O projeto de lei que amplia o número de informações a que os órgãos de proteção de crédito têm acesso levará à Câmara dos Deputados o debate sobre quais dados de consumidores poderão ou não ser usados por essas empresas.
O texto foi aprovado no Senado na semana passada e ainda precisa ser discutido e votado pelos deputados para virar lei.
Trata-se do Cadastro Positivo automático. Na prática, empresas com as quais o consumidor mantém relação (concessionárias de energia, de gás, de telecomunicações, operadoras de cartão de crédito etc.) poderão enviar ao SCPC Boa Vista e à Serasa dados sobre pontualidade do pagamento das faturas.
Hoje, para que isso ocorra, o cliente tem que solicitar a abertura do Cadastro Positivo.
A expectativa é que informações sobre hábitos de pagamento de 100 milhões de brasileiros sejam disponibilizadas ao mercado.
A questão mais polêmica do projeto, de autoria do senador Dalírio Beber (PMDB-SC), envolve uma mudança na Lei de Sigilo Bancário.
“A alteração proposta […] permitirá que não seja considerada violação do dever de sigilo bancário o fornecimento de dados financeiros e de pagamentos relativos às operações de crédito e obrigações de pagamento adimplidas ou em andamento de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, a gestores de bancos de dados, para formação de histórico de crédito”, diz um trecho do parecer do senador Armando Monteiro (PTB-PE), relator do projeto na CCJ.
Com a alteração, a inclusão nesse cadastro será automática e o consumidor que não quisesse teria que pedir a sua remoção do banco de dados.
“O ajuste mais relevante refere-se à retirada da exigência de autorização específica do cadastrado para que as fontes possam enviar suas informações aos gestores de bancos de dados. Nesse novo cenário, propõe-se apenas a exigência de autorização específica para que os consulentes tenham acesso à informação bruta e detalhada do histórico de crédito do cadastrado, sem prejuízo da consulta a sua nota ou pontuação de crédito”, diz outro trecho do relatório da CCJ.
Para o advogado do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) Rafael Zanata, a mudança na legislação é “absurda” e foi feita em três meses, sem que o assunto fosse discutido em audiências públicas ou pela Comissão de Defesa do Consumidor do Senado.
— É um absurdo você fazer inclusão automática de todos os brasileiros no Cadastro Positivo sendo que não existe uma lei de dados pessoais aprovada no Brasil. Existe uma cessão de dados pessoais em troca de expectativa de juros mais baixos. Isso não pode ser imposto.
Sem uma lei específica, que discipline e coleta de dados pessoais, os consumidores estarão vulneráveis a eventuais abusos ou até mesmo a ataques cibernéticos, explica Zanata.
— O Brasil figura em todos os rankings de vulnerabilidade em cibersegurança. As empresas brasileiras não têm ainda uma cultura de rotinas e procedimentos para evitar ciberataques. Coletam-se mais informações automaticamente sem o devido cuidado e sem uma lei de dados pessoais aprovada que estabeleça critérios, mesmo assim o Senado quer aumentar o banco de dados do Serasa, da SCPC Boa Vista e do GIC [empresa que vai surgir em breve].
O tema da segurança nesse setor se tornou ainda mais presente com a divulgação, em setembro, de que informações pessoais de 143 milhões de norte-americanos tinham sido roubadas da Equifax, um dos três maiores birôs de crédito dos EUA, após um ataque de hackers.
Crédito mais fácil
O volume de crédito no País encolheu 2% nos últimos 12 meses, totalizando R$ 3 trilhões em setembro, segundo dados do Banco Central, mesmo com a redução da taxa básica de juros da economia.
O mercado financeiro defende que a mudança na legislação fará com que mais pessoas tenham acesso a linhas de crédito no País.
Defensores da proposta ainda sustentam que a concessão de crédito é dificultada pela baixa disponibilidade de informações sobre clientes que pagam suas contas em dia.
“Atualmente, o Banco Mundial explicitamente recomenda a aprovação do Cadastro Positivo como instrumento eficiente ao acesso ao crédito. De acordo com essa instituição: ‘reportar apenas informação negativa penaliza tomadores que deixam de fazer pagamentos, mas falha em recompensar tomadores diligentes que pagam em dia’”, diz outro trecho do relatório do senador Armando Monteiro.
Cinthya Pozzer, gerente do SerasaScore do SerasaConsumidor, diz que, com mais informações, os bons pagadores terão taxas menores e mais facilidade na hora de contratar financiamentos, por exemplo.
— Com o Cadastro Positivo é possível mostrar para o mercado quais outras contas o consumidor está pagando. É uma avaliação mais justa, porque não se limita apenas a dizer se a pessoa está negativada ou não.
A lei que autorizou o Cadastro Positivo é de 2011. Desde então, 5,5 milhões de brasileiros se incluíram no banco de dados. Segundo os birôs, isso representa apenas 5% do potencial do mercado.
O senador Jorge Viana (PT-AC) defendeu o projeto, afirmando que, com sua aprovação, o País começa a fazer algo do jeito certo.
— Se um cidadão é direito, honesto, tem de ser tratado como honesto pelas instituições financeiras e é isso que o projeto faz com o cadastro positivo. Vamos proteger aqueles que precisam a todo momento provar que são honestos, apresentar um conjunto de documentos, passar pelos cartórios, serem explorados. Esse projeto vai garantir um acesso ao crédito melhor do que o que temos hoje. Não significa ainda a redução dos juros, mas pode ser um passo nesse sentido.
Enquete feita no site do Senado mostrou que 77% dos participantes são contrários à mudança na legislação que dá aos birôs de crédito acesso a mais informações sobre os consumidores.
R7