Uma pessoa adulta tem entre cinco e seis litros de sangue. Mesmo assim, os médicos conseguem descobrir doenças como a anemia extraindo alguns poucos mililitros de um paciente — em um exame como o hemograma.
A analogia acima se aplica às pesquisas eleitorais e de opinião: com os métodos certos, é possível conhecer o pensamento e as tendências em um grupo tão grande quanto os 146 milhões de eleitores brasileiros a partir de entrevistas com uma pequena parte deste contingente — amostras de 2.000 pessoas ou até menos.
Com as eleições de outubro se aproximando, as pesquisas (principalmente as eleitorais) se tornarão cada vez mais comuns. Os levantamentos dos institutos de pesquisas, porém, vão muito além da disputa pela Presidência da República: são usados também para conhecer tendências de opinião das pessoas sobre determinados temas e para planejar estratégias de marketing das empresas.
Em eleições acirradas, é comum que candidatos e militantes ataquem o resultado de pesquisas eleitorais (especialmente quando se saem mal). Mas não se deixe enganar: políticos, marqueteiros e partidos conhecem o valor das pesquisas para entender e se posicionar da melhor forma durante a disputa, e muitas vezes encomendam suas próprias pesquisas antes de tomar decisões.
“Para os partidos políticos e candidatos, os resultados das pesquisas são fundamentais para as decisões estratégicas das campanhas eleitorais, desde a definição do melhor candidato ou coligação partidária até a avaliação da forma de se comunicar com o eleitor”, conta Daniel Cersosimo, diretor do instituto de pesquisas Ipsos.
Mesmo assim, é possível que você nunca tenha respondido a uma pesquisa eleitoral e talvez não conheça ninguém que tivesse participado desses levantamentos. Então, como confiar que os resultados são verdadeiros?
No fim das contas, pesquisas eleitorais tentam “prever” o que vai acontecer quando chegar o dia da votação. E a evidência existente até agora é de que, na maioria das vezes, os levantamentos são bem sucedidos nesta tarefa, principalmente quando são realizados mais perto da data do escrutínio.
Em fevereiro do ano passado, por exemplo, cientistas políticos da Universidade de Houston (EUA) verificaram que pesquisas feitas duas semanas antes da votação conseguiram acertar o resultado de 10 entre 11 eleições em países latino-americanos, entre 2013 e 2014 (uma eficácia de 90,9%).
Um resultado similar aparece em um levantamento do site de notícias jurídicas Jota, que considerou 3.924 pesquisas eleitorais brasileiras nas eleições nacionais de 1998 a 2014.
Por fim, é possível que durante a campanha surjam textos nas redes sociais mencionando “pesquisas” que não existem, para favorecer este ou aquele candidato. Para saber se uma pesquisa foi realmente feita ou não, basta consultar o TSE. Todas as pesquisas confiáveis feitas no país estão registradas neste banco de dados da Justiça Eleitoral.
A BBC Brasil conversou e enviou questionamentos por e-mail a diretores de três grandes institutos de pesquisas com atuação no Brasil (Ibope, Datafolha e Ipsos) para entender como são feitos estes levantamentos.
Como é feita uma pesquisa?
Primeiro, os pesquisadores definem uma “amostra” que seja representativa do grupo a ser pesquisado, usando dados públicos. O objetivo é escolher um número limitado de pessoas, cujas características sejam parecidas com a do grupo maior que se queira pesquisar (que os estatísticos chamam de “universo”).
Para que a pesquisa esteja correta, a amostra precisa corresponder ao universo dentro de alguns critérios (escolaridade, idade, gênero, etc). Esses critérios são chamados de “variáveis”. Por exemplo: os últimos dados do TSE mostram que 52,4% dos 146,4 milhões de eleitores brasileiros são mulheres. Portanto, uma amostra de 2.000 eleitores deverá ter 52,4% de mulheres (1.048 eleitoras).
“A amostra deve ser uma reprodução do universo a ser representado, com as mesmas proporções de segmentos sócio-econômicos”, diz o diretor do Datafolha, Mauro Paulino. E como escolher exatamente os locais do país em que serão aplicados os questionários? “São sorteadas cidades de pequeno, médio e grande porte nas mesorregiões (recortes dentro de cada Estado) definidas pelo IBGE”, explica Paulino. É que a proporção de moradores de capitais ou de cidades do interior também é considerada na formação da amostra.
