Há muitas formas de amar e ser amado. Pelo menos é isso o que o linguista britânico Tim Lomas, professor de Psicologia Positiva na Universidade do Leste de Londres, afirma ter descoberto e catalogado a existência de, pelo menos, 14 tipos de amor divididos em quatro categorias distintas.
O britânico pesquisa, desde 2015, palavras que descrevem experiências emocionais positivas de diversos idiomas, traduzíveis ou não para o inglês. Lomas estudou o vocabulário de cerca de 50 idiomas e reuniu mais de mil termos.
Ainda neste semestre, o linguista publicará no Reino Unido dois livros sobre suas pesquisas de lexicografia das emoções.
O primeiro sairá em maio e apresentará ao leitor a tradução de “felicidade” ao redor do mundo (Translating Happiness: A Cross-Cultural Lexicon of Well-Being, ou Traduzindo a felicidade: um léxico multicultural do bem-estar); o segundo livro será um dicionário de sentimentos e emoções positivos (The Happiness Dictionary: Words from Around the World to Help Us Lead a Richer Life, ou O dicionário da felicidade: palavras do mundo inteiro que nos ajudam a ter uma vida mais rica), que será publicado em junho.
O interesse do autor agora é catalogar a maneira como o amor é descrito em nessas línguas. Até o momento, Lomas encontrou mais de 600 palavras em inúmeros idiomas que se referem ao ato de amar e que não têm tradução para o inglês – a língua mais falada do nosso tempo.
Mas, afinal, o que é o amor?
“Sem dúvida, não existe nenhuma palavra que dê conta da ampla gama de sentimentos e experiências que envolve o amor”, se esquiva Lomas da resposta.
Ou seja, a pesquisa de Lomas conclui que o vocabulário de cada povo pode expressar uma maneira específica de amar e se falar de amor naquela cultura.
No português, por exemplo, sentimos “saudade” quando não estamos perto da pessoa amada, do nosso “xodó”. Também pedimos “cafuné” e dizemos que nos “apaixonamos” antes de dizer que, enfim, amamos alguém. Esse é o jeitinho único do brasileiro de falar e descrever o amor, já que “saudade”, “xodó”, “cafuné” e “apaixonar” nem sempre têm uma única palavra equivalente ou tradução para outras línguas.
Como explicar para seu amigo alemão porque sua mãe te chama de xodó e que paixão, para nós, é um verbo, apaixonar?
Os sabores do amor
Durante toda a entrevista, o pesquisador – simpático e hábil no uso das palavras – enfatizou que são “pelo menos” 14 tipos de amor, pois que não se trata de um esquema fechado e definitivo. Segundo Lomas, o amor é a emoção mais apreciada, falada e procurada ao redor do mundo, fazendo com que seja tarefa quase que impossível identificar todas as formas possíveis de amar.
Aliás, o linguista não usa a palavra “forma” ou “tipo” em sua pesquisa, publicada recentemente no Journal for the Theory of Social Analysis, mas sim “flavours”, ou sabores. O pesquisador explica que prefere usar a metáfora de “sabores” do amor para demonstrar que cada situação pode envolver uma ou mais formas de amor.
“Um dado relacionamento não é exclusivamente só um ‘tipo’ de amor. Por exemplo, um relacionamento romântico pode entrever vários desses tipos. A metáfora dos sabores nos permite apreciar que um relacionamento possa misturar vários sabores para criar um ‘gosto’ único”, afirma Lomas.
O linguista também explica que, para compor a lista dos “sabores”, nomeou cada forma com termos gregos intraduzíveis para outros idiomas.
“Essas palavras podem revelar fenômenos (relacionados ao amor) que foram negligenciados ou subestimados em uma cultura”, explica.
Em outras palavras, o linguista defende que para percebermos que um sentimento existe e que ele é diferente de outros que já conhecemos, é preciso que saibamos nomeá-lo. Por isso a especial atenção do pesquisador em nomear cada forma de uma maneira específica.
