Ferida por um tiro de fuzil na barriga, ela deu entrada no hospital no dia 2 de dezembro do ano passado, foi operada e precisou retirar o baço. Foram 38 dias em coma induzido até falecer no dia 9 de janeiro deste ano.
Karolyne é uma entre 3.387 histórias atravessadas pela violência na cidade do Rio de Janeiro. Um levantamento concluído esta semana pela rede pública de saúde à pedido do R7 mostrou que as emergências atendem, ao menos, um baleado a cada duas horas e meia. O dado leva em conta os registros dos hospitais municipais, estaduais e federais da capital fluminense durante o ano de 2017.
Foram cerca de 280 pacientes atendidos por mês, com ferimentos provocados por armas de fogo, acarretando um prejuízo direto no funcionamento das unidades de saúde. O número de feridos com arma de fogo na cidade sobrecarrega ainda mais as emergências e afeta indiretamente a população que utiliza o sistema público de saúde.
O levantamento revela que a crise na Segurança tornou-se também um problema de saúde pública, como explica o presidente do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro), Nelson Nahon.
— Os hospitais públicos já estão sobrecarregados, com déficit de médicos, com falta de insumos e a chegada de um paciente grave impacta muito, porque precisa concentrar as atenções no paciente mais grave que está chegando, exige o tempo de vários profissionais e uma atenção redobrada.
A pessoa que chega à emergência com ferimento de bala é um paciente que vai demandar cuidados por alguns dias, semanas ou até meses. Grande parte dos feridos precisa passar por cirurgias, fazer exames ou de um leito para internação. Necessitam de medicamentos, curativos e, principalmente, tempo e atenção de vários profissionais.
O grande número de vítimas que a violência produz diariamente acirra ainda mais um cenário que já é complexo, como indica o professor da Faculdade Mackenzie Alessandro Paiva, que estuda os impactos da violência no setor da saúde.
— Não é só o atendimento. Você tem o atendimento inicial e quando estabilizar esse paciente você ainda precisa encontrar um leito para ele. Ele vai passar por cirurgia e vai ficar internado um dia, uma semana ou talvez um mês. Somando tudo isso, no final das contas, o custo da violência acaba impactando no nosso bolso com um valor bem significativo.
Além do impacto financeiro, Paiva destaca que o mais grave são os prejuízos à população. Mesmo aqueles que não são vítimas diretas da violência são prejudicados por seus impactos.
— Alguém vai deixar de ser atendido, porque entrou alguém baleado. Os hospitais mais próximos aos locais com os maiores índices de violência, vão ser os hospitais mais sobrecarregados. E as pessoas que moram próximo a essas unidades vão ser as mais prejudicadas, porque o hospital que deveria atendê-las vai estar com excesso de trabalho.
Entre as onze emergências públicas, o Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, na zona norte, lidera os registros de atendimentos a baleados na cidade. Cerca de 30% dos feridos socorridos na rede municipal são levados para a unidade. Ano passado foram 684 atendimentos, 180 a mais do que o registrado em 2016.
O indicadores referentes à segurança pública da região ajudam a entender o motivo. O Salgado Filho fica próximo ao Complexo do Lins e das favela do Jacarezinho e Manguinhos, áreas que viveram uma rotina de conflitos intensos durante o ano passado.
O número de pacientes vítimas de disparos de arma de fogo na rede municipal do Rio quase dobrou. Ano passado foram 2.386 pacientes, contra 1.652 atendidos em 2016. O crescimento foi ainda maior nas emergências federais, que registraram 190 casos em 2017 e 93 no ano anterior.
O professor Alessandro Paiva alerta que “a violência está esgotando os recursos do serviço público e vai impactar diretamente na saúde, afetando tanto quem sofre a violência, como também quem não sofre.
A situação das emergências na capital, segundo o presidente do Cremerj, é preocupante e se agrava ainda mais pela demanda vinda de cidades vizinhas.
— Nas emergências, os pacientes ficam 10, 15, 20 dias praticamente internados na emergência porque não tem leito de retaguarda. Na Baixada só tem, praticamente, dois hospitais com emergência e isso ajuda a sobrecarregar os hospitais do Rio — aponta Nelson Nahon.
Apesar de alarmantes, os números podem ser ainda maiores por conta das subnotificações. O Hospital Federal do Andaraí e o Evandro Freire, na Ilha do Governador, ambos na zona norte do Rio, não têm o balanço de pacientes baleados que foram atendidos.
R7