As variáveis levadas em conta mudam de instituto para instituto e de acordo com o objetivo do levantamento. “Quanto mais as variáveis escolhidas estiverem relacionadas com o objeto do levantamento, melhor será a amostra”, diz a diretora do Ibope Márcia Cavallari. No caso do Ibope, as variáveis consideradas geralmente são as de gênero, faixa etária, escolaridade e ramo no qual a pessoa trabalha (ou se é desempregada).
Depois de calculada a amostra, é preciso fazer as entrevistas com as pessoas que preencham aqueles critérios.
Cada instituto de pesquisa tem a própria forma de fazer isto: o Ibope determina a área em que o entrevistador fará a pesquisa usando os chamados “setores censitários” definidos pelo IBGE (isto é, a mesma divisão do território usada no Censo brasileiro). A vantagem disto, diz Cavallari, é poder saber exatamente onde cada entrevista ocorrerá — o pesquisador é enviado a uma área contínua, situada em um único quadro urbano ou rural.
“A partir daí, o entrevistador vai percorrer esse território (o do setor censitário) até preencher todas as entrevistas que estavam designadas para ele”, diz Cavallari.
Já o Datafolha usa outra metodologia, baseada nos chamados “pontos de fluxo”: os pesquisadores são mandados a locais fixos, e entrevistam os passantes.Segundo Mauro Paulino, o instituto tem mapeados mais de 60 mil pontos deste tipo, que são atualizados constantemente. “Todos os questionários são aplicados com o uso de tablets, que permitem a geolocalização online do entrevistador, gravação das entrevistas e checagem instantânea das respostas, que são enviadas para a central de dados no mesmo instante em que são colhidas”, escreveu ele à BBC Brasil.
Por último, os dados são reunidos e tratados estatisticamente pelos institutos.
Você nunca foi entrevistado?
No caso de uma pesquisa de intenção de voto, por exemplo, o universo a ser estudado corresponde ao número de eleitores do Brasil — 146,4 milhões de pessoas, segundo o último número do TSE (março de 2018).
Como as pesquisas eleitorais geralmente ouvem cerca de 2.000 pessoas, a chance de você estar entre os “escolhidos” é realmente pequena — o que não torna o levantamento menos válido.
“As pesquisas de opinião são realizadas por meio de técnicas de amostragem reconhecidas internacionalmente, de modo que a abordagem de apenas uma pequena parcela da população já é suficiente para retratar o todo”, escreve Cersosimo, do Ipsos, em e-mail à BBC.
“Da mesma forma (que num exame de sangue), uma pesquisa eleitoral pode entrevistar cerca de mil pessoas e chegar a resultados que representam toda a população, desde que seja realizada com os métodos corretos de amostragem e dentro de uma margem de erro”, continua o diretor do Ipsos.
E por que os institutos não conseguem eliminar a “margem de erro” que existe nas pesquisas? Basicamente, porque seria preciso entrevistar todos os 146 milhões de eleitores, diz Márcia Cavallari, do Ibope. “Quanto mais entrevistas você faz, mais cai a margem de erro”, diz Cavallari.
“Mas, a partir de um certo ponto, você pode aumentar o quanto quiser a sua amostra (o número de entrevistas) que a margem de erro varia pouco”, conta a CEO do Ibope. No Brasil, as pesquisas eleitorais costumam variar entre 2% e 4% de margem, para mais ou para menos.
Enquete não é pesquisa
As pesquisas são cientificamente criadas para fazer com que as respostas sejam dadas por pessoas que “representem” o todo do grupo que se quer conhecer — em uma pesquisa eleitoral para presidente, este “todo” é o universo dos eleitores brasileiros.
Já as enquetes de um site ou página não têm qualquer controle de quem vai responder às perguntas — por isso, podem acabar “ouvindo” de forma desproporcional pessoas de uma determinada classe social, faixa de escolaridade, profissão ou até inclinação política. Os resultados estarão, portanto, distorcidos.
“Podemos destacar, por exemplo, a limitação que ocorre pelo próprio público, uma vez que parte da população não tem acesso à internet. Do mesmo modo, o perfil de quem responde espontaneamente às enquetes não é o perfil geral do eleitor, o que acaba enviesando os resultados”, diz Daniel Cersosimo, do Ipsos.
“Por isso mesmo existe uma diferenciação do que pode ser chamado de pesquisa, com métodos que devem ser seguidos, e enquetes, que podem ser feitas sem adoção de critérios científicos”, diz ele.
R7