O loteamento clandestino de terrenos é prática comum na Baixada Fluminense desde os anos 90. Áreas invadidas eram aterradas e vendidas à população mais pobre, que investia o pouco que tinha para erguer suas casas. Eram moradias simples, em locais afastados, onde serviços básicos como luz, água, saneamento e transporte não chegavam.
A carências dessas famílias passou então a ser vista como uma oportunidade de negócio. Os então matadores de aluguel da região foram os primeiros a lucrarem com a exploração clandestina destes serviços, atuação que posteriormente foi imitada e ampliada pelos milicianos.
Essa história é contada pelo professor José Cláudio Souza no livro Dos barões ao extermínio, que investiga o desenvolvimento da violência na Baixada Fluminense. Para o sociólogo, o papel de civis na liderança de ocupações urbanas na região foi o primeiro passo para a formação das milícias. É somente a partir dos anos 2000, que os agentes de segurança passaram a participar e controlar esses grupos.
Inicialmente, obtinham lucro através de taxas de segurança impostas aos comerciantes da área dominada, mas logo estenderam a cobrança também aos moradores. Passaram a explorar a distribuição de gás, de água, o transporte clandestino e o sinal irregular de TV por assinatura.
Nos últimos anos, começaram a invadir terrenos, quando não vendem as terras em lotes, usam o espaço para construir aterros clandestinos de lixo. Em algumas áreas, passaram a lucrar com a extração clandestina de recursos naturais. Eles ampliaram e diversificaram suas possibilidades de negócios, vendendo cestas básicas ou extorquindo estudantes e moradores para a realização de eventos. Os milicianos aprenderam a adaptar suas ofertas às necessidades do território que controlam.
— Eles sabem dimensionar seus ganhos e direcionar os serviços para cada público — garante o professor José Cláudio Souza, da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). — Eles ampliaram para máfia dos combustíveis, estão perfurando oleodutos da Petrobrás e retirando óleo cru, montando mini refinarias dentro de casas comuns, em bairros populares. Refinam com riscos altíssimos para a população ao redor e depois vendem os combustíveis — acrescenta o sociólogo.
A pesquisadora Thais Duarte relembra que a atuação dos grupos paramilitares no começo foi visto como um “mal menor”. Ela é coautora do livro No Sapatinho, resultado de uma pesquisa do Laboratório de Violência da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) sobre a expansão da milícia no Rio de Janeiro.
O termo – no sapatinho – é justamente a expressão que os moradores usavam para descrever a atuação dos milicianos. O comportamento discreto era uma tentativa de passar despercebido ao poder público.
Por muito tempo a estratégia deu certo e a milícia ampliou seus negócios à capital fluminense, dominando territórios principalmente na zona oeste da cidade, região que hoje sofre com as disputas entre os paramilitares.
De acordo com Thais Duarte, o combate a esses grupos se tornou mais incisivo apenas a partir de 2008, depois da tortura de dois jornalistas na favela do Batan, o que motivou a instalação de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), única, entre as 38, em uma área dominada pela milícia.
O ano também iniciou o combate aos grupos paramilitares em razão da conclusão da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), que indiciou 226 pessoas, entre políticos, agentes de segurança.
Entretanto, um levantamento feito pelo Ministério Público Estadual mostra que as milícias estiveram em franca expansão na zona oeste nos últimos anos. Entre 2010 e 2018 o número de comunidades dominadas mais que dobrou, saltando de 41 para 88 territórios. Não por acaso, a região é a que concentra o maior volume de denúncias deste tipo de crime em todo o estado.
Zona oeste lídera denúncias
Nos últimos dez anos, o Disque Denúncia recebeu mais de 42,5 mil ligações sobre atuação de milicianos no Estado do Rio. Apenas este ano, entre 1º de janeiro e 8 de maio, foram recebidas aproximadamente 16 denúncias diariamente.
Na ausência de dados públicos sistematizados sobre o tema, o volume de ligações torna-se o indicativo mais próximo para entender as direções que as milícias caminham.
Dos dez bairros que mais denunciaram a ação de milicianos em 2008, sete estavam na zona oeste da cidade e concentravam mais de 30% do volume total de denúncias recebidas no estado. Outro três bairros da zona norte do Rio completavam a lista. Veja nas artes.
Dez anos depois, a zona oeste permanece como líder nas denúncias, porém agora com oito entre os dez bairros. Territórios menos afastados do centro, como Taquara e Praça Seca, passam a figurar entre os maiores denunciantes do estado. Também integram o mapa um bairro da zona norte capital e outro na cidade de Nova Iguaçu.
Contudo, o professor José Claudio Souza ressalta que os números não podem ser vistos com um espelho da realidade e chama atenção à ausência da Baixada Fluminense entre os maiores denunciantes.
— Nas áreas onde as milícias são mais fortes, as denúncias não vão ocorrer. Ainda mais nas comunidades mais afastadas, lá as pessoas morrem de medo de uma retaliação desses grupos — ressalta o sociólogo.
A pedido do R7, o Disque Denúncia realizou um levantamento considerando apenas as cidades da Baixada Fluminense. Juntos, os dez bairros que mais denunciaram a atuação de milícias ligaram para o portal 158 vezes este ano. Significa dizer que das 16 denúncias recebidas diariamente, apenas uma é da Baixada Fluminense.
R7