O câncer é a segunda doença que mais mata no mundo. E até 2030 deverá ser a primeira causa de morte, superando as doenças cardiovasculares. Entre os procedimentos indicados para tratar certos tumores e que está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde) é a radioterapia. Porém, no Brasil, falta verba para a compra e manutenção dos equipamentos prejudicam quem precisa do tratamento, segundo o presidente da SBRT (Sociedade Brasileira de Radioterapia), Eduardo Weltman.
Segundo o Datasus (Departamento de Informática do SUS), em 2015 havia 269 aparelhos de radioterapia para toda a população. Hoje, dois anos, a situação não mudou muita coisa: são apenas 286 aparelhos. Os dados englobam atendimento do SUS e da rede privada.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda a proporção de 1 para 250 mil a 300 mil habitantes. Porém, no País, a norma era seguida apenas em 23% do Norte, em 28% do Nordeste, em 41% do Centro-oeste, em 85% do Sudeste e em 66% do Sul.
O presidente da SBRT ressalta que há uma diferença muito grande de distribuição desses aparelhos, o que prejudica muito os pacientes.
— O tratamento de radioterapia cobria apenas 54% dos pacientes, sendo a maioria da rede privada. Porém, o SUS (Sistema Único de Saúde) atendia 80% da população, e o número pode ser maior porque diminuiu a parcela de indivíduos com plano de saúde.
Weltman ressalta que aparelho disponível não quer dizer aparelho indicado.
— Em hospitais que oferecem radioterapia pelo SUS, só 20% dos aparelhos são dedicados a pacientes do sistema público. Além disso, nem todos os equipamentos funcionam com carga máxima, como em locais poucos acessíveis.
De acordo com o especialista, outro ponto é que o tratamento de radioterapia não é padronizando, o que significa que a indicação do procedimento vai depender do local e do médico.
— Em 2015, havia estimativa de 540 mil casos novos de câncer por ano, se considerar que 60% destes pacientes precisam de radioterapia em algum momento do tratamento, ou seja, são 344 mil pessoas. Então precisaríamos de 540 máquinas.
Retardo no tratamento
Dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2015, 145 mil pacientes foram tratadas pelo SUS (56%). Ou seja, 44% destas pessoas não foram atendidas com radioterapia, afirma o especialista.
— Isso porque não estou falando de retardo o tratamento. Provavelmente muitos destes pacientes que precisavam de radioterapia não fizeram o procedimento ou fizeram com atraso, quando não surtiria o mesmo efeito.
Weltman ainda ressalta que o número de pacientes doentes pode ser maior, já que o diagnóstico de câncer não é de notificação compulsória — quando os serviços de atendimento médico precisam relatar as ocorrências para os órgãos de saúde. Além disso, a demora também afeta a contabilização dos dados.
— Quando um paciente fica muito tempo esperando por um tratamento, ele acaba sendo tratado de outra forma. Também existem pacientes que morrem antes de começar o tratamento.
O que é a radioterapia?
A radioterapia é um tratamento no qual se utilizam radiações para destruir ou impedir que as células de um tumor aumentem. Estas radiações não são vistas a olho nu e o paciente não sente nada durante a aplicação. Segundo o INCA (Instituto Nacional de Câncer), o procedimento pode ser usado em combinação com a quimioterapia ou outros recursos usados no tratamento de tumores.
De acordo com a Oncoguia, a radioterapia é realizada para tratar cânceres malignos, incluindo tumores cerebrais, mama, colo do útero, laringe, pulmão, pâncreas, próstata, pele, coluna, estômago, garganta e pescoço, colo do útero e sarcomas de partes moles. Ela também pode ser usada para tratar leucemias e linfomas. “A radioterapia é equivalente a cirurgia. É um tratamento preciso e consegue ver detalhes”, afirma o vice-presidente da SBRT (Sociedade Brasileira de Radioterapia), Arthur Accioly Rosa.
Existe solução?
O presidente da SBRT diz que a solução para a problema da radioterapia seria o poder público acelerar a mudança na forma de remuneração do tratamento.
— É necessário direcionar a remuneração diretamente para o SUS, sem intermediários, e estamos pedindo isso para o Ministério da Saúde há dois anos. A verba atual é de R$ 400 milhões por ano. Teria que ter uma liberação de emergência para que este valor chegue a R$ 620 milhões.
A falta de verba se aplica não só na aquisição do aparelho linear, mas também na manutenção, diz Weltman.
— A tendência de que o serviço fique sucateado, pois não há dinheiro para manutenção mínima dos aparelhos. O SUS não reconhece os avanços tecnológicos, até por não ter como remunerá-los. Além disso, muitos hospitais também não querem ter um aparelho porque precisa de dinheiro para bancar a infraestrutura e funcionários qualificados. Só que o último repasse do SUS para radioterapia foi em agosto de 2010. Hoje, a defasagem do que é pago é de 98%.
Por isso, outra solução a curto prazo para o problema seria o fracionamento dos aparelhos, explica o especialista.
— O fracionamento é a maneira de aumentar a dose de radioterapia por dia, acelerando o tratamento. Desta forma, o aparelho trataria mais pacientes no mesmo período, mas é necessário planejamento bem feito.
Centro de treinamento
Para melhorar a oferta de radioterapia no Brasil, o Ministério da Saúde inaugurou o primeiro centro de treinamento de radioterapia do País na segunda-feira (20) em Jundiaí, no interior de São Paulo. Agora, será possível produzir aceleradores lineares, equipamentos considerados mais modernos no tratamento do câncer, e ampliar a oferta de tratamento da doença, segundo o Ministério da Saúde.
Weltman elogia o programa do Ministério da Saúde.
— A ideia é exportar aparelhos para a América Latina, o que permite melhorar o ensino de radioterapia e a diminuir os preços dos aparelhos por aqui. O plano é muito bem elaborado.
Outro lado
Em nota, o Ministério da Saúde informou que “ao contrário do que informa o especialista entrevistado pela referida reportagem, não há como o Ministério da Saúde pagar diretamente aos prestadores, pessoa física ou jurídica, pois a Lei 141/2013 torna obrigatório o repasse para os fundos municipais e estaduais. Estados e Municípios de gestão plena têm autonomia, inclusive referente aos gastos em saúde pública, devendo os Estabelecimentos de Saúde habilitados em radioterapia compor o Plano de Atenção Oncológica da região e fazer parte do fluxo de referência e contra-referência dos pacientes tratados”.
Segundo o texto, informou ainda que já entregou cinco aceleradores lineares dentro do Plano de Expansão da Radioterapia, que tem como objetivo ampliar o acesso da população a procedimentos oncológicos SUS. As cidades de Campina Grande (PB), Feira de Santana (BA), Maceió (AL), Curitiba (PR) e Brasília (DF) já foram beneficiadas pelo plano. Estão programadas as entregas de outros equipamentos, ainda neste ano. Ao todo, cerca de R$ 500 milhões foram investidos para a aquisição de 80 aceleradores lineares, além da realização de projetos e obras.
Outros 20 ainda devem ser adquiridos, totalizando 100 aparelhos distribuídos em todas as regiões do país. Os novos equipamentos, que serão adquiridos, viabilizará uma economia de aproximadamente R$ 25 milhões em relação ao que era realizado por meio de convênios. Os projetos estão em andamento e estão sendo executados dentro das atividades previstas do Plano de Expansão da Radioterapia”.
R7