A facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) promoveu uma reestruturação organizacional em 2016 e passou a contar com nove núcleos distintos para administrar os interesses dos membros da organização.
Hoje, o grupo que age na maior parte dos presídios de São Paulo e controla o tráfico de drogas no território paulista conta até com uma “diretoria de relações institucionais” e departamento de auditoria para fiscalizar os resultados de ações criminosas como o tráfico, roubos, contrabando de cigarros falsificados e com a venda e aluguel de armas, por exemplo.
No topo da mais recente pirâmide administrativa do PCC está o Conselho Deliberativo, formado por 12 presos da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (a 629 km da capital).
São membros do Conselho Deliberativo do PCC Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola), Antonio José Muller Junior (Granada), Paulo César Souza Nascimento Júnior (Paulinho Neblina), Paulo Pedro da Silva (PP), Paulo Felipe Esteban Gonzalez (Paulinho Teco-Teco), Airton Ferreira Silva (Tico-Preto), Wilber de Jesus Mercês (Ralf), Abel Pacheco de Andrade (Vida Loka), Marcos Paulo Ferreira Lustosa (Mandrova), Daniel Vinicius Canônico (Cego), Marcio Domingos Ramos (Gaspar) e Eric Oliveira Farias (Eric Gordão).
Nomes como Rogério Jeremias de Simone (Gegê do Mangue), Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho, Fabiano Alves de Souza (Paca) e Edilson Borges Nogueira (Birosca) não aparecem mais no Conselho Deliberativo.
Antes chamado de Sintonia Final pelos membros da facção — de acordo com investigações dos núcleos da Polícia Civil e do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público Estadual, na região de Presidente Venceslau, — o Conselho Deliberativo do PCC tem entre suas funções determinar as ações e os rumos da facção criminosa e também quais dos setores inferiores do grupo seguirão suas ordens.
No nível intermediário do comando do PCC está o Conselho Diretor, formado por um diretor presidente, um representante externo, que cuida dos negócios da facção fora dos presídios, e um representante interno, gerente que, apesar do nome de seu posto, está nas ruas e tem a função de fazer conexões entre questões extra muros e membros da facção criminosa presos.
O ocupante da cadeira de diretor presidente do PCC mais recente foi Valdeci Francisco Costa, chamado pelos membros da facção de CI (de Circuito Integrado), Ariel, Alexandre Magno, Abrãao, Doutor Pedro ou José de Arimatéia. Foi CI quem apresentou aos chefes do PCC essa nova estrutura organizacional focada em preceitos empresariais.
Seus conceitos administrativos foram obtidos pela Polícia Civil e pelo Ministério Público Estadual em Presidente Venceslau graças ao monitoramento dos e-mails utilizados pela liderança do PCC.
Em mensagem interceptada na madrugada de março de 2016, CI, usando a conta [email protected], enviou para a conta de mensagem eletrônica usada pela advogada Marcela Antunes Fortuna ([email protected]) a tabela “Projeto Estrutural 2016”, uma descrição minuciosa sobre como o PCC devia ser gerido. Após permanecer um ano em liberdade, CI voltou a ser preso em junho de 2016.
CI também foi quem passou a estimular que os chefes do PCC passassem a utilizar mais os e-mails para trocar informações a partir de dentro das prisões paulistas. Era ele quem criava protocolos de segurança para que as conversas dos criminosos deixassem de acontecer por meio de ligações telefônicas e fossem feitas por mensagens eletrônicas.
Para tentar evitar a identificação dos membros do PCC, CI criou códigos para identificá-los. Esses códigos eram distribuídos somente por e-mail e continham letras e números que somente os membros da cúpula da facção criminosa entendiam. CI, por exemplo, aparecia nas mensagens eletrônicas ou tabelas de prestação de contas do PCC como VS2, DL8, JK8, CT1, N5, CS4 ou AD2.
No novo modelo de gestão implementado por CI, um dos benefícios dos criminosos associados ao PCC passou a ser a assistência jurídica e funerária, uma espécie de seguro caso a empreitada criminosa desse errado, segundo as investigações da Polícia Civil e Ministério Público Estadual.
