Meu primeiro contato com os Beatles foi justamente uma das poucas lembranças que tenho da minha infância. Morava na Calçada, em uma vila com várias casas. Tinha talvez 4 ou 5 anos. Talvez 1968 ou 1969. Nesta mesma vila moravam meus primos, filhos de tia Lídia (saudosa) e mais a prima Neuza e o marido Genovaldo. As portas eram próximas e na liberdade de ser menino, fui a casa da minha tia e encontrei o primo Toinho arrumando os discos. Notou meu interesse e me apresentou aos discos dos Beatles que punha todos os dias para tocar na vitrola. Eram discos em 78 rotações (para quem lembra).
Lembro do meu entusiasmo de ouvir os Beatles junto com o primo Toinho, naquela sensação de criança que é tratada com atenção e descobre algo novo. O The Beatles frequentava as sessões da tarde com aqueles filmes rídiculos, mal produzidos, sem pé nem cabeça…. Ah! Mas as músicas chegavam aos ouvidos com Yeah, Yeah, Yeah perfeitos. Letras bobas que davam para ser repetidas até por uma criança com português ruim, como diria o Rei Roberto Carlos.
Quase 50 anos depois, eis que o maior Beatle de todos os tempos da última semana e de toda a eternidade, Sir Paul MacCartney pousa em Salvador e falando o nome da minha cidade de forma quase perfeita, numa cortesia com o povo de cá, típica da educação inglesa. Faltou a pontualidade britânica, pois o show atrasou 15 minutos. Ele bem que se esforçou em termos como “Massa”, “Ó paí Ó” e outros devidamente decorados e colocados em pesca sob os seus pés.
Ele esteve entre nós!
Salvador sempre esteve fora do circuito dos grandes shows internacionais. Chegou a receber Beyoncé e Elton John, mas desculpem-me a franqueza e os fãs, nada próximo à nobreza, genialidade, representatividade de um dos maiores Hitmakers de todos os tempos, o autor único de Yesterday que acabou ainda hoje divida com o parceiro de todas as horas Lenon (morto tragicamente em 1980, assassinado por um fã obcecado). Give peace a chance, lorde, e faça os celulares refletirem como uma constelação em Hey Jude, uma homenagem ao filho do parceiro Lenon.
Ele esteve entre nós com sua guitarra canhota. Tocou Baixo, piano e até cavaquinho. Aos 75 anos, firme forte, com suas caras e bocas que ainda lembravam o menino de Liverpool, mostrou que o rock é um RedBull para a alma. Hoje é dia e rock, bebê!
Paul, Paul, Paul… gritava a torcida em uníssono, aproveitando o clima do estádio da Fonte Nova, lotado como num Ba-Vi. E o ex-Beatle, o maior deles, sobrevivente de uma época em que o ácido, a filosofia do Paz e Amor, o discurso contra a guerra mudaram a história recente do mundo. Fez homenagens aos ex-companheiros, recados para os amigos que se foram, a lembrança de George Harrisson e fez o que a cartilha mandava, num repertório que mesclou Beatles e sucessos solo.
Posso morrer feliz. Não sou o maior dos fãs dos Beatles, mas pelo que representa para o mundo, para a música, para a paz, para a poesia, para a alegria, ter a chance de ver Paul repetindo a velha fórmula Rock’n roll de chamar uma menina da plateia para mostrar no palco que o pulso ainda pulsa, o velho olhar do Cavalheiro Inglês, eternizado para sempre na história do Planeta terra… Não tem preço. Atitude, man e me ensina a fórmula mágica da eterna sobriedade.
Que a presença de Paul deixe na Bahia, que já foi o berço do bom rock n’roll brasileiro, a magia necessária para retransformar a música que aqui se produz. A salvação?
Ele esteve aqui! Raulzito certamente estava no estádio a assisti-lo. Que os novos baianos passeiem na sua poesia, nobre Paul. Difícil imaginar que volte para mais um show por aqui, como prometeu num “até a próxima”, mas ficou a certeza de que Deus existe. God save the Queen. God save the king.
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Chico Araújo é jornalista