Quando decidiu contratar um plano de saúde para o filho, o militar da Marinha aposentado Jorge Gonçalves de Lima, de 65 anos, não teve dúvidas e escolheu um plano de saúde coletivo, mais barato do que as ofertas para um plano individual. Oito anos depois, no entanto, Jorge se arrepende. Ele considera “injusto” os reajustes anuais na mensalidade do plano e se sente enganado por não entender como funciona o cálculo das novas taxas.
— Eu e um monte de gente corremos para o plano coletivo por adesão porque se subentende que vamos receber atendimento um pouco inferior e, portanto, vamos pagar menos. Mas os reajustes são menores para os planos individuais, então acaba beneficiando quem aceita pagar mais e sacrificando quem quer pagar menos.
O reajuste dos planos de saúde se tornou nos últimos dois anos a principal reclamação recebida pelo Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), deixando para trás as queixas por não cobertura de atendimento, campeã histórica no quesito “dor de cabeça” ao consumidor.
O principal motivo para tamanha insatisfação, segundo o instituto, é a falta de transparência e de regulamentação quanto aos reajustes praticados pelas operadoras dos planos de saúde.
No caso dos contratos individuais e familiares, quem define o limite máximo de reajuste anual é a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) — fixado em 10% em 2018, após disputa judicial. Mas no caso dos planos coletivos por adesão e empresariais, a decisão é tomada pelas operadoras, por meio de negociações com as administradoras e sem qualquer limite de valores.
Outra diferença importante entre os dois tipos de planos é que, no caso dos individuais, a ANS proíbe as operadoras cancelarem o contrato de forma unilateral, explica a pesquisadora em saúde do Idec, Ana Carolina Navarrete. Já nos planos coletivos, além de determinarem o aumento de preço, as operadoras podem cancelar o contrato após o primeiro ano de serviço, o que pode acontecer, por exemplo, quando não há acordo com relação ao reajuste.
— A recomendação é para que a pessoa prefira o plano individual porque ele é mais protegido. O plano coletivo é mais barato no começo, mas a pessoa acaba perdendo essa vantagem inicial no primeiro ou segundo reajuste aplicado.
O plano de saúde que Jorge paga para o filho Gabriel, de 32 anos, foi reajustado em 14,91% para o período de julho de 2018 a junho de 2019, chegando a R$ 362,81. O serviço é prestado pela Unimed-Rio e administrado pela Qualicorp. Desde o início do contrato, em outubro de 2010, quando a mensalidade custava R$ 120,62, o reajuste acumulado é de 200%.
Como comparação, os oito reajustes anunciados pela ANS desde 2011 para os planos individuais apontam para um aumento acumulado de 123%. Caso o mesmo limite fosse aplicado aos planos coletivos, Jorge pagaria a partir de julho mensalidade de R$ 269,97, e não os atuais R$ 362,81 — uma diferença de R$ 1.114 após 12 meses.
O militar da reserva reclama falta de informações para entender o cálculo dos reajustes.
— São dois pesos e duas medidas. As operadoras até podem [reajustar o plano por conta própria], mas que é certo não é, porque tudo é plano de saúde, não importa se é individual ou coletivo por adesão.
Aumento justo?
Embora mais protegidos, os contratos individuais e familiares são minoria no mercado. Dentre os 47,3 milhões de planos privados, 9,1 milhão estão nessa categoria, ou 19% do total, segundo a ANS. Já os coletivos representam 38 milhões (80%), sendo 31,6 milhões empresariais e 6,4 milhões por adesão.
Se para os planos individuais a ANS limitou o reajuste a 10%, o aumento dos planos coletivos neste ano vai de 15% a 19%, segundo apurou o R7.
Beneficiários do plano da Sulamérica contratado pelo Sindicato dos Engenheiros de São Paulo por meio da Qualicorp, por exemplo, viram a mensalidade subir 17% — a proposta inicial da operadora era de 40%.
Mas a inflação oficial do Brasil (IPCA) para o setor de “saúde e cuidados pessoais”, entre maio de 2017 e abril deste ano, ficou em 5,72%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A falta de parâmetros econômicos específicos para o setor, como um índice inflacionário definido pela própria ANS (o que não existe), agrava a dor de cabeça do consumidor, segundo Navarrete.
— Não existem hoje meios disponíveis que permitam mensurar o que é um reajuste justo. O IPCA serve como índice provisório na falta de um índice da própria ANS.
Uma alternativa para questionar os valores é levar a reclamação para a Justiça. Uma levantamento feito pelo Idec em decisões judiciais em 10 Estados e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), entre 2013 e 2017, revelou que 75% dos reajustes eram barrados pelo Judiciário. Todos os casos, no entanto, se tratavam de questionamentos feitos por empresas de maior porte.
— Isso ocorreu entre pessoas jurídicas de grande porte. A situação é pior nos planos coletivos por adesão, em que não existe poder de barganha algum.
De acordo com a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), “a inflação médica reflete uma reposição parcial dos custos médico-hospitalares e, historicamente, tem sido muito superior ao índice oficial (IPCA)”.
“Nos últimos anos, as despesas assistenciais têm crescido frequentemente mais que as receitas, chegando a representar aproximadamente 85% do que as operadoras arrecadaram com as mensalidades dos beneficiários, sem levar em conta os gastos administrativos, operacionais, comerciais e tributários”, diz a associação, em nota enviada à reportagem.
O diretor-presidente da ANS, Leandro Fonseca, disse ao R7 que a variação de preços considera não somente o custo mas também a frequência de utilização, considerando um contexto mundial de “envelhecimento populacional”, o que faz com que os planos sejam mais acessados.
— Esse reajuste em grande medida acompanha a variação de custos médicos hospitalares que existem no setor. A inflação da saúde é maior do que a inflação de diversos setores da economia, não só no Brasil. Isso decorre muito por conta do envelhecimento populacional e da incorporação de novas tecnologias em um sistema que acaba remunerando pelo procedimento.
A falta de regulamentação dos planos coletivos acaba se transferindo para os contratos individuais, explica a pesquisadora do Idec, já que a ANS usa como parâmetro o reajuste médio dos planos coletivos (descartando os valores máximo e mínimo) para definir o teto de aumento dos acordos individuais. Para chegar ao percentual final de reajuste, a agência também incorpora uma estimativa de impacto sobre as operadoras após a atualização do rol de procedimentos obrigatórios.
— A gente não percebe isso como um bom mecanismo. Não há clareza se essas informações estão adequadas ou não. A ANS usa informações de um setor não regulado (coletivos) para definir os valores de um setor regulado (individuais). Essa solução não atende nenhum dos lados.
O Idec obteve na semana passada na Justiça Federal em São Paulo uma liminar que limitava o aumento dos planos individuais para 5,72% — dentro de uma ação que questiona a metodologia de reajustes da ANS —, mas a decisão foi cassada pelo TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região).
Procurada pelo R7, a Unimed-Rio afirma que o reajuste de “plano de saúde coletivo por adesão é calculado através de análise do índice financeiro (VCMH) e a sinistralidade do contrato, e aplicado de acordo com a negociação entres as partes contratantes”.
A Qualicorp diz que “a responsabilidade pela definição e aplicação do reajuste anual é exclusiva das operadoras de planos de saúde, dentro dos limites contratuais e legais”.
Já a Sulamérica disse que “os reajustes aplicados aos planos da companhia estão em conformidade com as regras estabelecidas pela ANS e os contratos firmados entre as partes”.
R7