“Se você lembrar, que em 1970 eram 90 milhões de brasileiros e hoje são mais de 200 milhões, evidentemente o número de pessoas com câncer têm que ser pelo menos duas vezes e meia maior do que era antes, simplesmente porque aumenta a população. Mas o número de casos relativos do número de câncer não vem aumentando”, afirma.
O declínio do número de mortes pela doença ao longo dos últimos 20 anos – de 26% –, se deve, na opinião dele, a diagnósticos precoces e progressos nos tratamentos, principalmente de doenças mais avançadas. “Uma individualização do tratamento cada vez maior vem permitindo melhores resultados”.
Mas o oncologista lembra que há tipos de câncer que dependem de medidas comportamentais. “Sabe-se que a redução do tabagismo, do sedentarismo e da obesidade contribuem para a redução de incidência de tumores. E, por incrível que pareça, as medidas mais difíceis de serem adotadas são as medidas comportamentais”, diz.
“As pessoas têm mais facilidade em aceitar tomar remédio do que abandonar o sedentarismo, fazer dieta, perder peso e parar de fumar”, completa.
Ele explica que a sobrevida no câncer depende de dois fatores: recursos diagnósticos e terapêuticos. Afirma que, em relação aos tratamentos, o Brasil está no mesmo patamar e, em alguns aspectos, até melhor que alguns países europeus, mas que dentro do próprio país existem “condições muito díspares”.
“Em algumas cidades do Brasil, é possível receber um tratamento que nada deixa a desejar ao que se pode receber em grandes centros oncológicos do mundo. Isso é verdadeiro. Também é verdadeiro que nem todo mundo tem acesso a isso”. Leia a entrevista a seguir.
De acordo com um relatório divulgado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), o câncer é a primeira causa de morte em 516 cidades brasileiras. Ainda segundo o estudo, em pouco mais de 10 anos, o câncer será o principal responsável pelas mortes no Brasil. Qual a sua opinião sobre isso?
Não posso mencionar nada sobre esse estudo, porque não vi. Mas o número de casos relativos do número de câncer não vem aumentando. Ou seja, o número de casos por 100 mil habitantes não está aumentando. O que aumenta é o número absoluto. Se você lembrar, que em 1970 eram 90 milhões de brasileiros e hoje são mais de 200 milhões, evidentemente o número de pessoas com câncer têm que ser pelo menos duas vezes e meia maior do que era antes, simplesmente porque aumenta a população. Se aumenta a população, aumenta o número de casos. Existem algumas estatísticas que mostram que a mortalidade de alguns tumores vem caindo. Mas é natural que, quando são considerados tumores em geral, algumas estatísticas sugiram que até uma em cada duas pessoas vai ter um tumor ao longo da vida. Só que essas estatísticas consideram também tumores de muito pouca importância, lesões pequenas que não ameaçam a duração e a qualidade de vida de uma pessoa. É preciso tomar um pouco de cuidado com esse tipo de estatística.
Então, não estamos vivendo uma epidemia de câncer?
De acordo com o Cancer Statistics 2018 norte-americano, a incidência do câncer está caindo anualmente em 2% para homens e a mortalidade está caindo 1,5% ao ano tanto para homens quanto para mulheres. Existe uma baixa de óbito por câncer, que vem caindo continuamente de 1991 a 2015, já tendo caído em 26%. Em grande parte, essas quedas de mortalidade se devem a diagnósticos precoces, melhores cirurgias, melhores hospitais e melhores tratamentos de doenças mais avançadas. Entretanto, infelizmente, boa parte dos tumores, quando metastáticos, ainda são incuráveis. Quando se fala em qualquer aspecto de medicina, principalmente em oncologia, tem que se fugir de generalizações. Toda generalização é, por princípio, equivocada.
Existe uma tendência de diminuição dos casos de câncer ao longo dos anos e não o contrário?
Em princípio é isso que vem acontecendo. À medida em que se consegue obter diagnósticos mais precoces de algumas doenças e, em outras doenças, se consegue também progresso em tratamento, a mortalidade tende a diminuir. Por outro lado, há doenças que dependem de medidas comportamentais. Sabe-se que a redução do tabagismo, do sedentarismo e da obesidade contribuem para a redução de incidência de tumores. E, por incrível que pareça, as medidas mais difíceis de serem adotadas são as medidas comportamentais. As pessoas têm mais facilidade em aceitar tomar remédio do que abandonar o sedentarismo, fazer dieta, perder peso e parar de fumar.
