Chicossauro Rex
Outro dia mesmo despertei com o rádio relógio. Tinha programado na Globo FM. Uma música internacional suave para acordar inspirado. Liguei a TV de 20”…. demorava um pouco para a imagem aparecer, até esquentar. Coei meu café e esquentei um pão cacetinho na frigideira. Entrei no meu fusquinha 75 (quase duas décadas de existência)… Demorava a pegar, mas em dias de chuva paravam chevettes, monzas, voyages, santanas, scorts xr3, mas meu fusquinha era um verdadeiro submarino.
Era repórter da Tribuna da Bahia, quando ainda dividia o prédio com o Jornal da Bahia. Na Redação, lia os quatro jornais locais do dia, antes de pegar minha pauta datilografada (ficava uma cópia feita com papel carbono na mão do chefe de reportagem). Usava o telefone da redação para confirmar entrevistas, esperava o fotógrafo pegar os filmes para usar no dia (cada rolo continha até 36 poses – às vezes um pouco mais, a depender de quem enrolava, todos em P&B… Gostava do cuidado e precisão dos colegas para não desperdiçar chapas e garantir a melhor pose do dia). Às vezes, tínhamos que ajudar a empurrar o carro da reportagem, mas isso é só um detalhe.
Da rua, qualquer dúvida, sempre tinha em mãos uma cartela de fichas telefônicas. Era só entrar em um bar, armazém e discar para a redação, onde sempre tinha um colega disposto a atender. Pauta cumprida, voltávamos para a TB.
Antes de “bater” a matéria, uma conversa com o chefe ou editor para ver quantas “laudas” deveriam ser feitas, ou às vezes em quanto toques queriam o título ou subtítulo. Corria para pegar a Remington mais nova da Redação. O fotógrafo ia para o laboratório para fazer os “contatos” para que o editor pudesse marcar a foto da página e talvez também da primeira página. Tinha que passar pelo fotolito.
Os diagramadores a postos com seus diagramas do tamanho da página standard e suas réguas de “pica”, lápis, borracha branca prontos para serem acionados…
Batia a matéria após o consumo de pelo menos três cafezinhos (coisa que era farta nas redações de jornal). O cheiro de cigarro nem importava tanto. O ambiente era tipo filme noir, sempre uma nuvem densa, uma meia-penumbra iluminada por lâmpadas fluorescentes.
O lead da primeira matéria (eram sempre duas) ficava pronto após arrancar da máquina e rasgar (numa atitude anti-ecológica) pelo menos três laudas. Daí, acertava o tom e tome tec-tec-tec-tec-tec, até ter a matéria pronta. Revisava usando minha caneta bic e passava para o Copydesk, que depois virou redator e depois desapareceu das redações. Muitas vezes, o colega usava tesoura, cola e outra lauda para mudar a sequência dos parágrafos.
Fui também redator em alguns momentos e odiava “pentear” telex. Adorei quando os aparelhos de fax chegaram à redação e as matérias já vinham acentuadas e em caixas alta e baixa. Muitas vezes tínhamos que reescrever e montar um quebra-cabeça com o material de outras agências de notícias. Era divertido.
Visualizava a matéria no diagrama e saia para a esquina para beber e/ou comer alguma coisa antes de seguir para o segundo tempo/emprego – às vezes um freela para um jornal de empresa, revista, às vezes uma assessoria. Quando não rolava, via no roteiro do Caderno de Cultura algum filme interessante e seguia para o Glauber Rocha, noutras para o Tamoio… Gostava também de filmes de arte no antigo Cine Maria Betânia. Muitas vezes dava um tempo na redação lendo os cadernos culturais da Folha, Globo, JB ou Estadão. Voltava para casa a tempo de assistir os jornais da noite. Jornalista raiz.
(Na foto: Redação de O Globo na década de 1980 – arquivo de O Globo)