O biólogo americano Alfred Kinsey, mais famoso e polêmico estudioso da sexualidade em todos os tempos, afirmou que, entre uma orientação supostamente 100% heterossexual e o extremo, ou seja, a identificação hipoteticamente 100% homossexual, existem muitas camadas nas quais se encontra a maior parte das pessoas.
É essa diversidade sexual que vários autores procuram retratar em suas novelas, ainda que exista resistência do público – e, portanto, risco de perda de audiência – a personagens fora da heteronormatividade.
Neste momento, o Brasil acompanha com interesse a trama de Ivana em ‘A Força do Querer’. A personagem de Carol Duarte é complexa: transexual e gay.
Trata-se de um homem num corpo de mulher, que sente atração por outro homem – no caso, Cláudio (Gabriel Stauffer), de quem Ivan (nome a ser adotado pelo jovem) se descobrirá grávido.
Só mesmo a autora Gloria Perez, famosa por seus malabarismos dramatúrgicos, para construir um tipo tão denso, de difícil compreensão no primeiro momento, e, no entanto, aprovado pela esmagadora maioria dos telespectadores.
Ainda na produção das 21h, Nonato (Silvero Pereira) é um gay que trabalha como motorista durante o dia (com os cabelos longos presos num discreto coque) e se transforma na travesti Elis Miranda à noite, com cabelão de pantera ao vento.
Em várias cenas, ele explicou nunca ter desejado trocar de sexo: é um homem que gosta de se vestir de mulher para deixar aflorar o lado feminino.
O público – pasmem! – compreende a dualidade de Nonato. É um dos personagens com mais torcida por final feliz.
Nem parece que vivemos no País onde se mata um LGBT (lésbica, gay, bissexual, travesti ou transgênero) a cada 25 horas e no qual, há apenas dois anos, ocorreu um massacre virtual do casal romântico formado por Fernanda Montenegro e Nathália Timberg na novela ‘Babilônia’.
Em ‘Pega Pega’, bem-sucedida produção das 19h30 assinada por Claudia Souto, Douglas (Guilherme Weber) trabalha como gerente geral do Carioca Palace, hotel cinco estrelas onde se desenrola a trama principal.
Ele é um homossexual de comportamento contido. Mantém postura sisuda ao circular entre hóspedes e funcionários. Já na boate Klub Strass deixa fluir a sexualidade represada quando está de terno e gravata.
Com barba pintada de pink, Douglas se apresenta como drag queen. O show é um sucesso, porém deixa o ‘segredo’ do tímido gerente cada vez mais ameaçado.
O personagem costuma disparar recados didáticos contra a homofobia. Em capítulo da semana passada, durante reunião com subordinados do hotel, disse que ninguém deve ser repreendido pelo que faz “na intimidade”.
O próximo folhetim das 21h, ‘O Outro Lado do Paraíso’, de Walcyr Carrasco, vai despejar álcool na fogueira: terá um marido que trai a mulher se relacionando sexualmente com outros homens.
O personagem Samuel, de Eriberto Leão, terá um casamento de fachada com a boa esposa vivida pela estonteante Ellen Rocche.
Na frente de todos, será machista e homofóbico. Longe da mulher e dos amigos, vai manter casos com vários homens – entre eles, Cido, papel de Rafael Zulu.
Carrasco, criador de um dos gays mais populares da teledramaturgia brasileira, o Félix (Mateus Solano) de ‘Amor à Vida’, criará polêmica ao explicitar em horário nobre um comportamento bastante comum: o de homens aparentemente heterossexuais que têm vida dupla para liberar sob sigilo a bissexualidade ou homossexualidade.
Imagine o alvoroço quando Samuel for tirado à força do armário… Pelo estilo do autor, prevê-se um flagra ruidoso entre os lençóis e, consequentemente, a fúria de quem acusa a Globo de desvirtuar a tradicional família brasileira.
Para Alfred Kinsey, o ser humano jamais deveria ser “árbitro do comportamento sexual de outras pessoas”. Contudo, na prática, a maioria de nós adora espiar e julgar o prazer alheio. Quem nunca?
Do Portal Terra – Jeff Benício