Ao som dos versos que escreveu para a composição O Trenzinho do Caipira, de Heitor Villa-Lobos, cantados à capela por amigos e parentes, o corpo do escritor Ferreira Gullar foi sepultado no mausoléu da Academia Brasileira de Letras (ABL) na tarde de hoje (5), no Cemitério São João Batista, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro.
Em cerimônia simples e rápida, as últimas palavras de homenagem foram do jornalista e professor de cultura brasileira Leonel Kaz, que relembrou as conversas quase que cotidianas que manteve com o poeta nos últimos quatro anos. Kaz editou o livro A Revelação do Avesso — Colagens em Relevo de Ferreira Gullar, publicação artesanal que traz obras tridimensionais em metal do poeta.
“O Gullar dizia sempre que nós somos o imaginário daquilo que imaginamos que nós somos. E cada país tem um imaginário daquilo que imagina que é. E o Gullar era realidade, era ilusão e era imaginário de si mesmo, com uma força tão impressionante. O que impressionava no cotidiano com ele era a vida e a defesa das ideias. A vida é uma invenção e ele deve ter sido uma invenção de si mesmo, de uma forma completamente autêntica e que nos agarrava com tanta intensidade amorosa”, disse Kaz antes de encerrar a homenagem com a leitura do poema Uma Pedra É uma Pedra.
O poeta morreu no domingo (4) no Hospital Copa d’Or, na zona sul do Rio, aos 86 anos, devido a complicações de insuficiência respiratória. Ele era membro da Academia Brasileira de Letras desde 2014. No velório, que ocorreu desde as 11h na ABL, as últimas palavras foram do presidente Domício Proença Filho, que destacou a autenticidade da linguagem, da arte e da vida de Gullar.
“Ele nos deixa várias lições de autenticidade, de quem era fiel a seus princípios e a suas ideias, com a capacidade rara de reformulá-las diante do imperativo da mudança. Ele nos deixa a lembrança do alegre entusiasmo de sua presença assídua nesta casa, onde devia ter ingressado há muito mais tempo. Gullar, o levaremos sempre no nosso coração. Enquanto houver poesia e arte, muitos falarão de você, dos seus feitos, de sua coragem. E desse dizer, sabemos todos, é que se nutre a imortalidade.”
Mausoléu da ABL
Em um recanto da colina onde se encontra o Cemitério São João Batista, o Mausoléu da Academia Brasileira de Letras fica num nível acima do terreno, de onde é possível observar todo o cemitério e a Favela de Santa Marta ao fundo, por trás do bairro de Botafogo.
Lá, estão enterrados mais de 70 imortais, inclusive o fundador Machado de Assis. O mausoléu é uma construção simples e sem destaque entre as diversas sepulturas de mármore e granito nos estilos eclético, neoclássico, neogótico, art decó até o modernista, além de esculturas. A estrutura é revestida internamente por quartzito, conhecido também como pedra de Pirenópolis ou de São Tomé.
Na entrada, fica a sepultura de Machado de Assis e de sua esposa, Carolina, único espaço com granito. Por causa de um desejo dele, que queria ser sepultado perto de Carolina, todas as companheiras e companheiros dos imortais também têm o direito de serem enterrados no mausoléu.
As sepulturas são simples, com revestimento também de quartzito, e é possível ver a marca de letras mais antigas sobre elas, trocadas com a chegada de novos imortais ao recanto. Com o passar dos anos, os corpos mais antigos são transferidos para sepulturas verticais ao fundo do mausoléu.
Importância cultural de Ferreira Gullart
A secretária de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, Eva Doris Rosental, destacou, em nota divulgada na tarde de hoje, a importância de Ferreira Gullar para a cultura do país. “Gullar não foi apenas o maior poeta de sua geração, mas alguém cuja biografia vigorosa se confunde com a própria obra que produziu. Foi um artista singular, que agiu até a morte com a mesma intensidade e dignidade que marcaram sua vida artística e política. Ativo até o fim, fará imensa falta à vida cultural brasileira, mas certamente deixará um exemplo de coerência e vigor a inspirar muitos jovens a fazer arte na essência, com verdade e compromisso ”, afirmou a secretária.