Houve um tempo, não tão distante, em que Junior dos Santos reinou dentro do octógono, com uma técnica de boxe que os mais empolgados julgavam ser suficiente até para nocautear Wladimir Klitschko nas regras da nobre arte. Os anos se passaram e o ucraniano até se aposentou, caminho que passarei a desejar a “Cigano” se neste sábado ele mostrar contra o búlgaro Blagoy Ivanov as mesmas falhas recentes que lhe custaram três derrotas por nocaute nas últimas seis apresentações.
Não é que “Cigano” foi superestimado em um momento da carreira dele. O brasileiro, com méritos, conquistou o título dos pesos pesados do UFC (até 120,2 Kg) depois de quase varrer a divisão por completo. Vitórias dominantes, nocautes avassaladores e surras aplicadas em oponentes rechearam o cartel do ex-campeão, até Cain Velasquez expor, duas vezes em dez meses, uma tendência inconveniente.
Falemos de coisas boas antes. “Cigano” apresentava qualidades raras para atletas da categoria, como mobilidade e alternância nas alturas dos socos desferidos. Pode parecer muito básico, mas poucos competidores no MMA lembram que há mais alvos além da cabeça do adversário para acertar, em especial os lutadores que buscam o nocaute com as mãos – chutadores costumam a ter mais variedade.
O jogo de “Cigano” era tão simples quanto bonito. Golpes no corpo, com predileção pelo jab, minavam os adversários, que passavam a se tornar alvos estacionários e preocupados em evitar mais danos no local. Voilà! A cabeça ficava exposta para o soco nocauteador. Overhand contra Velasquez, upper contra Fabrício Werdum, direto contra Frank Mir, hook contra Gabriel “Napão”, enfim, nem da variedade dava para reclamar. Bons tempos. Lutar de guarda baixa era um risco calculado para defender entradas de quedas dos rivais, então não era esse o problema.
Aí veio Cain Velasquez, – uma vez vencido, mas não derrotado – e mostrou ao mundo que “Cigano” tinha uma falha fundamental: o recuo. Quando acuado, o lutador brasileiro andava para trás até encostar as costas na grade, o que fazia dele uma presa fácil. Mesmo quando venceu Mark Hunt e Stipe Miocic, o ex-campeão se colocou em situações de perigo por causa desse vício e é incerto que agora, aos 34 anos, ele consiga corrigi-lo.
Meu problema não é nem com a idade de “Cigano”, mas com a quantidade de dano absorvido por ele desde dezembro de 2012, quando sofreu a primeira das duas derrotas para Velasquez. Daniel Cormier já tem 39 anos, mas o campeão peso pesado e meio-pesado do Ultimate só foi nocauteado uma vez na carreira. O norte-americano comete o erro de andar em linha reta quando encurta a distância contra seus adversários, isso o torna suscetível a ser golpeado no corpo, mas não é uma falha que rendeu reveses por nocaute em um curto período.
Antes de tudo, é sempre bom lembrar que o mais importante é a escolha que cada um faz e se um indivíduo opta por fumar, consumir álcool ou fazer qualquer outra atividade danosa ao próprio corpo, paciência. Mas não vamos aqui fingir que trocar socos na cara com outra pessoa não seja um potencial fator de risco. Por mais que se façam exames, exista prevenção e acompanhamento médico, apanhar na cabeça faz mal à saúde. Como com um interruptor, não convém repetir o ato de apagar e acender o cérebro. Por isso, com pesar, vou torcer para “Cigano” se aposentar se ele for nocauteado de novo ou sofrer outra surra como aconteceu contra Velasquez. Também não gostaria de vê-lo servir de escada para adversários medianos ou jovens em ascensão na carreira.
Isso posto, o brasileiro terá, em tese, uma luta favorável no UFC Fight Night 133. Especialista em sambo, modalidade de combate russa, Ivanov tem boa variedade de quedas para aplicar, mas tem um preparo físico ruim e deve virar presa fácil se a luta passar do segundo round. Com bom histórico de defesa de quedas, “Cigano” precisa superar uma provável blitz inicial e depois controlar o ritmo do combate, com socos alternados no corpo e na cabeça do búlgaro.
É quase certo que Ivanov vai tentar pressionar o brasileiro contra a grade e buscar o clinch para aplicar a queda, por isso é importante que “Cigano” mostre movimentação lateral. Além disso, dois fundamentos básicos do boxe podem ser úteis. O primeiro é o pivô, que consiste em mudar a posição do corpo em 90º.
Outra alternativa que o brasileiro pode usar é o “punch and clutch”. No boxe, é muito mais fácil encurralar um adversário, porque a área é menor e há menos lados do que no octógono. Uma das táticas usadas por pugilistas acuados é o de atrair o oponente, lançar um direto com a mão de trás e buscar o clinch por uma fração pequena de tempo. Fedor Emelianenko usava essa tática no MMA para agarrar o rival e derrubá-lo, mas “Cigano” busca manter o combate em pé, prolongar o tempo agarrado favoreceria Ivanov.
R7