Em outubro de 2015, a paulistana Camilla Conde passava por um momento de extrema tensão. Seu empreendimento recém-aberto no bairro de Pinheiros, em São Paulo, havia ido à falência e o seu casamento, chegado ao fim. Com o estresse, a imunidade baixou e a empreendedora desenvolveu um quadro de herpes-zóster, uma doença que faz explodir bolhas na pele, causa uma dor aguda e pode deixar sequelas permanentes.
“Eu estava sem dinheiro, com dívidas, desempregada e com uma criança de dois anos para cuidar”, relembra.
Os primeiros sintomas pareciam o de uma reação alérgica. “Percebi algumas bolinhas na região das costas e achei que fosse uma alergia. Mas elas começaram a aumentar e migrar para a região do peito. Aí começou a doer, e muito”, afirma.
Uma semana após os primeiros sintomas, Conde foi ao pronto-socorro, mas a médica que a atendeu desconhecia a doença e receitou uma pomada para herpes simples.
Embora tenham o mesmo nome, herpes e herpes-zóster são doenças totalmente distintas. A primeira é provocada pelo germe HSV-1, enquanto a segunda é resultado da ação do vírus da catapora.
“A pomada não resolveu. As bolhas aumentaram e começaram a estourar”, relembra. Nesse estágio, a dor era “insuportável”, relembra Conde, que buscou um novo médico. Dessa vez, com diagnóstico certo, ela foi submetida a tratamento e teve de ser afastada por 15 dias do trabalho no qual havia recém-começado.
A dor aguda, afirma, durou semanas e parte dela permanece até hoje, dois anos após a doença. “Quando o tempo muda bruscamente, sinto pontadas onde havia as bolhas”, diz.
A herpes-zóster
A herpes-zoster é uma doença infecciosa causada pelo vírus varicela-zóster – o mesmo responsável pela catapora. Geralmente adquirido na infância – momento em que a maioria dos brasileiros manifesta as feridas clássicas e a coceira da catapora -, ele pode ficar anos dormente no organismo e “acordar” a qualquer fase da vida. Quando desperta, o vírus faz surgir dolorosas bolhas pelo corpo.
“O vírus fica alojado em gânglios nas regiões do tórax ou do abdômen e um dia, por causa da queda da imunidade ou porque a pessoa está mais velha, ele aparece como herpes-zoster”, explica Maisa Kairalla, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Mesmo aqueles que não tiveram catapora na infância podem desenvolver a doença na vida adulta. “Não precisa ter tido a doença, basta contato com o vírus. E a população brasileira é muito exposta a ele – 94% está infectada com o varicela-zóster”, afirma.
A doença é mais comum após os 50 anos – no entanto, o diagnóstico em jovens tem sido frequente, afirma Kairalla. O estresse, diz a médica, é um dos fatores que vem mudando o perfil daqueles afetados pela infecção e fazendo a doença aparecer cada vez mais cedo.
“Estamos vendo a doença em mais jovens, vejo muito naqueles em pré-vestibular”, diz a médica. “Tudo o que diminui a imunidade pode levar a herpes-zoster. O estresse acorda o vírus.”
A única maneira de prevenir a infecção, que pode ocorrer várias vezes, é por meio da vacinação. O imunizante, contudo, não é 100% eficaz, está disponível somente na rede privada e custa, em média, R$ 450.
Tratamento
A doença pode deixar sequelas, que vão de cicatrizes a cegueira e surdez. Também é comum a neuralgia pós-herpética, conhecida como nevralgia, uma condição dolorosa que é ativada na maioria daqueles que desenvolvem a herpes-zoster e que pode durar vários anos. A condição pode ser tão intensa que afeta movimentos simples, como vestir-se ou levantar-se da cama. É essa dor que Conde ainda conta sentir.
O tratamento envolve medicamentos antivirais e analgésicos e, quanto mais cedo o paciente buscar o hospital, maior as chances de sucesso. O princípio ativo utilizado para conter a herpes-zoster, o aciclovir, evita a expansão das lesões, mas só tem efeito se tomado até 72 horas após o aparecimento dos sintomas. Por isso, rapidez na busca de ajuda é essencial.
“Após 72 horas, não pode mais usar o remédio, então a demora no diagnóstico pode levar à perda do timing de tratamento. Quando isso acontece, trata-se a dor e as outras características, mas não a doença”, explica Kairalla.
Porém, o desconhecimento da doença pela maioria dos médicos e pacientes gera diversas visitas ao hospital – como ocorreu com Conde – o que prejudica o tratamento, afirma Kairalla.
