Dos 200 mil auxílios-doença que já passaram pelo pente-fino do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), 160 mil foram cancelados (80% do total). Beneficiários afetados pela operação do governo e advogados previdenciários criticam as perícias médicas, que seriam aceleradas demais e, em muitos casos, não contariam com o médico especialista na doença do segurado.
É o que relata o vigilante Djalma Martins da Silva, 48 anos. Com artrose no joelho direito e dificuldades para ficar em pé e caminhar, ganhou o auxílio-doença em 2002. A última vez que ele passou pela perícia foi em 2011, quando perdeu o benefício após ser considerado apto ao trabalho por ao menos seis peritos.
Djalma reconquistou o benefício no mesmo ano após ser periciado por um médico ortopedista da Justiça Federal. O auxílio-doença foi pago regularmente até fevereiro passado, quando o pente-fino do governo federal o considerou novamente apto ao trabalho.
O perfil de Djalma é justamente o que está na mira do INSS. A operação está reavaliando um total de 530.191 auxílios-doença que não passam pela perícia há mais de dois anos (ainda faltam mais de 300 mil revisões). Levantamento do MDS (Ministério de Desenvolvimento Social) indica que quase a totalidade desses benefícios (525.897 ou 99,2%) foram obtidos pela via judicial.
Para Djalma, o que aconteceu em 2011 se repetiu em fevereiro deste ano: a falta de um médico perito especialista em sua doença. Ele critica também a forma como o pente-fino foi realizado, já que foram apenas 5 dias entre o recebimento da carta de convocação e a perícia — tempo curto para atualizar todos os exames.
— O médico nem sabia o que estava acontecendo comigo, só perguntou por quanto tempo eu estava afastado. Ele ignorou os problemas no quadril e no joelho. Não falou nada, só falou para aguardar a carta em casa. Tive cinco dias para agendar todos os exames, e o médico não esperou nem o prazo dos exames saírem.
O segurado ficou sem saber o que ia acontecer até ir ao banco retirar o benefício, no início do mês seguinte. Foi quando descobriu que o auxílio fora cancelado no mesmo dia da perícia. “Eles te cortam o benefìcio e depois você fica bloqueado no sistema sem poder agendar uma outra perícia”, diz. O caso agora está na Justiça.
A MP (Medida Provisória) 767/17, convertida na Lei 13.457/17, publicada em junho passado, regulamentou a revisão dos benefícios do INSS, autorizando o cancelamento do auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez mesmo se concedido pela via judicial. Determinou também um bônus de R$ 60 aos médicos peritos por atendimento, que deve ser feito fora do horário de trabalho.
Ao todo, serão convocadas 1,7 milhão de pessoas que há mais de dois anos estão sem perícia, sendo 531 mil que recebem o auxílio-doença e 1,1 milhão de aposentados por invalidez com menos de 60 anos.
Na avaliação da advogada especialista em direito previdenciário Marta Penteado Gueller, não há médicos peritos suficientes para as perícias, que são feitas além do horário de trabalho e que, muitas vezes, acontecem de forma “relâmpago”.
— Os segurados reclamam disso, que o médico é muito rápido, bate o olho nos documentos e, na maioria das vezes, nem questiona nada. Aqueles que estão realmente doentes e não concordam com a alta vão recorrer à Justiça.
No escritório da advogada previdenciária Sara Tavares Quental, também há clientes reclamando das perícias do INSS. “Acontece muito de você ir no INSS fazer uma perícia ortopédica e o perito que está lá é um psiquiatra e não entende da sua patologia”, afirma.
— A perícia não é feita analisando tecnicamente o real problema, ela é uma perícia mais superficial. Se fosse analisado no detalhe, avaliando todo o quadro clínico, muitos benefícios que foram cortados não seriam cortados. A gente não pode garantir que a perícia é feita com essa qualidade, o que a gente sabe é que normalmente não é assim.
Segundo Francisco Cardoso, presidente da ANMP (Associação Nacional dos Médicos Peritos), “é natural que quem tenha tido resultado desfavorável faça declarações para desclassificar a perícia, mas a Justiça está mantendo as decisões da perícia na maior parte dos casos”. O MDS diz que é “muito baixo, quase irrisório”, o número de benefícios cancelados que foram revertidos pela via judicial.
R7