Por que isso acontece, na opinião do senhor? As pessoas não acreditam que podem realmente desenvolver um câncer?
Todo mundo sabe que o tabagismo aumenta o risco de câncer, mas, às vezes, as pessoas não pensam nisso. Quando começam a fumar existe toda uma questão de dependência física e psíquica. Não é fácil parar de fumar. E, muitas vezes, se começa como uma brincadeira na adolescência, porque os amigos estão fumando.
Mas o sedentarismo, por exemplo?
Há inúmeras estatísticas que mostram que no Brasil e no mundo inteiro os índices de obesidade vêm aumentando. Tem muito mais gente com sobrepeso hoje do que havia 20 anos atrás. São hábitos alimentares que mudam. Muita gente que andava mais hoje anda menos. Muita gente que voltava para casa para almoçar, come fora, se alimenta de fast food.
Qual o futuro do câncer?
O tratamento vai ser altamente individualizado. Ou seja, o tratamento que serve para seu José que tem câncer de pulmão não servirá para seu Antônio, que também tem câncer de pulmão. Os tratamentos serão baseados na medicina personalizada. Antigamente, os resultados eram muito piores porque o tratamento era “tamanho único”. Imagina chegar a uma loja e só haver roupa manequim 40? Talvez caiba em algumas pessoas e fique apertado ou largo em outras. Não haverá uma boa solução para todos. Hoje existe uma individualização de tratamento cada vez maior e isso vem permitindo melhores resultados.
O câncer já começou a ser tratado como uma doença crônica?
Não é todo tumor. O que se busca hoje, em situações no qual o paciente não pode ser tratado com intuito curativo, é pelo menos tentar fazer com que se possa mantê-lo vivo, levando uma vida com a melhor qualidade e maior tempo possível. O objetivo é a cura sempre que se pode. Das doenças que não posso eliminar, tento prolongar ao máximo a convivência do paciente com a doença.
O maior estudo realizado sobre o câncer até o momento, com 37,5 milhões de pacientes em 71 países publicado em janeiro na revista Lancet, revela que há um aumento global da sobrevida nos últimos 15 anos, mas com diferenças regionais. No geral, os melhores índices foram nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Finlândia, Noruega, Islândia e Suécia. A sobrevida é mais baixa nos países mais pobres. Quais são as razões disso?
A sobrevida depende de dois fatores: recursos diagnósticos e terapêuticos. Se você vive em um lugar onde consegue fazer mamografia anualmente e, se houver alteração no resultado, o laboratório entra em contato e você consegue uma consulta amanhã com um mastologista, isso é uma condição de primeiro mundo. Mas, se tiver que esperar dois anos para conseguir fazer uma mamografia e esse exame demorar seis meses para ser lido e, depois de seis meses, alguém vai saber que seis meses antes você teve um tumor e, então irá lhe chamar para ver um médico, obviamente que essas condições são incomparáveis.
O índice de sobrevida está relacionado com infraestrutura?
Evidente.
Então, dentro de nosso próprio país também há diferença entre as pessoas que têm acesso a tratamentos de primeira linha e as que não têm?
O Brasil é um país muito heterogêneo, muito grande. Há populações ribeirinhas que precisam pegar um barco para chegar ao posto de saúde. Então, você não pode comparar. São situações muito diferentes. Pessoas que vivem em cidades muito pequenas nas quais não existem hospitais. Então existem condições muito díspares.
O Brasil está avançado no tratamento de câncer?
Em algumas cidades do Brasil, é possível receber um tratamento que nada deixa a desejar ao que se pode receber em grandes centros oncológicos do mundo. Isso é verdadeiro. Também é verdadeiro que nem todo mundo tem acesso a isso.
Antigamente as pessoas iam para os Estados Unidos tratar câncer.
Hoje, isso praticamente nunca acontece.
Brasil e Estados Unidos estão no mesmo nível?
Do ponto de vista terapêutico, de diagnósticos, de experiência e de treinamento dos profissionais hoje não existe diferença que justifique alguém ir para um tratamento no exterior, exceto por condições muito particulares. Para a imensa maioria das condições, isso já não é mais necessário. O Brasil está no mesmo patamar e, em alguns aspectos, até melhor que alguns países europeus.
Quais aspectos?
