Está chegando o momento de atrasar o relógio. O horário de verão termina neste sábado, e, em dez Estados e no Distrito Federal, os ponteiros devem voltar uma hora à meia-noite.
A mudança pode ser pequena, mas ela tem o potencial de afetar o funcionamento do nosso organismo e ter impactos sobre o bem-estar e a saúde, explica o médico John Araujo, professor titular de Cronobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
“As pessoas pensam que vão ganhar uma hora, acabam ficando acordadas uma hora a mais e perdem o controle do horário de ir dormir. Acabam dormindo menos de sábado para domingo e de domingo para segunda-feira”, diz Araujo.
“O sono tem um efeito reparador principalmente para o cérebro, e o acúmulo de privação de sono tem os mesmos efeitos de estar embriagado: afeta nossa capacidade de atenção e concentração, reflexos e destreza motora e aumenta a chance de haver acidentes.”
Mas como minimizar esses efeitos e “atrasar” também o ritmo do corpo, acostumado desde 15 de outubro do ano passado com dias que amanhecem e anoitecem mais tarde?
O que fazer
A boa notícia é que é mais fácil se adaptar ao fim do horário de verão do que ao começo, explica a neurologista Andrea Barcelar, presidente da Associação Brasileira do Sono.
“Também é assim quando viajamos. É mais simples se acostumar com um novo fuso horário e dormir mais tarde quando vamos para oeste, rumo aos Estados Unidos, por exemplo, do que dormir mais cedo quando vamos para o leste, na direção da Europa”, diz Barcelar.
A melhor forma de atenuar as consequências do fim do horário de verão, explica a neurologista, é adaptar o corpo aos poucos à mudança de horário, antecipando o momento de ir dormir dia a dia. “Nosso corpo leva cerca de dois dias para se ajustar a uma mudança de 15 minutos, então, para 1 hora, seria necessária uma semana”, diz Barcelar.
Mas quem não se antecipou ainda pode seguir outras recomendações:
* Desacelere: não programe muitas coisas à noite no fim de semana e, se possível, escureça a casa. “A claridade inibe o sono. Se você estimular um sono precoce, vai estar mais desperto na segunda-feira”, diz Araujo.
* Desligue as telas: a televisão, o computador e o celular devem ser evitados. “A luz azul na retina atrasa a produção de melatonina (o hormônio do sono)”, explica Barcelar. Uma alternativa é instalar aplicativos no celular e no computador para filtrar e diminuir a luz azul durante o período noturno.
* Evite atividade física à noite: fazer exercícios ativa o sistema nervoso central, o que nos deixa excitados e dificulta dormir mais cedo.
*Jante leve e mais cedo: adiante também em uma hora a última refeição, que não deve ser pesada e feita no máximo duas horas antes de deitar para não ir dormir com o estômago cheio demais.
Seguir esses passos é uma forma de fazer um “ajuste manual” em nosso relógio biológico, nome dado aos mecanismos usados por nosso organismo para ditar o ritmo do corpo em compasso com ciclos de 24 horas. “Isso é fruto da evolução, uma reação aos eventos geofísicos da rotação da Terra”, diz Araujo.
Como funciona o relógio biológico
Estudos já mostraram que quase todos os seres vivos do planeta têm um relógio biológico, que antecipa os momentos do dia e prepara o organismo para eles, alterando níveis hormonais, funções vitais, temperatura corporal e metabolismo, o que nos deixa mais ou menos alertas em diferentes fases do dia.
“É como um maestro que rege a orquestra de órgãos do nosso corpo, criando uma lógica temporal para seu funcionamento e a sequência de eventos mais eficiente”, diz Araujo.
A partir da metade do século 20, cientistas fizeram descobertas que lançaram uma luz sobre o funcionamento e complexidades deste mecanismo. Pesquisas sobre a cronobiologia, que estuda os ciclos temporais dos organismos, inclusive renderam a um trio de cientistas americanos o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina no ano passado.
Jeffrey C. Hall, Michael Rosbach e Michael W. Young anunciaram em 1971 a descoberta de um gene que regula o relógio biológico na mosca-da-fruta e mostraram como ele rege a fabricação de uma proteína que se acumula nas células durante noite e se degrada durante dia, regulando o chamado ritmo circadiano de organismos multicelulares, incluindo o ser humano.
Duas décadas depois, os cientistas descobriram outro gene que leva à produção de uma segunda proteína que regula o ciclo de acúmulo e degradação da proteína identificada anos antes.
Desde então, cientistas apontaram outros genes que têm um papel nesse mecanismo, influenciados tanto por fatores internos quanto externos, que vão além da luz, como nossa alimentação e nível de atividade física. Um descompasso nesse mecanismo gerado por eventos como o fim do horário de verão tem impactos sobre nosso organismo.
“É importante que as pessoas estejam conscientes desses efeitos e tenham muita atenção com qualquer atividade que gere riscos no domingo e na segunda-feira, como dirigir e operar máquinas pesadas”, diz Araujo.
Por sua vez, Barcelar recomenda: “Para minimizar os impactos, é hora de aproveitar que estamos voltando do carnaval e segurar um pouco a vontade de sair à noite e aproveitar para dormir mais cedo.”
R7