A Lava Jato, maior operação contra corrupção e lavagem de dinheiro do Brasil, teve origem e deslanchou no Paraná, mantendo Curitiba no centro das atenções desde 2014. No ano passado, no entanto, não foi lá que a ação policial se concentrou.
Em número de operações, o Rio liderou os avanços em 2017. Foram 15, realizadas para cumprir mandados de busca, apreensão, condução coercitiva e prisão, ante três em 2016.
No Paraná, a Lava Jato já está em sua 47ª fase. Mas perdeu fôlego em 2017, ano em que a Justiça Federal em Curitiba autorizou um total de dez operações, seis a menos que as realizadas em 2016.
A partir das investigações iniciadas ali é que ocorreram os desdobramentos em curso no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, onde hoje são realizadas apurações correlacionadas ao esquema que envolve empresas, políticos e funcionários públicos – e que vão muito além da Petrobras, foco das fases iniciais.
Em São Paulo, ocorreram até o momento duas operações, uma em junho 2016 e outra no mês passado.
Para este ano, procuradores federais nos três Estados estão preparando ações conjuntas. E segundo o Ministério Público Federal, a redução no número operações autorizadas pela Justiça Federal no Paraná não pode ser tratado como indicativo de que as investigações conduzidas no Estado há quase quatro anos possam estar perto do fim.
“O número de deflagração de fases não aponta se a operação está ou não caminhando para o fim. Isso depende de investigações aprofundadas e do trabalho conjunto com a PF e Receita. As operações somente são deflagradas quando se tem um material robusto que justifique às mesmas”, informou a Procuradoria da República no Paraná à BBC Brasil, por meio de sua assessoria de imprensa.
Fatiamento
A primeira fase da Lava Jato, deflagrada em março de 2014, tinha como alvo doleiros acusados de lavagem de dinheiro. Desde então, a investigação descobriu um esquema de corrupção em diferentes órgãos públicos, começando pela Petrobras.
No ano seguinte, contudo, as investigações já começaram a ser fatiadas e remetidas para outros Estados.
Uma apuração relacionada a desvios no Ministério do Planejamento, inicialmente conduzida pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal no Paraná, foi então enviada à Justiça Federal de São Paulo por decisão Supremo Tribunal Federal (STF).
No mesmo ano, foi deflagrada a operação Radioatividade, fase da Lava Jato que apurava fraudes em contratos firmados pela Eletronuclear – que tem sede no Rio. Após decisão do STF, o caso foi desmembrado e remetido à Justiça Federal do Rio de Janeiro.
Aos poucos, a Lava Jato fluminense foi ganhando fôlego. Em 2016, foi criada uma força-tarefa no Estado para aprofundar as investigações na Eletronuclear. A primeira operação do novo núcleo foi a Pripyat, em julho daquele ano, parte de uma apuração sobre desvios de recursos destinados às obras da usina nuclear de Angra 3.
Desde então, passou a investigar suspeitas de irregularidades não apenas em agências federais, como também em órgãos dos governos estadual e municipal.
2 mil anos de pena
Em um primeiro momento, cogitou-se que a decisão do Supremo de tirar das mãos de Moro – considerado um dos mais duros magistrados da Justiça Federal no Paraná – a exclusividade de julgar a Lava Jato na primeira instância fosse beneficiar os acusados.
Mas o juiz Marcelo da Costa Bretas, da Justiça Federal do Rio, também se mostrou severo. Foi ele quem mandou para prisão, por exemplo, o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e o empresário Eike Batista – este hoje cumprindo prisão domiciliar graças a uma decisão do STF.
Cabral recebeu de Bretas uma pena de 45 anos e dois meses de prisão, a maior imposta a um réu da Lava Jato até o momento. Antes, o magistrado já havia condenado a 43 anos o almirante Othon Luiz da Silva, ex-presidente da Eletronuclear.
Em comparação, a maior condenação fixada por Moro foi de 20 anos e 10 meses de reclusão, para o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT).
