prisões.
O ouvidor Mariano afirma que considera “inadequado estabelecer dados de prisões com dados de letalidade policial”. Para ele, “os dados de prisão não são relevantes para a pesquisa sobre uso da força letal por policiais e vitimização policial”, destacando que os números de 2017 são os mais altos desde 1992.
Diferentemente do carroceiro, a morte de Luiz Carlos Cerqueira Inácio Filho, 23 anos, atribuída por familiares e amigos à uma ação da Polícia Militar, não se enquadra em casos de “morte decorrente de intervenção policial”. O jovem morreu após uma ação da PM para finalizar um baile funk no Jardim Gaivotas, região do Grajaú, zona sul de São Paulo, no dia 16 de abril do ano passado.
Embora tenha acontecido em um local movimentado, já que ocorria um “pancadão” no local, apenas policiais foram à delegacia testemunhar a morte de Luiz. Os PMs do 27º Batalhão disseram que se aproximaram do baile funk e foram surpreendidos por disparos de arma de fogo e, em resposta, um policial efetuou quatro disparos e outro agente atirou duas vezes.
O documento da Ouvidoria aponta que “mesmo nas ocorrências diurnas e em locais habitados ou com presença de transeuntes, verificou-se como usual a qualificação apenas de policiais como testemunhas nos boletins de ocorrência”.
Um inquérito para investigar a morte de Luiz foi instaurado no DHPP (Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa). Questionada pela reportagem, a SSP-SP disse que o caso foi encaminhado para a Justiça no dia 2 de fevereiro deste ano e o IPM (Inquérito Policial Militar) foi entregue para o TJM (Tribunal de Justiça Militar) no dia 21 de junho do ano passado.
A pasta ainda disse que “os policiais envolvidos na ocorrência passaram por avaliação psicológica e atualmente exercem suas funções nos programas de policiamento da instituição”. Segundo o ouvidor Mariano, o caso segue na Ouvidoria de Polícia, no entanto, como homicídio de autoria desconhecida.
Sobre as medidas adotadas pela Secretaria de Segurança Pública para reduzir o número de pessoas mortas em ações policiais em São Paulo, a pasta disse o seguinte:
“Entre as ações para redução da letalidade policial o Estado conta com a Resolução SSP 40/15, que garante maior eficácia nas investigações de mortes. Outra medida importante é o Programa de Acompanhamento e Apoio ao PM (PAAPM), que oferece suporte ao policial que se envolveu em MDOIPs [Mortes Decorrentes de Oposição à Intervenções Policiais]. Além de receber policiais que solicitam apoio no Sistema de Saúde Mental (SisMen) da PM, composto também pelo Centro de Atenção Psicológica e Social (CAPS) e pelos Núcleos de Atenção Psicológica e Social (NAPS), nos comandos regionais.”
R7