A liberdade de sair pelo mundo com a casa nas costas, sem precisar desfazer e arrumar as malas a cada destino, parece uma ideia perfeita para quem quer autonomia. Viajar de motorhome proporciona essa sensação de independência sem abrir mão do conforto, mas nem sempre este estilo de passeio funciona para todos.
Quem gosta acaba transformando o hobby em um estilo de vida e não quer mais saber de passear de outra forma. É o caso do empresário Benil Teixeira, 70, vice-presidente da TOCA (Associação Capixaba dos Veículos de Recreação). Ele desbrava o Brasil de motorhome desde 1999, mas antes disso já acampava e viajava com um trailer. “Tem que ter prazer em estar na estrada, gostar de dirigir, mas não há nada mais gostoso do que ser livre para passear”, afirma.
“Adoro não perder tempo com aeroporto, conexões, trens. É só ligar o motor e ir embora”, diz Neide Dutra Félix, 44, de Florianópolis (SC), que viaja regularmente há cerca de 20 anos com motorhome alugado.
A paixão de Neide virou trabalho e ela organiza caravanas para brasileiros viajarem nesta modalidade pela Europa. Ela prefere o continente por conta da boa estrutura de campings e estacionamentos, que já são bem preparados para esse tipo de veículo. Apesar do carro ter chuveiro quente, ela acha mais prático usar os banheiros do camping para não gastar água à toa. A capacidade do reservatório depende muito de cada veículo, mas, em média, a água costuma ser suficiente para um casal por três dias, com uso racional tanto no banheiro quanto na cozinha. Nunca é demais economizar.
Já Benil, que percorreu praticamente todo o Brasil, exceto a região Norte, acredita que mesmo sem muita estrutura não é tão difícil se virar com o motorhome por aqui. Esvaziar a caixa de detritos, para onde vai a água suja da cozinha e do banheiro, é a tarefa mais complicada, pois exige local apropriado para o descarte. Contudo, muitos campings e postos de gasolina dispõem desse serviço. Segundo ele, a caixa deve ser esvaziada e limpa a cada 8 ou 10 dias.
Os outros cuidados com as instalações do carro, de acordo com Benil, são muito parecidos com a manutenção de uma casa. Aliás, não falta quase nada na casa sobre rodas do empresário, com utensílios domésticos como fogão, micro-ondas, TV, máquina de lavar roupas e adega para vinhos. Além de baterias e placas solares, o motorhome também possui um gerador, para garantir que não falte energia em nenhum momento.
A maioria dos motorhomes possui toldo para formar uma espécie de varanda do lado de fora. Cozinha externa também é um item comum, já que a vontade desses viajantes gira em torno de conviver com outros campistas, conversar no fim do dia, dividir histórias e refeições. “O “motorhomeiro” gosta disso, de baixar seu toldo, fazer um churrasco, bater um papo e fazer amizades que ficam para toda a vida”, conta Neide Félix.
“O nosso quintal é o mundo”
Há um ano e quatro meses viajando pelo Brasil, a jornalista Glória Tupinambás, 35, e o marido Renato Weil, 45, repórter fotográfico, preferiram criar seu próprio motorhome: uma van Sprinter adaptada, conforme suas necessidades, e autossustentável, inclusive com placas solares. “Como as condições são mais precárias para viajar dessa forma no Brasil, pensamos em uma miniatura da nossa casa, bem independente, para não precisar de campings”, explica Glória.
Com o objetivo de percorrer as três Américas em cinco anos, o casal chamou a aventura de “A Casa Nômade” e segue sem gastar com estadias. Eles procuram chegar em cada cidade durante o dia, para conhecer a dinâmica do lugar e escolher um espaço seguro, de preferência sem custo, para estacionar o veículo.
“Na dúvida, paramos em um posto de gasolina, mas tentamos evitar porque é sempre barulhento”, diz Glória. Os moradores locais também são muitas vezes solidários e oferecem o quintal de suas casas, além de uma tomada, para alegria do casal, que aproveita para ligar o ar-condicionado, equipamento que mais consome energia no motorhome. Os banhos são sempre na casa nômade, que possui chuveiro a gás e um reservatório de 500 litros – bem grande para esse tipo de veículo. “Economizando bem (a água) dura até uma semana”, conta.
Para ficar realmente parecida com a moradia anterior, Glória e Renato levaram até a própria geladeira e o colchão em que dormiam para o carro. A carroceria térmica, com placas de isopor e madeira náutica, ajuda a manter a temperatura agradável na casa nômade, que carrega ainda uma moto e duas bicicletas. “São 10m², mas tem tudo o que a gente precisa e o nosso quintal é o mundo”, descreve Glória.
