As operadoras de planos de saúde estão se adaptando às mudanças recentes nas regras de vendas e cancelamento dos contratos divulgadas pelo ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Em todo o País, existem cerca de 50 milhões de usuários de planos de saúde, o que significa que 24,9% da população brasileira é cliente de alguma operadora. Há dez anos, em 2006, a taxa de cobertura das operadoras estava em 19,7% da população, segundo a ANS.
Uma das mudanças anunciadas este mês pela ANS, que permite a contratação do plano pela internet, pode revigorar a oferta de planos individuais, modelo de serviço quase abandonado pelas grandes empresas do setor.
Atualmente, quase 70% dos 48,3 milhões contratos de planos de saúde ativos no Brasil são da modalidade coletivo empresarial (32 milhões de usuários), destinado a funcionários e sócios de empresas. A segunda maior parcela é dos planos individuais ou familiares com uma fatia de 19,5% do total de planos (9,44 milhões). O restante, cerca de 6,71 milhões de contratos, que correspondem a 13,89% do total são de planos coletivos por adesão (para entidades de classe ou associação).
“O problema é que as principais operadoras de saúde do país, tais como Sul América, Bradesco Saúde, Amil, entre outros, não vendem mais esse produto [plano individual], que oferece muito mais proteção para o consumidor”, disse a advogada Claudineia Jonhsson, especialista em Direito à saúde e sócia da ACJ Advogados Associados.
Para a especialista, a atuação da ANS, por enquanto está abaixo das expectativas e é necessário investir mais em ações que combatam as negativas abusivas de atendimento. Confira a seguir a entrevista.
R7: A liberação para contratar o plano de saúde pela internet facilitar a vida do consumidor?
Claudineia Jonhsson: A mudança afeta apenas os contratos de natureza individual, que podem ser contratados por qualquer pessoa, sem nenhuma exigência. Para os modelo coletivo empresarial ou o por adesão a regra não se aplica. Portanto, apesar de ser mais um meio disponível para contratação e de ser importante a sua regulamentação, não terá muita aplicabilidade nesse primeiro momento, lembrando que o código de defesa do consumidor e a lei dos planos de saúde já eram suficientes para regulamentar esse tipo de contratação.
R7: Em relação aos riscos, eles não são muito diferentes daqueles que já existem hoje?
Claudineia Jonhsson: Contratar a prestação de serviços de assistência médica privada não é como contratar os serviços de uma empresa para pintar um apartamento ou fazer uma manutenção de um veículo. O consumidor precisa conhecer e entender aquilo que está contratando, pois há opções muito diferentes no mercado e cada uma delas implica em vantagens e desvantagens. Por exemplo, um plano com coparticipação diminui o valor da mensalidade, mas exige que o consumidor pague uma porcentagem de alguns procedimentos, como consultas e exames. Um plano com cobertura nacional de qualquer empresa que trabalhe sob a marca Unimed é muito diferente de um plano com cobertura nacional de outra operadora de saúde. O consumidor precisa obter de forma clara e explicativa as vantagens e desvantagens de um produto que pretende contratar. Atualmente o consumidor não tem essa informação e decerto continuará assim através da venda online.
R7: Com a crise no mercado de trabalho e o desemprego, as operadoras dos planos de saúde estão procurando alternativas para o negócios? A venda pela internet é um caminho?
Claudineia Jonhsson: Entendo que a venda online decorre muito mais do implemento de tecnologias do que da crise econômica. É uma evolução natural do setor, pois a quantidade de pessoas que utiliza a internet para fazer comprar produtos e contratar serviços só aumenta e o mercado precisa se adaptar e atender aos anseios da sociedade. Especificamente em relação à crise. A maioria das operadoras de saúde que quebraram já vinham mal muito antes da crise. Exemplo disso é a Unimed Paulistana e a Unimed Rio.
As outras grandes operadoras de saúde não sofreram nenhum impacto significativo com a perda de clientes, até porque elas conseguiram cobrar de quem manteve o serviço aquilo que perderam em razão daqueles que rescindiram o contrato. Exemplo disso são os reajustes aplicados aos contratos por sinistralidade, cujos índices foram muito elevados, sem nenhuma interferência da ANS, ou seja, os efeitos da crise foram repassados ao consumidor que manteve o serviço, pagando bem mais caro do que pagava antes da crise. Com a crise, as despesas com assistência médica privada se tornaram uma das mais elevadas. O reajuste das operadoras de saúde é dobro da inflação do Brasil.
R7: Quais as principais mudanças nas regras de penalidades dos planos de saúde que ocorreram este ano? O direito do consumidor ficou mais protegido?
Claudineia Jonhsson: Entre as principais regulamentações implantadas pela ANS neste ano, está a Resolução Normativa n. 388, que regulamentou o prazo que a operadora de saúde tem para responder a uma reclamação do consumidor. Não muda muito a situação do consumidor porque a maioria das reclamações de natureza assistencial (negativa de cobertura) são geradas por motivos que são apoiados pela ANS, mas pelo menos passou a ter uma regulamentação do prazo para resposta. Há poucos anos, algumas operadoras de saúde chegavam ao absurdo de dizer ao consumidor que não iriam informar por escrito o motivo da negativa. Foi necessário ter uma norma da ANS para resolver isso. Recentemente, também tivemos a Resolução n. 412, que regulamentou a forma de cancelamento dos planos de saúde. Conforme já mencionado, a lei dos planos de saúde e o CDC são suficientes para tratar desse assunto, mas, por incrível que pareça, ainda existem alguns contratos que sequer mencionam como o consumidor deverá fazer para cancelar o serviço.
R7: Existem mais mudanças possíveis nas regras dos planos de saúde?
Claudineia Jonhsson: Sim. Há assuntos muito importantes sendo discutidos já neste momento, como por exemplo a questão dos chamados “planos de saúde populares”, que esperamos não seja aprovada. Outra discussão antiga e ainda pendente se refere às tentativas de reduzir a judicialização da saúde. Neste ano, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a resolução que dispõe sobre a criação e a manutenção de “comitês estaduais de saúde” para elaborarem pareceres médicos aptos a “auxiliar” os juízes. Esse tipo de medida não deu certo antes e continuará a não dar certo. Isso porque tem-se tentado evitar que o paciente ajuíze a ação ao invés de tentar evitar que a operadora de saúde continue a negar abusivamente diversos procedimentos médicos. Há outros temas que gostaríamos que fossem logo discutidos.
R7: Quais?
Claudineia Jonhsson: Um deles é a falta de opções de contratação de planos de saúde individuais. Muitas pessoas podem pagar por um plano de saúde, mas não conseguem contratá-lo porque não tem um produto disponível para elas. Esse problema afeta principalmente aos idosos. O plano de saúde individual, único que pode ser contratado por qualquer pessoa sem restrição, oferece proteção muito maior para o consumidor, pois o teto do índice de reajuste é regulamentado pela ANS e o contrato não pode ser rescindido unilateralmente pela operadora de saúde se não houver inadimplemento do consumidor. Por esse motivo, ele deixou de ser comercializado pelas grandes operadoras de saúde. É necessário discutir esse problema e viabilizar meios para que esse tipo de contrato volte a ser disponibilizado no mercado. Ao invés disso, tentam aprovar o tal plano popular, um tipo de plano que tem diversas restrições de cobertura.
R7