Por exemplo, de facilidade de acesso, de qualidade do atendimento médico, calor humano, humanização da medicina. Há um relacionamento médico-paciente. Por exemplo, há pacientes europeus que estão morando temporariamente no Brasil por causa do trabalho de um dos cônjuges, que se queixam que o tratamento em seus países é muito distante, frio e impessoal. Obviamente que a cultura também é diferente. Não é que os médicos não sejam cuidadosos, mas existe toda uma diferença cultural.
E isso faz diferença no tratamento do câncer?
Do ponto de vista de resultado, talvez não, mas, de acolhimento, evidentemente que sim.
Ainda existe um estigma em relação ao câncer. Como acabar com isso?
Todo estigma e todo preconceito envolve ignorância, envolve desconhecimento. Como o próprio nome diz é um pré-conceito. Tentamos combater isso com informação e isso nem sempre é fácil. Mas claramente isso mudou muito. Hoje é possível conversar com o paciente claramente sobre o que ele tem. No tempo dos seus avós, falavam “ele teve aquela doença”, “morreu de uma doença ruim”. Isso vem mudando e é muito importante que as pessoas continuem sendo esclarecidas até para procurarem tratamento. De vez em quando vemos paciente que tem o que chamamos de “doença negligenciada”. Ocasionalmente você vê uma mulher que aparece com um grande tumor na mama que evidentemente demorou anos para chegar ao ponto que chegou. Alguém que procurou fugir do diagnóstico até um ponto em que não há solução. Isso é reflexo de preconceito, desconhecimento, ignorância. Ignorância não no sentido de atribuir um adjetivo a alguém, mas é o atributo de quem ignora, de quem desconhece.
Qual é a principal conquista e o principal desafio, na opinião do senhor, em relação ao câncer?
Em vários tumores têm havido um grande avanço no conhecimento da biologia da doença e dos fenômenos que levam a doença a ocorrer. Com isso, a gente consegue entender os diversos subtipos diferentes de tumores. O câncer de pulmão é um excelente exemplo disso. Conseguimos identificar quais os defeitos que fazem com que a célula se torne tumoral e alguns desses defeitos podem ser tratados por medicamentos e, mais do que isso, esses defeitos são detectáveis por meio de biópsias teciduais. Atualmente, alguns são detectáveis até por exame de sangue, por biópsias liquidas. Então, a maior evolução que vem acontecendo é essa maior individualização diagnóstica e consequente maior evolução terapêutica. Um outro grande avanço que vem conquistando bastante terreno, evidentemente ainda longe do que a gente deseja, mas que representa um grande avanço, é a imunoterapia que, em alguns tumores, já se tornou uma forma convencional de tratamento.
A imunoterapia pode substituir a quimioterapia no futuro?
Em alguns casos já vem substituindo. Na maior parte dos tumores, a imunoterapia está engatinhando. Ou seja, existe uma pequena parcela de pacientes que se beneficia do tratamento. Não é um tratamento que ajuda a vasta maioria dos pacientes na qual é empregada. Ela funciona, dependendo da condição, em 20 a 25% dos casos. Mas, na parcela desses de casos em que funciona, se consegue um excelente resultado de longo prazo, o que é algo relativamente incomum. Não se pode falar em tempo porque, como a forma do tratamento é recente, existe pouco mais de cinco anos, não há muitos pacientes tratados há muito mais tempo do que isso. Mas, em uma doença em que você esperaria ter, por exemplo, 30% dos pacientes vivos, depois de um ano de diagnóstico, você tem 60%. Isso representa um grande ganho. Aonde vai se chegar, qual a porcentagem desses que podem até estar curados, nós só vamos saber com o passar do tempo. Mas há um claro ganho para uma pequena parcela de pacientes. E o grande desafio em relação à imunoterapia é fazer com que uma porcentagem maior de pacientes responda a essa forma de tratamento e fazer com que os pacientes que respondam, respondam por maior tempo, além de se conseguir melhores maneiras de se reduzir e evitar efeitos colaterais do tratamento.
A imunoterapia é um caminho para o futuro do tratamento?
É um caminho que durante décadas foi uma promessa não cumprida. Há muito tempo que se tenta tratar o tumor com imunoterapia sem sucesso algum. E de cinco anos para cá, uma série de agentes, de drogas imunoterápicas vêm sendo aprovadas e vêm passando a constituir um armamento convencional do tratamento oncológico. Como tudo que existe, não é para todo mundo. Mas, para alguns pacientes, é uma potente arma contra a doença.
R7