O Brasil se desindustrializou antes de enriquecer e passar a ser uma sociedade em que os setores de serviço e consumo respondem pela maior parte do PIB, como acontece nos países chamados centrais. Essa dura realidade foi apontada por palestrantes de seminário sobre tendências da indústria automobilística organizado pela revista “Quatro Rodas”, em São Paulo (SP).
Uma crise de vendas como a que assola o setor atualmente torna o cenário ainda mais difícil por enfraquecer a cadeia de fornecedores. Basta ver o caso da Volkswagen, atingida por disputa litigiosa com o grupo de fornecedores Keiper, sediado na Alemanha, cujas filiais aqui instaladas passaram a atrasar e depois suspender a entrega de bancos.
A empresa deixou de produzir mais de 150.000 veículos desde o início de 2015, e os seus estoques estão tão baixos que fizeram diminuir sua participação de mercado. Só no fim deste mês a produção retomará e as fábricas trabalharão no máximo da capacidade até novembro, de acordo com David Powels, presidente da companhia no Brasil.
Parte dos problemas se deve à baixa produtividade do trabalho no país, explicada pelo baixo nível educacional, burocracia e leis superadas, entre outros motivos. Mas é improvável alguma marca arredar o pé de um mercado que, até recentemente, era o quarto no mundo em vendas de veículos. E que deve voltar a essa posição depois de 2020.
Até fabricantes de modelos mais caros com produção local (Audi, BMW, Land Rover e Mercedes-Benz, presentes ao seminário) acreditam no potencial de 5% das vendas totais para este segmento, hoje 2,5%. Deram exemplos do Chile, onde a participação é de 6%, e da China, 10%.
Stefan Ketter, presidente da FCA, criticou o grau de fechamento da economia brasileira. Para ele, as fronteiras devem ser abertas para o mundo a fim de que o país possa exportar mais.
Porém, isso não parece fácil, porque cada fabricante de veículos tem uma estratégia, sem contar os outros setores industriais e a taxa de câmbio. Dez anos atrás o Brasil chegou a exportar cerca de 30% de sua produção de veículos. Em 2016 mal vai passar de 20%, apesar de câmbio favorável e de excedente deixado pelo mercado interno.
O que o consumidor quer?
Ketter também chamou atenção para o engajamento do comprador na era digital. Da população de 202 milhões de pessoas, 110 milhões se conectam à internet e somos o terceiro país que mais usa redes sociais no mundo.
Citou que 96% dos clientes pesquisam na internet antes de comprar um carro. Segundo o Google, até 10 fontes diferentes são usadas na fase de pesquisa. A maioria é online, mas quatro “offline” resistem: concessionárias; conversas com família e amigos; anúncios (televisão, jornal e revista); e test-drive nas lojas.
Se a falta de confiança na economia está entre os maiores fatores que inibem a compra de um automóvel novo, há os fenômenos de infidelidade à marca e dúvida a que todos os fabricantes estão submetidos, em maior ou menor grau. De acordo com o executivo, 81% dos clientes ainda não haviam decidido o que comprar no momento de iniciar a pesquisa.
Sim, o cliente ficou digital, mas prever qual será sua escolha é um desafio.
Roda Viva
+ Fiat deve ceder à pressão da sua rede de concessionárias para lançar uma versão do Jeep Renegade mais barata com o logotipo da marca italiana e novo nome. Esta não era a intenção, mas com a virada dos consumidores na direção dos SUVs e crossovers compactos, além da baixa profunda nas vendas gerais do mercado brasileiro, o caminho está aberto.
+ Convivência de duas versões do Onix, LT/LTZ/Activ (reestilizadas) e Joy (anterior, com atualização do motor e câmbio manual 6-marchas), está dando certo para manter a liderança. Diminuição de consumo de combustível, facilmente notada no uso diário, vem acompanhada da suavidade do motor 1.0 4-cilindros. Regulagem dos retrovisores externos na coluna dianteira continua a dever em ergonomia.
+ Projeto-piloto da Mercedes-Benz e da Bosch em Stuttgart (Alemanha) transforma qualquer carro em “caçador de vagas”. Ideia já em testes é monitorar espaços para estacionar e, caso o motorista não precise daquela vaga, disponibilizar a informação via aplicativo para outros motoristas. Essa experiência colaborativa assemelha-se à do Waze, que se consolidou.
+ Adoção das novas placas de veículos do Mercosul no Brasil, anunciada pelo governo federal anterior, foi adiada, como se esperava. Argentina e Uruguai, com frotas menores e mesmo idioma, até já se integraram. Colocar mais 55 milhões de veículos brasileiros (incluindo motos) nessa malha tem alto custo e baixa prioridade.
uol