A cobradora de ônibus Mireya Soto passa por um drama na família por causa da suspensão do benefício LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social) do INSS. Mireya tem um filho de 12 anos, Ricardo, que foi diagnosticado com paralisia cerebral e, por isso, precisa de cuidados constantes.
Ricardo está sobre a tutoria legal da avó, Mariana Soto. Mariana é mãe de Mireya e dedica a rotina aos cuidados da criança, já que Mireya trabalha e não teria condições de levar Ricardo à escola e às consultas médicas frequentes.
A cobradora afirma que o benefício foi cancelado de uma hora para outra. “Em dezembro, o INSS mandou uma carta falando que iam fazer a revisão. No mesmo mês, simplesmente cortaram o benefício”, explica. Ricardo recebia o valor desde 2009, quando tinha três anos.
Segundo Mireya, o cancelamento está afetando muito a vida financeira da mãe. “Minha mãe que cuida dele. Minha mãe que faz tudo para ele”, afirma. A mãe do garoto diz que Mariana recebe ajuda das outras filhas e que ela própria manda dinheiro quando pode, mas que também tem contas a pagar. Na época, o benefício destinado a Ricardo era de um salário mínimo, ou seja, de R$ 954 mensais.
Para tentar resolver o problema, Mariana levou o menino à perícia. Um perito responsável por este tipo de caso também foi à casa da avó de Ricardo, para avaliar as condições em que ele vive e atestar a necessidade do benefício. O profissional determinou a necessidade do auxílio e o laudo foi enviado a Justiça.
“O papel está na mão do juiz, mas ele não vê”, desabafa, dizendo que os documentos foram entregues há cerca de três meses. Mireya diz que o filho e a mãe estão vivendo com base na ajuda de outras pessoas: “Só a gente sabe o que está sendo, a necessidade que está causando. Pede emprestado daqui, pede dali”.
A família não é a única que passa por este tipo de situação. Anderson Dias é aposentado por invalidez, mas perdeu o benefício depois de realizar uma perícia no INSS. Dias foi diagnosticado com hérnia de disco, bico de papagaio, artrose e outros problemas de saúde, que, segundo ele, o impedem de trabalhar por causa da dor intensa e constante.
“Me chamaram por causa do pente-fino e chegando na perícia nem olharam meus documentos. Me deram alta e disseram que meu benefício só ia durar julho”, conta. Segundo Dias, o benefício foi concedido via decisão judicial desde a primeira vez, já que o benefício foi recusado pelo INSS. Agora, Dias entrou na justiça para reaver o pagamento e já está com uma perícia judicial marcada.
Dias recebia cerca de R$ 2.000 do INSS pela aposentadoria por invalidez. “Eu sempre recebi alta lá [no INSS]. Sem contar a humilhação que a gente passava lá. Eles não olham o problema da coluna, olham para a aparência. Para mim foi assim. Eu saí chateado e muitas nervoso”, afirma.
Como sempre era negado no INSS, Dias chegou a voltar a trabalhar e quase desistiu do benefício. No entanto, correu atrás da Justiça, quando havia conseguido o benefício, em 2015. “Eu nunca gostei de me humilhar para ninguém. Eu contribuí quase 20 anos. Agora quando eu precisei do INSS eles sempre me rejeitaram, sempre me deram alta”, desabafa.
O governo divulgou, no dia 6 de julho deste ano, o cancelamento de R$ 9,6 bilhões em auxílios-doença e aposentadorias por invalidez, de quase 220 mil pessoas, ao intensificar o pente-fino para encontrar benefícios irregulares.
O Ministério do Desenvolvimento Social avalia que a economia deve chegar a R$ 15,7 bilhões com o impulso das perícias.O governo começou a utilizar o sistema do pente-fino para encontrar benefícios irregulares para serem suspensos.
Procurado pela reportagem do R7, o Ministério do Desenvolvimento Social informou que precisava de dados como nome completo, CPF e nome da mãe das partes envolvidas. Até o fechamento da reportagem, o ministério não enviou um posicionamento oficial.
Justiça sobrecarregada
O advogado André Giannini cuida dos casos de Ricardo e Anderson. Segundo ele, os cancelamentos desses benefícios são “absurdos”. “Sem falar que é um desrespeito contra os direitos humanos destas pessoas. Estamos falando de pessoas em situações de vulnerabilidade. O INSS faz o corte sem o devido analise”, afirma.
Giannini diz que está não é a primeira vez que este tipo de situação acontece, mas que o surpreendente é a demora do judiciário para resolver os casos. “Uma vez que o INSS cancela o benefício de uma pessoa que tem direito de receber, a pessoa procura o judiciário. Até pouco tempo, a gente via um judiciário mais atuante”, diz.
O profissional afirma que “há um abuso do INSS, uma sede de se cortar benefícios irregulares, mas o que não vem é que nessa busca estão cancelando regulares”. Giannini explica que muitas pessoas buscam o judiciário para conseguir reaver o benefício. “Quando o INSS faz o pente fino, vários benefícios são sendo cancelados. Muitas pessoas vão atrás do judiciário. Tem um acumulo de processos parecidos. A vara fica sobrecarregada”, comenta.
Por causa da sobrecarga, Giannini afirma que a expectativa é que os processos demorem de seis a oito meses para serem resolvidos.
O advogado previdenciário João Badari diz que a Justiça está sobrecarregada de processos deste tipo por causa dos cortes, já que as pessoas que têm o benefício cancelado tendem a ir para a Justiça. “O erro no INSS não é do perito. Os peritos são muito sérios. O erro é que é muita gente para pouco funcionário. É humanamente impossível”, afirma.
Segundo Badari, nos casos em que o benefício é cancelado e o segurado realmente deveria continuar recebendo, a via legal é a única para resolver o impasse. Normalmente é marcada uma perícia judicial, que atesta a necessidade ou não do benefício. Quando o juiz determina que o segurado deve receber, volta a receber os pagamentos mensais, além do valor retroativo pelo período que deixou de receber.
Badari afirma que esses cancelamentos são mais frequentes por causa do pente-fino. A prática foi implementada pelo governo federal na busca por benefícios pagos a pessoas que não se enquadram nas condições para receber os valores mensais.
R7