“Em média, três médicos são procurados para o diagnóstico”, aponta, citando dados de um estudo que conduziu em 2012 com 2.030 idosos na cidade de São Paulo, durante seu mestrado na Unifesp.
Gravidez
A doença também pode aparecer na gravidez, uma vez que a gestação afeta o sistema imunológico da mãe. Os mesmos mecanismos fisiológicos para o organismo materno não rejeitar o bebê também suprimem a resposta imune do corpo – o que abre caminho para o varicela-zóster despertar.
O tratamento na gravidez, contudo, fica comprometido. A jornalista Deborah Moratori, de 38 anos, teve a herpes-zóster há quatro anos, quando ficou grávida de seu primeiro filho.
Por causa da gestação, não pode tomar a medicação antiviral que evita a expansão das lesões da herpes-zóster e apenas aplicava pomada nas bolhas. “É uma doença complicada porque é muito dolorosa e, com a gravidez, é pior ainda, porque você tem medo daquilo afetar o seu bebê”, relembra. Normalmente, a doença não costuma provocar sequelas no feto.
Faltam dados
A herpes-zoster não é de notificação compulsória, o que significa que hospitais e postos de saúde não precisam comunicar o Ministério da Saúde sobre casos da doença. Com isso, acredita-se que o governo não saiba de fato quantos casos ocorrem por ano.
O Ministério da Saúde hoje apresenta os casos totais de infecção pelo varicela-zóster, sem separar o que é catapora do que é herpes-zóster. Em 2016, houve 60.955 casos de varicela no país, segundo o governo.
O número representa uma forte redução em relação ao registrado em 2012, quando 151.380 pessoas foram diagnosticadas com varicela. A queda mais expressiva foi entre crianças de 1 a 4 anos que, a partir de 2013, passaram a receber gratuitamente pelo SUS a vacina contra a catapora incluída na tetra viral – que protege também contra o sarampo, a caxumba e a rubéola.
No entanto, enquanto os casos de varicela caíram 76% em crianças abaixo dos 4 anos em 2016 comparado com 2012, ela aumentou 30% naqueles acima dos 50 anos – que não são imunizados.
Questionado sobre a falta de vacinação para adultos para o varicela-zóster, o Ministério da Saúde afirmou que oferece gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS) todas as vacinas preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Segundo o Ministério, também não há pedido de incorporação da vacina na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, que avalia os benefícios da oferta de produtos para a população.
Prevenção
A única forma de prevenir a herpes-zóster é por meio de uma vacina contra o varicela-zóster na vida adulta. Desde 2014, o Brasil conta com uma, a Zostavax, produzida pela Merck Sharp & Dohme Farmacêutica Ltda.
No entanto, o produto está disponível somente na rede privada e tem indicação apenas para aqueles acima dos 50 anos. Pessoas antes dessa faixa etária, como Conde e Deborah, não são elegíveis para o imunizante.
“A bula recomenda a vacina para a partir dos 50 anos e não há estudos sobre o seu efeito em pessoas abaixo dessa faixa etária. Na minha prática clínica, nunca fiz antes [vacinar uma pessoa abaixo dos 50 anos]”, afirma Kairalla.
A vacina, contudo, não é sinônimo de proteção total. De acordo com a fabricante, o produto tem eficácia média de 70% – o que significa que três em cada dez pessoas que tomam a vacina podem vir a desenvolver a doença ainda assim.
No entanto, ressalva Kairalla, sua administração pode evitar a neuralgia pós-herpética, a condição dolorosa que pode permanecer após a doença.
Em outubro, os Estados Unidos aprovaram um novo imunizante, a Shingrix, produzida pela GlaxoSmithKline. A vacina também é recomendada para aqueles acima dos 50, mas promete eficácia maior contra a doença, de 90%. Não há previsão de quando o produto deve chegar no Brasil.
Conde, que não pode se vacinar, afirma que é importante que as pessoas falem mais sobre a doença, que é mais comum do que se pensa. Em sua empresa, quatro pessoas já tiveram a herpes-zóster e o filho de uma funcionária também foi diagnosticado recentemente, diz.
“Isso tem a ver com o nosso estilo de vida, de muito estresse, que está fazendo a doença afetar pessoas mais jovens”, diz. “Acaba sendo mais comum do que a gente imagina, mas é algo que a gente só vai buscar saber quando tem porque se fala pouco disso.”
R7