No Rio, já são 25 condenados, cujas penas somadas ultrapassam os 345 anos de prisão. Foram apresentadas 26 denúncias contra 126 pessoas por crimes como fraude em licitação, corrupção, lavagem, falsidade ideológica e tráfico de influência.
Em Curitiba, a Justiça Federal já condenou 113 pessoas a mais de 1,7 mil anos de prisão, se somadas todas as penas aplicadas nos quase quatro anos de Lava Jato.
Ainda não houve condenações em São Paulo – onde no ano passado foi criada uma força-tarefa para aprofundar as investigações – nem no Supremo em Brasília, tribunal em que ritmo é bem mais lento que o imposto pela primeira instância.
Mas nem todos os réus ou condenados estão na cadeia. Como o jornal O Globo mostrou em novembro, 69% dos réus da Lava Jato do Rio, por exemplo, não estavam em presídios ou carceragens. Vinte e sete deles haviam sido soltos, oito cumpriam prisão domiciliar e 14, recolhimento noturno.
O peso das delações
Muitos dos alvos da Lava Jato conseguiram benefícios como prisão domiciliar depois de assinarem acordos de delação premiada.
Entre eles está o empreiteiro Marcelo Odebrecht, que ficou dois anos e meio atrás das grades e deixou a prisão dias antes do Natal. Ele agora cumpre pena em sua casa em um condomínio de luxo em São Paulo.
Inicialmente, Odebrecht havia se recusado a colaborar com as investigações, optando por ficar em silêncio e negar os crimes imputados a ele. Mas, depois de derrotas consecutivas na Justiça, que refutou pedidos de relaxamento da prisão, ele decidiu falar.
A colaboração de executivos e ex-executivos da construtora de sua família fez triplicar o número de inquéritos no Supremo Tribunal Federal – instância responsável por analisar os casos de quem tem foro privilegiado, como ministros e congressistas.
As delações têm sido um dos mais eficientes, e o mais criticado, instrumento de investigação da Lava Jato.
Em tese, elas servem para estimular suspeitos a colaborarem com as investigações de crimes complexos, que possivelmente ficariam impunes por causa de lei do silêncio que impera em grupos criminosos.
No Paraná, já foram firmados 158 acordos com pessoas físicas e dez com empresas. No Rio, foram assinados 15.
Os procuradores não falam sobre detalhes de acordos. “Para preservar as investigações, a força tarefa não comenta delações firmadas e possíveis negociações”, informou à reportagem a Procuradoria no Paraná.
Críticas
Segundo os críticos, a falta de regras claras sobre os termos dos acordos, que tratam desde dos temas a serem abordados até o tamanho da redução da pena e liberação de bens apreendidos, estimula a desproporcionalidade dos benefícios.
O caso mais emblemático foi o acordo costurado com os irmãos Batista, donos da JBS, que confessaram crimes e entregaram gravações de outros acusados na tentativa de não serem presos e de que poderiam, por exemplo, deixar o país.
Em setembro passado, porém, eles acabaram detidos – hoje estão na carceragem a Polícia Federal em São Paulo.
Eles foram presos sob a suspeita de terem usado informações privilegiadas da delação da JBS para operar no mercado financeiro. Em maio, a divulgação da conversa entre Joesley Batista e o presidente Michel Temer derrubou a Bolsa, e o dólar chegou a R$ 3,43.
Após novas gravações virem à tona, eles também passaram a ser suspeitos de ter omitido informações à Procuradoria-Geral da República quando fecharam o acordo de colaboração – o que motivou um segundo pedido de prisão no STF. Os irmãos negam as acusações.
Segundo os profissionais do Direito mais críticos aos métodos da Lava Jato, os suspeitos estão sendo presos preventivamente para serem forçados a assinar acordos de delação.
Os procuradores da Lava Jato negam. Segundo eles, a maioria dos acusados que assinaram acordos fizeram isso após terem sidos liberados da prisão.
R7