“Minha vida sexual era ótima, algo que para mim tinha muita importância. (Fazia sexo) duas vezes por semana e com qualidade.”
Aos 50 anos, a paulistana Márcia (nome fictício), que trabalha na área da saúde, estava satisfeita com sua vida sexual, até que um cisto no ovário fez com que, em apenas uma semana, ela entrasse na menopausa – com efeitos negativos em toda a sua rotina.
“Tive de fazer uma histerectomia (remoção de parte ou da totalidade do útero). Depois de uma semana, comecei a sentir algumas mudanças. Calor, irritação, insônia. Mas o pior foi 15 dias após a cirurgia. Dormia uma hora e meia por dia, só chorava, tinha uma irritação absurda, muita transpiração e mal-estar em geral”, diz Márcia à BBC Brasil.
A mudança hormonal afetou profundamente sua vida.
“Eu brigava no trânsito, discutia com pessoas na rua. Em casa, não tinha paciência com meus filhos e com meu marido. (A menopausa) também afetou totalmente minha vida sexual. Passado o período recuperatório, minha libido desapareceu totalmente, me sentia um ser assexuado”, acrescenta.
Marcia acabou decidindo recorrer a um tratamento que muitos médicos consideram arriscado, mas que é cada vez mais comum: a terapia com testosterona.
Antes disso, porém, ela ainda tentou tratamentos mais tradicionais com seu ginecologista.
“(O médico) dizia para eu ter paciência, que era só uma fase. Ele entrou com um hormônio levinho (estrogênio) e eu sentia quase nada de melhora. Como viu meu desespero, entrou com uma medicação um pouco mais forte. Um hormônio sintético, Tibolona. Fiquei um pouco mais equilibrada e com zero libido. Continuava sem ânimo para nada, como se eu tivesse perdido a vontade de viver”, lembra.
Foi aí que Marcia decidiu buscar uma segunda opinião, apesar da relação de extrema confiança que tinha com seu ginecologista. Ele havia feito os partos de seus dois filhos. “Foi doído, mas eu não tinha mais condição de viver daquele jeito.”
A pedido da nova médica, Márcia se submeteu a vários exames, para identificar a presença de tumores.
“Os resultados estavam todos normais e como não tenho nenhum antecedente familiar de câncer, ela me receitou a testosterona e o estradiol”, explica.
E assim começou o tratamento de Marcia com testosterona, hormônio que é produzido pelo homem em grandes quantidades e em pequenas doses pela mulher.
Efeito na libido
Terapias à base de testosterona vêm ganhando adeptos internacionalmente, ainda que não haja estudos que comprovem a segurança desses tratamentos.
Na mulher, seu efeito mais conhecido é na sexualidade: age na fantasia sexual, no erotismo. E também na manutenção da massa muscular e no vigor físico.
Não há consenso científico sobre o tema, mas médicos ouvidos pela BBC Brasil associaram o uso de testosterona a um aumento nos índices de colesterol e nos riscos de arteriosclerose e do câncer.
Márcia diz ter sido informada sobre os riscos.
“Apesar de ser uma pessoa supernatureba para certas coisas, essa foi a forma que encontrei de continuar vivendo com qualidade”, diz.
“A vida estava sofrida, desequilibrada e com tendência à depressão. A decisão de tomar um hormônio mais forte foi a esperança de voltar a ser quem eu era”, completa.
‘Primeira injeção’
Márcia tomou sua primeira injeção de testosterona em 2015. As doses são anuais e, como as drogas podem aumentar o risco de enfartes, é preciso fazer uma avaliação cardiológica prévia além de exames periódicos para reavaliar os efeitos da medicação.
“A primeira coisa que percebi foi o retorno do sono. Voltei a dormir normalmente, por volta de seis horas por noite. A disposição melhorou. Parei de chorar – porque eu chorava muito. E a libido voltou. Voltei a viver”, lembra.
“Meu marido amou. Ele estava achando que eu não tinha mais nenhum interesse nele e não era por aí. É que simplesmente você não consegue pensar em sexo. Algumas mulheres chegam à menopausa e a vida segue normalmente. No meu caso, tinha morrido para a vida. (Mas) não é todo mundo que pode tomar hormônio, então, a pessoa deve procurar um profissional competente para saber se tem condições ou não de utilizar a medicação”, ressalva.
Dúvidas quanto à segurança da terapia de reposição hormonal clássica, baseada principalmente no uso dos hormônios femininos, persistem na medicina há décadas e não há consenso sobre o assunto.
No caso da terapia à base de testosterona, de uso mais recente, a incerteza é ainda maior. Há menos estudos e os que existem tiveram curta duração.
Em 2014, as médicas Sandra Léa Bonfim Reis e Carmita Abdo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), fizeram uma análise de estudos publicados entre 1998 e 2012 sobre benefícios e riscos de terapias à base de testosterona para tratar a perda de libido.