No fim do mês passado, a Operação Ethos descobriu 39 advogados apontados pela Polícia Civil e Ministério Público Estadual como integrantes do setor “R” (de recursistas) do PCC.
Desse total, 35 advogados estão presos preventivamente e quatro, foragidos. Além deles, a Ethos também prendeu Luiz Carlos dos Santos, até então vice-presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), órgão da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça de SP.
“Esse seguro inclui o pagamento de uma espécie de assessoria administrativa e jurídica aos autores de crimes afiliados à organização nas diversas regiões do Estado [de SP] e nos presídios federais. Esse seguro banca tratamento médicos, cirurgias de emergência em benefício exclusivo dos líderes da organização e de alguns afiliados da região 018 [oeste do Estado de SP] que estão presos”, explicou à Justiça o delegado Éverson Aparecido Contelli, chefe das mais recentes investigações contra o PCC.
“Quando acionados, os advogados da região [onde determinado membro do PCC foi preso ou morto] prestam assistência aos familiares de presos, normalmente em auxílio funerário ou até mesmo com contribuições financeiras para imprevistos. Quando isso ocorre, o advogado realiza um adiantamento ao familiar ou afiliado da organização e posteriormente lança essa quantia em sua planilha de prestação de contas para fins de ressarcimento”, continuou o delegado Contelli à Justiça.
A prestação desse tipo de assistência aos membros do PCC, de acordo com a investigação, serve para justificar a existência de duas outras fontes de renda da facção criminosa: a “cebola”, a contribuição mensal paga pelos criminosos em liberdade, com valor de R$ 600, e as rifas de bens que vão desde aparelhos de TV de última geração até carros e casas novas.
Até a reestruturação implementada neste ano, o setor dos advogados da facção criminosa era chamado de Sintonia dos Gravatas. Uma tabela apreendida pela Ethos mostrou que os gastos com o jurídico do PCC, em 2014, foram R$ 2.628.820,27. Nessa nova fase, o setor “R” consome entre R$ 2,5 e R$ 3 milhões ao ano, de acordo com o delegado Contelli.
Ao menos um tratamento médico de alto custo foi rastreado como bancado pelo novo sistema de gestão do PCC. Em junho de 2015, o detento José Adriano Bezerra foi operado pelo médico Marcelo H. Guilmar. A cirurgia custou R$ 81 mil — foram R$ 29 mil para a conta bancária do médico e outros R$ 52 mil para a conta corrente da Santa Casa de Presidente Venceslau. A assinatura para liberar os pagamentos foi dada pelo presidiário Marcos Paulo Ferreira Lustosa, conhecido na facção criminosa como Mandrova.
Auditoria do crime
O rastreamento dos e-mails usados pelos alvos da Operação Ethos possibilitou aos setores de inteligência da Polícia Civil e do Gaeco em Presidente Venceslau descobrir a riqueza de detalhes exigida pela facção criminosa PCC de seus prestadores de serviço.
A conta [email protected] foi apontada pelos investigadores da Ethos como a usada pela advogada Juliana Queiroz Barreto de Amorim, 39 anos, também chamada de Cachaça nas listas do PCC. Dela partiu uma tabela (imagem acima) com a prestação de contas sobre seus trabalhos realizados em maio de 2015.
A riqueza de detalhes exigida pela facção criminosa PCC para autorizar o gasto de R$ 19.998,20 com a advogada, segundo a investigação da Ethos, vai desde quantos quilômetros ela rodou para atender membros do grupo (2.740 kms, a um custo de R$ 0,80 cada) até um bônus de R$ 1 mil por conseguir retirar um detento do sistema RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), que funciona no CRP (Centro de Readaptação Penitenciária) de Presidente Bernardes (a 589 km da capital de SP), considerada a prisão mais rigorosa de SP. Dos R$ 19.998,20, menos da metade (R$ 9.600) eram referentes aos honorários da advogada.
R7