Moacy Neves
Hoje, quero falar com você que bateu palmas quando o Rio das Pedras, no Imbui, foi tamponado e condenado a virar esgoto subterrâneo só para você ter uma praça cheia de barzinhos. Hoje, quero falar com você que achou correta a destruição de centenas de árvores para a construção do BRT porque vai ter mais viadutos para o seu carro passar. Hoje, quero falar com você que achou correta a construção de condomínios de luxo devastando áreas verdes no Parque de Pituaçu. Hoje, quero falar com você que acha essa história do efeito estufa o do desequilíbrio ambiental uma grande besteira. O modelo de desenvolvimento urbano adotado pelo Brasil é equivocado. Nossas cidades estão crescendo na escala do carro e não na escala humana. A cada dia tem mais asfalto, mais cimento, mais viadutos, mais rios tamponados, mais terra batida para criar espaço para mais e mais carros nas ruas. Essa impermeabilização total da cidade transforma qualquer chuva num grande problema e qualquer tempestade num imenso dilúvio. É exatamente isso que estamos vivendo em Salvador hoje. Choveu mais do que o esperado, não foi? Verdade. Mas se a cidade fosse diferente do que é, o efeito não seria tão danoso. E ano a ano, as ocorrências de chuvas vão ficando mais catastróficas? A deste ano já não está pior do que a do ano passado? Quando é que o poder público vai preparar a cidade para isso? A força da natureza vai seguir mostrando que água é água e quando chega ocupa o seu espaço. A água das chuvas procura por onde infiltrar, mas só encontra quintais com cimento, antigas áreas verdes agora forradas de cerâmica e ruas asfaltadas. Então, ela segue procurando por onde entrar na terra e vai descendo as ladeiras, ganhando velocidade e levando tudo pela frente: lixo, terra, árvores, pessoas, carros. Ela derruba encostas e leva lixo para entupir bueiros, até que, finalmente, a água chega a um vale e encontra o leito de um rio rodeado de área verde. Rio? Que rio? Que área verde? Já mataram nossos rios e transformaram em esgotos. É por isso que a água acumula nos locais mais baixos da cidade e gera os alagamentos. Espero que meu texto te faça refletir. Senão, quando a chuva passar e o sol voltar a brilhar, você vai voltar a circular no seu carro com ar condicionado e achar que está tudo bem outra vez. Até o dia em que o seu carro estiver boiando no meio de uma enchente ou submerso na garagem do seu edifício. Aí você vai entender tudo o que eu estou falando hoje.