O relatório das pesquisadoras, publicado na revista científica Clinics, do Hospital das Clínicas da FMUSP, concluiu que embora não haja dúvidas sobre os efeitos positivos da testosterona na resposta sexual feminina, todos os estudos publicados no período avaliado foram de curta duração (no máximo, 24 semanas).
“Portanto, é impossível tirar conclusões definitivas a respeito dos efeitos colaterais do uso da testosterona a longo prazo”, diz o estudo.
Médicos ouvidos pela BBC Brasil têm opiniões divergentes sobre o assunto.
O ginecologista Manoel Girão, chefe do Departamento de Ginecologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz estar preocupado com o que considera uma nova tendência em tratamentos no Brasil.
“Essa tendência é bem perceptível, intensa e colocada muitas vezes como isenta de riscos. No entanto, há riscos. E ela (a testosterona) está sendo usada de forma excessiva”, alerta.
Riscos
A BBC Brasil procurou o laboratório Bayer, fabricante do remédio Nebido – à base de testosterona – para pedir dados sobre as vendas atuais no Brasil. A empresa não disponibilizou a informação.
“Não tenho um número exato mas, hoje, estudos da sexualidade atingem uma parcela significativa de mulheres com idades entre 45 a 55 anos. E (nesse grupo) o número de pedidos de terapias para melhorar a libido é alto, entre 20 e 25%”, diz Girão.
“Os riscos mais conhecidos e usuais são aumento de alterações (nos índices) de colesterol e triglicerídeos. Alterações nos níveis de lipídios. Aumento nos riscos de doenças vasculares, por exemplo, a arterioesclerose. E, a depender da dose, aumento nos riscos de certos tipos de câncer”, acrescenta o especialista.
Girão ressaltou que múltiplos fatores interferem na libido feminina.
“A libido é o relacionamento, o estresse do cotidiano, o quadro hormonal. A testosterona resolveria uma partezinha desse todo, mas com riscos. Uma mulher, para sentir vontade de ter relação, precisa se sentir bonita consigo mesma, admirada, cortejada, respeitada pelo parceiro. Ela precisa desse contexto todo”, explica.
Por outro lado, diz o médico, a forma como a mulher vive e pensa a menopausa está vinculada a valores sociais.
“A sociedade está cobrando da mulher vigor e aparência de juventude para sempre. Não dá para esperar que uma mulher de 60 anos se vista ou se porte como as de 20 anos. É uma beleza diferente”, pontua.
Girão reitera que não indicaria testosterona para resolver problemas de libido de suas pacientes.
Menopausa
A médica britânica Heather Currie, presidente da Sociedade Britânica de Menopausa, concorda parcialmente com o médico brasileiro.
“A libido e o desejo sexual são afetados por muitos fatores, não apenas a perda da testosterona”, diz Currie à BBC Brasil.
“A menopausa produz muitos sintomas que, juntos, podem afetar a libido. Por exemplo, aumento de peso e o ressecamento vaginal, muito comum nesse período”, acrescenta.
Mas, quando a terapia de reposição hormonal convencional não funciona, a testosterona pode ter um papel a cumprir, opina Currie – “especialmente em casos em que a paciente vivenciou uma queda brusca na produção de testosterona por ter tido seus ovários extraídos”.
“Essas mulheres têm maior probabilidade de se beneficiar da testosterona – mas somente se a terapia de reposição hormonal comum não funcionar”, ressalta a médica.
“Nem toda mulher que teve seus ovários extraídos precisará tomar testosterona”, acrescenta.
A médica Helena Hachul, especialista em ginecologia e medicina do sono, responsável pelo Setor Sono na Mulher da Unifesp, vem oferecendo a testosterona – quando a terapia clássica não funciona e se as condições clínicas do paciente não oferecem riscos, explica ela.
“Chego a usar terapia androgênica (com testosterona) em cerca de 5% a 10% dos casos. Muitas mulheres pedem, vamos dizer, metade delas atualmente – acho que pela moda do tema. Mas quando explico as evidências e a linha acadêmica, elas aceitam sem problemas”, assinala.
No entanto, o monitoramento da paciente é essencial, adverte Hachul.
“O androgênio pode piorar o perfil lipídico, aumentando o risco de doenças cardiovasculares, por isso é importante acompanhar dosagens de colesterol e a pressão sanguínea”, diz.
Hachul tem, no entanto, uma visão positiva desse período na vida da mulher.
“Acredito que, exatamente após a menopausa, a mulher atinge a maior maturidade. Já é mais segura. Viveu bastante e tem muita experiência de vida”, nota.
A médica conta que trabalhou com pacientes na menopausa em seu doutorado e se apaixonou por essa fase na vida da mulher. Essas mulheres, diz ela, “me ajudaram a ver o mundo com outros olhos”.
R7