O anúncio de que a inflação de 2016 se manteve abaixo do teto da meta e da redução, pelo Banco Central, da taxa Selic, de 13,75% para 13% ao ano, gerou certo alívio para os consumidores, que têm reclamado nos últimos meses da alta dos preços e da dificuldade de acesso ao crédito. No entanto, os reflexos das medidas econômicas no dia a dia das pessoas ainda devem levar um tempo para aparecer, segundo especialistas.
Em relação à queda da inflação, por exemplo, os consumidores afirmam que ainda não sentiram mudança expressiva nos preços. “Não teve diferença, os preços continuam altos, principalmente nos supermercados”, disse a aposentada Silvana Souza. O entregador Adonias Alves também ainda não notou diferença nos preços. “Para mim, aumentaram muito. Eu vou no mercado com o mesmo valor que ia antigamente e não consigo comprar tudo, está tudo bem mais caro”, comparou
“Quando vamos no mercado a diferença das coisas é muito grande, de uma semana pra outra já vê muita diferença”, acrescentou o gari Carlos Oliveira.
Segundo economistas e especialistas em direito do consumidor, a diferença entre o resultado técnico da queda da inflação e a percepção das pessoas se deve à forma como o índice é medida, entre outros fatores. “Os efeitos não são sentidos de imediato, porque o IPCA [Índice de Preços ao Consumidor Amplo, que mede a inflação oficial] considera o preço médio dos produtos e serviços. E para determinadas faixas de renda, o impacto dos preços de determinados produtos é maior”, explicou Newton Marques, economista do Conselho Regional de Economia e Professor da Universidade de Brasília (UnB).
A economista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Ione Amorim acrescenta que, em geral, os preços foram mantidos dentro da meta, mas muitos produtos mantêm preços elevados devidos a fatores pontuais. “Tecnicamente, a queda existe, mas, na prática, vai demorar para o consumidor perceber essa redução. Individualmente, é possível que ainda encontremos produtos com preços mais altos que o da inflação, seja por problemas de safra, mudanças climáticas ou outro fator que leve à redução da oferta do produto”, ponderou.
Segundo Ione, apesar de favorável, ter a inflação abaixo do teto da meta é reflexo do cenário econômico atual, de recessão. “O elevado índice de desemprego e a redução do poder de compra do consumidor levam o mercado a reajustar seus preços.”
Tendência
Os economistas avaliam que o índice deve se manter estável enquanto perdurarem os efeitos da crise econômica. “O desemprego ainda não deu sinais de paralisação. E o empregado assalariado não tem tido aumento real no salário. Tem também os fatores macroeconômicos, como a taxa de câmbio, que interfere no custo de alguns produtos, como medicamentos. Então a inflação deve ficar estável, dentro das metas”, avaliou Ione Amorim.
“Enquanto tiver queda da atividade econômica e se não ocorrer nenhuma grande alteração de preços, principalmente nas áreas de alimentação, habitação e transporte, a inflação deve se manter estável”, acrescentou Marques.
Para contornar os preços altos nos supermercados, a orientação do Idec é que os consumidores observem os aumentos isolados e busquem alternativas. “É importante que o consumidor esteja atento aos preços. No caso dos alimentos, o que a gente sempre recomenda é substituir quando a gente está diante de um produto em queda de oferta.”, alerta Ione.
Juros
Sobre a redução da taxa básica de juros, os consumidores parecem estar mais otimistas. A aposentada Silvana Souza, por exemplo, considerou a mudança anunciada ontem pelo Banco Central positiva. “Se tiver mesmo a redução vai ser muito bom, vai ajudar bastante.”
Segundo o economista Newton Marques, a redução da Selic para 13% ao ano pode trazer resultados positivos para a economia do país. “A partir do momento em que há uma redução da taxa Selic, as demais taxas podem baixar também. O que significa que as pessoas devem gastar com juros um valor menor. Cria-se um ambiente otimista.”
Os órgãos de defesa do consumidor, contudo, estão cautelosos e alertam que os juros no país continuam altos e podem contribuir para o endividamento. “A redução dos juros traz uma contribuição não imediata, mas importante. Para que haja um efeito significativo vai levar um tempo expressivo. E, independente da redução, no Brasil as taxas estão entre as mais altas do mundo. Então, a redução [anunciada ontem] tem impacto tímido”, ponderou a economista do Idec.
O diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e Cidadania, André Luiz Lopes dos Santos, também considera que a redução da Selic não terá efeito significativo a curto prazo. “Isoladamente, a redução da taxa básica de juros significa pouco. É uma boa sinalização de cenários, mas é preciso esperar um pouco mais para vermos os reais efeitos disso sobre os custos repassados ao consumidor, pelo mercado, em especial pelos bancos, e pelo setor financeiro em geral”, afirmou.
Inadimplência e planejamento
Para quem está endividado e tem empréstimos em aberto, os especialistas esclarecem que as taxas permanecem as mesmas do momento em que os contratos dos empréstimos ou acordos foram firmados, ou seja, não sofrerão redução como reflexo da queda da Selic.
A economista do Idec destacou que o consumidor brasileiro vem de um processo de endividamento que se acumula há anos e que, para sair das dívidas, está sempre se sustentando no crédito. Para quem se encontra nessa situação, a orientação é ter prudência ao tentar renegociar as dívidas, segundo Ione. “Se for refinanciar dívida, o consumidor deve observar as taxas oferecidas pelos bancos e a partir daí trocar a dívida cara por uma mais barata.”
Para o economista Newton Marques, a redução da taxa básica de juros, apesar de positiva, não terá efeito imediato sobre os índices de inadimplência dos brasileiros. “Para inadimplência, o fator determinante é o desemprego e a perda de renda. Enquanto continuar o nível de desemprego, continua a inadimplência. E as pessoas não podem achar que com a redução podem ficar consumindo sem planejamento financeiro. O consumidor tem que aprender a diferenciar o consumo compulsivo, supérfluo, do consumo necessário.”
Na plataforma de defesa do consumidor da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), as demandas que envolvem os temas renegociação de dívidas e dúvidas/contestações sobre cálculo de juros/saldo devedor representam cerca de 7% dos registros em 2016.
Para evitar o endividamento, o ministério orienta que o consumidor reflita antes de comprar e, se possível, compre à vista, além de ficar atento, em caso de necessidade de parcelamento, para o chamado Custo Efetivo Total (CET) da operação de crédito.
“Mesmo que a redução da taxa básica traga reduções para as taxas de juros cobradas do consumidor, e deverão trazer, em alguma medida, elas continuarão elevadas e, diante disso, é preciso tomar muito cuidado antes de assumir compromissos financeiros em decorrência do consumo”, alertou o diretor André Santos.
Agência Brasil