Para Neide, a maior vantagem de fazer turismo a bordo de um motorhome está na flexibilidade de mudar de rota a qualquer momento, sem depender de hospedagem. “Se não para de chover ou se não gostamos de um lugar, é só seguir viagem”, destaca. Porém, para quem prefere a segurança de passar a noite em um camping, ela lembra que durante a alta temporada os estabelecimentos lotam e vale a pena fazer reserva. No inverno, muitos campings também fecham. Apesar da liberdade de se movimentar, é importante programar onde parar, pois o motorhome demanda espaço.
Na ponta do lápis
Para dirigir um motorhome, tanto aqui quanto no exterior, basta uma habilitação normal, categoria B. No Brasil, o limite é para veículos de até 6 toneladas. Os modelos mais comuns de motorhome são para 2, 4 e 6 pessoas. O aluguel varia de 80 a 160 dólares ou euros por dia, conforme a baixa ou a alta temporada, nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, há poucas empresas que alugam esse tipo de veículo e a diária custa a partir de R$ 500.
É importante fazer um bom planejamento para não passar aperto na estrada e colocar os gastos na ponta do lápis, já que, no fim das contas, não costuma ser mais barato do que viajar de forma convencional. É preciso somar na conta o aluguel do carro, a estadia no camping, que muitas vezes cobra por pessoa e pelo estacionamento, e o combustível. A maior economia fica por conta da alimentação, já que as principais refeições são feitas no motorhome.
A vantagem de alugar o veículo é não ter preocupação com manutenção: em caso de qualquer problema basta acionar o seguro. Antes de cair na estrada, vale pegar o máximo possível de orientações sobre o funcionamento do motorhome para evitar problemas na viagem, como não saber ligar a calefação na hora que o frio apertar.
Conforto, liberdade e possibilidade de alterar o roteiro a todo momento, seja para curtir mais uma paisagem inesperada ou evitar um lugar nem tão legal, costumam ser as prioridades de quem se encanta por essa maneira de viajar. “A vantagem é que se o vizinho for chato você levanta acampamento e procura outra vizinhança”, brinca Glória Tupinambás.
MOTORHOME É PARA VOCÊ?
Gostar de dirigir
Viajar em um motorhome significa passar várias horas por dia na estrada. Gostar de dirigir é fundamental para apreciar a viagem. Porém, nesse caso o objetivo não consiste em chegar logo, mas em desfrutar das belezas do caminho. O melhor é sair cedo e fazer muitas paradas, que são o charme desse estilo de viajar.
Evite alta temporada
Os campings na Europa costumam ficar bastante cheios no verão, do final de junho até agosto. Para quem pretende visitar alguns países europeus, vale a pena buscar outra época. O inverno, no entanto, também não é uma boa pedida, tanto pelo desconforto em razão do frio quanto por conta do fechamento de alguns campings nesse período. A primavera e o outono são bons momentos para viajar de motorhome. No Brasil, o calor intenso do verão também pode deixar a viagem mais desconfortável, já que o ar-condicionado consome bastante energia e nem sempre existe a possibilidade de ligá-lo em uma fonte externa.
Fuja das metrópoles
O motorhome é um veículo grande, difícil de estacionar em qualquer lugar. Visitar os centros urbanos pode virar um pesadelo. Para quem não quer abrir mão de conhecer uma metrópole, a dica é parar o motorhome antes de chegar no centro da cidade e buscar outros meios de locomoção. Também é muito mais prazeroso passear por estradas menores e secundárias do que percorrer a autoestrada sem ter muito o que apreciar.
Planeje onde parar
O ideal é viajar sempre de dia, sem pressa, curtindo a paisagem. Apesar da liberdade de mudar de rota, não dá para escapar de um bom planejamento para não se desesperar por não ter onde estacionar ao cair da noite. Pesquise locais seguros para passar a noite, abastecer e esvaziar a caixa de detritos. Tenha pelo menos os dois próximos dias planejados. Os “motorhomeiros” brasileiros, como costumam se autodenominar, trocam muitas informações e elaboraram até uma lista indicando campings, postos e estacionamentos para pernoite, com as devidas coordenadas para GPS.
Economize água
A capacidade do reservatório de água varia muito conforme o modelo do motorhome, podendo ir de 120 a 500 litros. De qualquer forma, a água deve ser usada com muita parcimônia para não faltar nos momentos mais importantes. É possível reabastecer a água nos campings e em alguns postos de gasolina. Se você é do tipo que quer demorar horas no banho, repense.
Prazer em socializar
A maioria das pessoas que viaja de motorhome gosta da convivência com outros campistas ou moradores locais. Ao invés de sair para curtir a noite, a diversão consiste em se juntar no final do dia para compartilhar as aventuras vividas na estrada e, quem sabe, uma boa garrafa de vinho. Se você não tem interesse em socializar, o ambiente provavelmente não é o mais indicado para você.
uol