A internet hoje é a segunda fonte de informação mais popular da população brasileira, segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 – Hábitos de Consumo de Mídia pela População Brasileira, da Presidência da República. Por meio da rede, citada por 89% dos entrevistados, é possível obter informações mais diversas do que aquelas disponíveis, por exemplo, nos poucos canais de TV aberta existentes no país. Porém, na rede mundial de computadores diferentes grupos têm usado artifícios para influenciar os debates ou ajudar a “viralizar” (disseminar) informações que lhes interessam, muitas vezes, sem que as pessoas que recebem os conteúdos saibam desses procedimentos.
O coordenador do Comitê, Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Maximiliano Martinhão, alerta que no próximo ano, durante a campanha eleitoral, a internet “sediará” esses debates. “Muitos dos embates entre planos de governo, propostas políticas, transparência e ética acontecerão nesse ambiente, fazendo com que o espaço de debate político criado por provedores de aplicações de conteúdos na internet se consolide cada vez mais como parte da esfera pública”. Diante disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, com a atribuição de pesquisar, analisar e formular ações em relação a questões emergentes como as notícias falsas, as fake news.
Essas informações, contudo, são apenas a face mais aparente de um fenômeno mais profundo e relacionado à forma como determinados conteúdos circulam e ganham projeção na internet. Por trás do que vemos em múltiplas telas, há empresas de serviços de análise de dados, robôs e outros softwares e aplicativos que podem gerar a ampliação de determinados posicionamentos de forma artificial. O tema foi debatido no Seminário Internet e Eleições, promovido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) este mês. No fórum, o ministro Luciano Fuck demonstrou preocupação com a existência da “fazendas de likes”, empresas que são contratadas para gerar “curtidas” em publicações de seus clientes.
Durante o seminário promovido pelo TSE, a Fundação Getulio Vargas apresentou o estudo Robôs, Redes Sociais e Política no Brasil, publicado este semestre. O levantamento mostra como robôs ou bots (perfis falsos presentes em mídias sociais) são capazes de distribuir, em escala industrial, mensagens pré-programadas, e concluiu que contas automatizadas motivam até 20% de debates em apoio a políticos no Twitter. A pesquisa mostra que partidários de todos os espectros políticos têm usado esse tipo de tecnologia.
De acordo com o estudo, a disputa política, nos próximos anos, pode ser influenciada por essas técnicas. Segundo o coordenador da pesquisa, Marco Aurélio Ruediger, para evitar que isso ocorra, é importante que os provedores de rede garantam um ecossistema digital saudável. Ele lembra o caso dos spams, lixo eletrônico muito comum anos atrás. “Não foi preciso criar uma lei para combater os e-mails promocionais, mas eles foram perdendo espaço nas plataformas”, destacou.
Embora faça o alerta quanto aos impactos das novas tecnologias, Ruediger pondera que o problema tem uma dimensão ética, que ultrapassa a tecnológica. Por isso, ressalta que eleitores e partidos também têm a tarefa de promover um debate público qualificado e não manipulado, garantindo a lisura do processo político eleitoral e, ainda, do uso de recursos públicos.
A presença dos robôs não se restringe aos debates políticos nem às eleições. Hoje, bots são usados para automatizar atendimentos online. É o que ocorre quando um “atendente virtual” oferece respostas programadas a questionamentos de consumidores.
Beta
Movimentos sociais também buscam desenvolver tecnologias para ampliar o controle sobre os políticos e a participação popular. Definido como “um laboratório de ativismo que acredita que um mundo mais justo e democrático”, a organização Nossas “Deu à luz” a Betânia, foi criada no fim de agosto. Apelidado de Beta, o robô convoca a sociedade a se mobilizar em defesa dos direitos das mulheres e cria canais para que essa expressão chegue até políticos.
“A gente estava percebendo que, ao longo deste ano, a questão dos direitos reprodutivos das mulheres estava sendo muito discutida. Por um lado, você tem uma ação no STF para descriminalizar o aborto ate a 12ª semana de gestão, por outro você também tem uma barganha desses direitos das mulheres no Congresso Nacional, por uma série de projetos e PECs [Propostas de Emenda Constitucional] que estavam avançando na tramitação, no sentido de retirar direitos reprodutivos das mulheres, como no caso da PEC 181. Por outro lado, a nossa equipe de tecnologia também já estava investigando o uso de chat box como um potencial canal de mobilização das pessoas, porque tem uma resposta muito mais imediada que por e-mail”, diz Laura Molinari (áudio), coordenadora da organização Nossas e uma das criadoras da Beta.
Mais de 50 mil pessoas já falaram com a Beta pelo menos uma vez, de acordo com Laura Molinari. Como resultado dessa mediação feita pelo robô, foram enviados 22 mil e-mails pelas pessoas que mantiveram contato com ela a cada deputado e deputada da Comissão Especial que discute a PEC 181, que trata de direitos reprodutivos da mulher e da possibilidade de interrupção de gravidez, inclusive nos casos hoje previstos em lei.
Laura Molinari diferencia o funcionamento da Beta dos bots que atuam no Twitter e que foram analisados pela FGV. Para ela, ao replicar informação de maneira massiva, os robôs têm como objetivo “fazer volume”. A Beta é diferente, segundo Laura. “A gente não quer ‘viralizar’ qualquer coisa. A gente tem valores que a gente defende, que são os direitos humanos e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, e a gente vai fazer campanha a partir disso. Além disso, outra diferenciação da Beta é que ela se coloca como robô. A gente não está fingindo que é um perfil. As pessoas sabem que é um robô que tem uma organização por trás disso”, acrescenta.
No caso da Beta, também é possível solicitar e receber informações sobre os temas promovidos. “A pessoa conversando com a Beta tem os elementos para decidir se ela quer participar ou não daquela campanha”, conta. “Ela não agem politicamente pelas pessoas”, acrescenta.
Thiago Rondon, diretor do Instituto Tecnologia & Equidade e fundador do AppCivico concorda que os bots também podem servir para ampliar acesso a direitos. Durante o seminário promovido pelo TSE, ele citou que, na Europa, projetos utilizando bots têm ajudado imigrantes a obter a ajuda de tradutores. Nas eleições passadas, no Brasil, Rondon participou de projeto que pretendia, por meio de tecnologias, identificar e dar transparências às doações recebidas por candidatos.
Para que os usos maléficos não se generalizem e acabem levando a restrições aos bots, ele aponta a necessidade de fomentar iniciativas que tenham sido desenvolvidas em âmbito mundial, como a criação de sistemas de detecção de robôs e de promoção de educação sobre o que eles são e como funcionam. “Transparência é uma palavra-chave de tais mecanismos e ações. Tanto os bots têm que ser autodeclarados quanto os financiadores que os viabilizam devem ser de conhecimento público”, destaca.
Essa identificação não se confunde com uma vedação ao anonimato, como defende a integrante do CGI.br e da Proteste – Associação de Consumidores, Flávia Lefèvre (áudio). “Temos também que, para preservar o direito à liberdade de expressão, fazer uma interpretação da proibição que existe na Constituição Federal a respeito do anonimato”. Ela não significa, em sua opinião, proibição de pseudônimos.
Agência Brasil