Uma pesquisa multidisciplinar foi iniciada no Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (ISC/UFBA) para acompanhar e atender, ao longo dos próximos três anos e meio, 203 crianças soteropolitanas, com idades entre 8 e 17 meses, que apresentam alterações neurológicas congênitas associadas à epidemia do vírus zika, e suas respectivas famílias. Coordenado pela pesquisadora do Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA) Darci Neves Santos, o projeto “Efeitos das manifestações neurológicas congênitas associadas ao zika vírus sobre o desenvolvimento infantil no contexto da Atenção Básica”, começou a ser posto em prática em dezembro passado e está estruturado em torno de duas frentes de atuação.
O foco central é o acompanhamento do desenvolvimento de crianças que nasceram com microcefalia, alterações neurológicas, deficiência auditiva, visual ou de linguagem – doenças do espectro da síndrome de deficiência congênita ligada ao zika vírus –, proporcionando-lhes estimulação cognitiva, psicomotora e fonoaudiológica especializada. Paralelamente, os pesquisadores buscarão conhecer e interferir nos contextos em que se dá o processo de desenvolvimento infantil, prestando assistência psicológica aos pais e familiares e estabelecendo diálogo permanente com os entes públicos de educação e saúde básicas (como creches, escolas, centros de referência em assistência social – CRAS – etc.).
“A literatura científica mostra uma relação direta entre desenvolvimento infantil e qualidade da estimulação no ambiente domiciliar. Estimular é o que de melhor pode fazer por alguém que apresenta algum grau de deficiência neurológica ao nascimento, principalmente antes dos três anos de idade, e pelo menos até os seis anos”, explica a professora. Tendo isso em vista, o projeto envolve uma equipe multidisciplinar formada por oito pesquisadores e outros 20 membros – que inclui profissionais e estudantes das áreas de medicina, enfermagem, psicologia, terapia ocupacional, fisioterapia, fonoaudiologia, saúde coletiva e do bacharelado interdisciplinar em saúde.
Além dessas 203 famílias, o projeto irá acompanhar paralelamente um grupo de 100 outras famílias vizinhas, cujos filhos tenham nascido no mesmo período, porém sem nenhuma alteração causada pela zika. Elas receberão o mesmo tipo de acompanhamento, orientação e estimulação, para que seja possível comparar o desenvolvimento dos dois grupos. O objetivo é poder observar que tipo de limitações podem ser diretamente associadas à zika, e quais tendem a ser motivadas por outros fatores, ligados aos contextos familiar, social e econômico.
Ligada à linha de pesquisa Epidemiologia e Vigilância em Saúde do ISC, a pesquisa – de tipo coorte (modalidade de investigação científica que abrange grandes grupos de pessoas atingidas por um mesmo evento) circunscrita à cidade de Salvador – foi selecionada nacionalmente, no final do ano passado, para receber um financiamento de R$ 774,5 mil das principais agências brasileiras de fomento à pesquisa: CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Decit (Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde) e FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
“Ou fazíamos esse estudo agora, ou não o faríamos mais”, explica a professora Darci Santos, atentando para a urgência da realização da pesquisa, haja vista o fato de algumas das crianças que nasceram com comprometimentos causados pela zika, no surto de 2015/2016, já se encontram com quase dois anos de idade.
A visitação das 303 famílias está prevista para começar em maio. Inicialmente, será construída a chamada “linha de base”: os pesquisadores se apresentarão às famílias e avaliarão a qualidade da estimulação às crianças já praticada no espaço da casa, além do estado emocional das mães. Será realizada uma primeira avaliação motora, cognitiva e de linguagem da criança e, em seguida, avaliações auditiva, nutricional e de saúde bucal. Após essa avaliação inicial, serão formados grupos de estimulação infantil e de apoio psicológico, que começarão, a partir de setembro, a visitar quinzenalmente as casas das famílias, creches, escolas, CRAS etc., para prestar o atendimento necessário.
Até completarem três anos e meio de idade, as crianças passarão por quatro avaliações periódicas, tendo como parâmetro duas escalas de avaliação: a Bayley (método norte-americano de avaliação da idade mental infantil criado pela psicóloga Nancy Bayley), que consiste em uma maleta de instrumentos lúdicos (brinquedos, jogos etc.) que permite avaliar cinco aspectos: cognitivo, uso da linguagem, motor, socio-emocional e adaptativo; e a HOME (Home Observation for Measurement of the Environment Scale, ou escala de observação para avaliação do ambiente doméstico), um questionário socioeconômico usado para avaliar a idade emocional e verbal do cuidador, a presença/ausência de punição e restrição à criança, a organização do ambiente físico e temporal, a disponibilidade de materiais, brinquedos e jogos apropriados, o envolvimento do cuidador com a criança e a oportunidade de variação na estimulação diária.