O Parque Nacional do Jaú, localizado no Amazonas, não registra casos de malária por transmissão local desde 2013, graças a projeto do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), agraciado, em 2017, pela Organização Pan-Americana da Saúde da Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS) com o prêmio Campeões contra a Malária nas Américas.
Para a coordenadora do projeto e pesquisadora do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC, Simone Ladeia Andrade, o prêmio concedida pela Opas estimula a academia a desenvolver projetos de pesquisa aplicada para auxiliar os programas de controle de doenças do Ministério da Saúde.
“Outra coisa é que esse trabalho que vem sendo feito há anos é para estimular o governo do estado a se empenhar em controlar a malária em áreas urbanas”, disse a pesquisadora à Agência Brasil. Para ela, isso é importante porque os poucos casos registrados no ano passado no parque foram de malária importada de centros urbanos. Já não há mais casos de transmissão local.
Simone informou que, em 2013, houve o último caso de malária por Plasmodium falciparum, parasito causador da doença com maior risco de agravamento. “De lá para cá, houve casos isolados de malária por Plasmodium vivax, a partir de casos importados das cidades. No fim de 2017, Simone disse que houve poucas ocorrências porque as pessoas que moram no parque, em área isolada dentro da floresta, viajaram para a sede do município, em área urbana.
“Pegaram malária lá e voltaram para o parque. Casos importados da cidade”, assegurou. Disse, ainda, que endemia no parque já não existe mais. “Não tem mais transmissão”.
Tese
O trabalho começou com a tese de doutorado de Simone. A primeira vez que ela visitou a região do Parque Nacional do Jaú foi em 2002/2003, porque, no início dos anos 2000, ali era o maior foco não indígena de malária da bacia do Rio Negro, no norte do Amazonas.
Quatorze comunidades estão situadas no parque, totalizando área maior que Sergipe. Simone realizou três viagens à região para fazer testes de imunidade junto à população local. A tese acabou ganhando o Prêmio Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], considerado o mais importante do país no gênero.
Quando ingressou na Fiocruz por concurso, em 2008, ela propôs a realização de um projeto longitudinal para avaliar o risco de doenças, desenvolver sintomas, ver imunidade na população, risco de anemia e medidas de controle.
“Eu queria dar uma resposta de pesquisa aplicada, operacional”, explicou. O projeto foi iniciado em 2009 e contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A cada trimestre, a pesquisadora ia para o parque fazer entrevistas e exames físicos na população. Por meio da coleta de sangue, eram feitos testes de malária. Dado o diagnóstico positivo, as pessoas contaminadas eram tratadas. Toda a parte de entomologia [ramo da zoologia que estuda os insetos] era estudada. Os exames eram feitos a cada três meses em todas as pessoas com ou sem sintomas. Com isso, a técnica ia limpando os parasitas da área.
Depois desse trabalho, no final do primeiro ano do projeto, em 2009, a transmissão da malária já tinha sido reduzida em 62%. “Só com essas medidas, porque eu estava estudando a dinâmica dessa população de mosquitos. Fazia parte do estudo longitudinal. Era pesquisa pura”, revela.
A metodologia que exigia a realização de coletas de sangue e tratamento foi limpando o parasita da área, que é isolada. No final de 2010, a redução [de casos] subiu para 95%. “De lá para cá, foram poucos casos. O último caso de falciparum [protozoário parasita] foi em 2013”.
De 2014 para cá, não houve mais casos de Plasmodium falsiparum e de vivax [parasita protozoário} foram registradas ocorrências isoladas ou pequenos surtos, devido a viagens de pessoas para a cidade. Não houve transmissão local, detalhou Simone.
Qualificação
A autora do trabalho destacou o apoio dado ao projeto pela organização não governamental (ONG) da Catalunha Nucli d’estudis per a l’Amazònia de Catalunya (Neac) com a instalação de postos de microscopia e treinamento de moradores no diagnóstico de malária.
A qualificação dos microscopistas comunitários foi realizada com atividades teóricas e práticas em cada visita da equipe ao parque. Uma vez formados, os microscopistas passaram a integrar o projeto, realizando busca ativa de infecção a cada mês, no intervalo das visitas da equipe de pesquisa ao longo de 2010, informou o Instituto Oswaldo Cruz.
O índice parasitário, que envolve o número de casos por mil habitantes e avalia o nível de transmissão de malária, era de 850 em 2008, bastante superior ao nível de alto risco, que é acima de dez casos por mil habitantes. “Havia comunidades daquela área em que o índice chegava a 1,7 mil”, disse Simone.
Na última visita ao parque, ela ficou satisfeita porque encontrou toda uma geração que nem conhecia malária. “Foi muito legal”. As informações coletadas serão utilizadas para montar um banco de dados sobre a doença, que precederá uma análise estatística. O passo seguinte será escrever um artigo sobre os resultados da pesquisa para publicação em revista científica.
O projeto contou com a colaboração de especialistas da Fundação de Vigilância em Saúde de Barcelos, Secretaria Municipal de Saúde de Barcelos, Laboratório Central do Amazonas, Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
Malária nas Américas
O prêmio Campeões contra a Malária nas Américas reconhece iniciativas locais ou nacionais que demonstraram sucesso na prevenção, controle, eliminação ou prevenção da reintrodução da malária em comunidades, países ou nas Américas.
Na edição de 2017, foram premiados, além do projeto Parque Nacional do Jaú (PNJ) Amazonas/Fiocruz, os programas Eirunepé – do Caos à Vigilância, da Secretaria Municipal de Saúde de Eirunepé, município do Amazonas, e Binomial plan for malária elimination in Hispaniola Island – Ouanaminthe-Djabon, do Programa Nacional de Controle da Malária do Haiti, e do Centro Nacional Para o Controle das Enfermidades Tropicais da República Dominicana.
Agência Brasil