Além do romântico
Para demonstrar a complexidade de sentimentos, emoções e situações que envolve o amor, o linguista agrupou os 14 tipos em quatro categorias diferentes:
A primeira categoria abarca as formas impessoais de amor, “sabores” do amor que não estão relacionadas a pessoas, mas aos sentimentos de pertencimento e de identificação que estabelecemos com lugares, objetos e atividades:
“Érōs” – o amor por objetos que apreciamos;
“Meraki” – amor por determinadas ações e atividades;
“Chōros” – o amor que sentimos por determinados lugares, especialmente pelos que chamamos de “lar”.
A segunda é a categoria do amor não romântico, que diz respeito aos sabores de amor estabelecido entre pessoas e por nós mesmos:
“Storgē” – o amor que protege, educa e cuida da família;
“Philia” – o amor que forma os laços que estabelecemos com os amigos;
“Philautia” – o amor por nós mesmos, capaz de construir nossa autoestima e a noção de autocuidado.
O amor romântico é a terceira categoria e abriga mais sabores de amor, inclusive um sabor azedo de se amar: a “Mania”, que representa o amor nos problemas gerados pela dependência e intimidade com o outro. Há mais quatro sabores de amor romântico:
“Epithymía” – é a forma do amor nos desejos sexuais e nas paixões românticas;
“Paixnidi” – amor romântico por nossos afetos;
“Prâgma” – é o amor presente nos relacionamentos duradouros;
“Anánkē” – é a forma mais abstrata, pois se refere ao amor à primeira vista, um amor por alguém que acabamos de conhecer e que não conseguimos evitar.
Por último, há as formas transcendentais de amor, em que o ato de amar é capaz de reduzir nossas próprias necessidades e preocupações em razão do outro e do coletivo:
“Agápē” – o amor relacionado à caridade e à compaixão desinteressada;
“Koinōnía” – o amor que leva a autoabnegação temporária quando nos conectamos com um grupo, com o coletivo;
“Sébomai” – é o amor que se refere a um tipo de devoção por uma divindade ou por crer em algo.
A língua do amor
Há quem diga que a língua do amor é o inglês, por causa de autores como William Shakespeare, Jane Austin, Lord Byron e mais uma lista extensa de poetas e dramaturgos ingleses. Há quem defenda que a sonoridade do italiano, do francês e do espanhol fazem dessas as verdadeiras línguas do amor. Mas para Lomas, o idioma do amor é o grego.
“Em algumas línguas, há uma grande granularidade para se referir ao amor, permitindo uma diferenciação mais específica entre os diferentes tipos”, afirma o pesquisador.
Ao falar em “granularidade” de uma língua, o linguista se refere ao que a ciência chama de “granularidade das emoções”, que representa a capacidade de uma pessoa de usar várias palavras para descrever uma emoção com precisão. Segundo a Psicologia, pessoas que possuem um vasto vocabulário emocional, por exemplo, tendem a ter uma maior capacidade de lidar com os sentimentos.
Nesse sentindo, a língua com uma maior granularidade referente ao amor é o grego, segundo Lomas. Daí ter recorrido ao complicado idioma para nomear as 14 formas de amor de sua pesquisa.
Quando questionado qual língua, em contrapartida ao grego, fornece menos nuances para expressar o amor, Lomas rebate: “Essa é uma questão complicada”. Ao insistir na pergunta, o linguista reflete sobre o vocabulário inglês.
“O fato de que o inglês tem uma única palavra para descrever inúmeras experiências faz com que seja fácil para seus falantes expressar o amor, já que as pessoas podem usar apenas ‘love’ para se referir a múltiplos contextos, sem ter que pensar em termos mais específicos para cada situação”, explica o britânico.
“Por outro lado, a baixa granularidade do inglês também pode gerar maior dificuldade em seus falantes de se fazerem entendidos, pois, em várias situações, é preciso conseguir explicar o ‘tipo’ de amor que estamos falando.”
Isso faz dos nativos da língua inglesa povos pouco românticos ou que amem menos?
“Afirmar isso é dar um poder determinista às línguas. Eu acredito que as pessoas são capazes de vivenciar emoções que elas não conseguem explicar em palavras”, tranquiliza Lomas.
“Mas eu diria que a língua tem a capacidade de influenciar nossas vidas, pois o idioma pode afetar o que e como observamos, conceituamos, priorizamos e falamos sobre o mundo”.
R7