Um estudo feito pelo Observatório de Favelas, organização da sociedade civil que fica no Complexo da Maré, zona norte da cidade, demonstrou aumento de 50% do número de crianças entre 10 e 12 anos que entram na rede do tráfico de drogas. Segundo a pesquisa, em 2006, a faixa etária correspondia a 6,5% do total de jovens inseridos no tráfico. No ano passado, a participação deles subiu para 13%.
A faixa etária de 13 a 15 anos concentra o maior número de jovens inseridos no comércio ilegal de drogas, 54,4% dos entrevistados. Esse perfil já havia sido identificado em pesquisas anteriores.
O estudo dá conta ainda dos números sobre evasão escolar, que também têm relação com o ingresso no universo do tráfico. A maior parte dos entrevistados parou de estudar aos 15 ou 16 anos. Como justificativa para o abandono da escola, 40,4% afirmaram que foi para ganhar dinheiro para ajudar a família ou ainda para comprar bens de consumo.
A diretora do Observatório de Favelas, Raquel Willadino, reforçou que parte dos jovens tem ficado um tempo maior na escola, mas a questão financeira é a principal responsável pela evasão.
“Os espaços voltados para a formação profissional não são compatíveis com o perfil destes jovens, que geralmente têm baixa escolaridade. É necessária a flexibilização desses critérios para que os jovens tenham acesso a oportunidades de trabalho”, disse Raquel, uma das autoras da pesquisa.
De acordo com o levantamento, 78,2% dos entrevistados não vão à escola. Geralmente, as últimas séries frequentadas por esses jovens são a 5ª, a 6ª e a 7ª do ensino fundamental. Parte dos adolescentes, correspondente a 16,1%, até chega ao ensino médio, mas essa escolaridade não se materializa no ingresso no mercado do trabalho.
Sobre as motivações para entrar na rede do tráfico, as justificativas estão ligadas, em sua maioria, à situação econômica. “Ajudar a família” ocupa o primeiro lugar, com 62,1% das respostas, seguida pelo desejo de “ganhar muito dinheiro”, que corresponde a 47,5% das motivações.
Perfil
A pesquisa, que foi realizada entre maio do ano passado e abril de 2018, ouviu 150 jovens inseridos na rede do tráfico de drogas em favelas do Rio e 111 adolescentes do Departamento Geral de Ações Sócioeducativas (Degase) e, assim, traçou o perfil destas pessoas.
Jovens do sexo masculino representam a a maioria na pesquisa, com 96,2%. Eles se autodenominam negros ou pardos (72%) e, em sua maioria, foram criados apenas pela mãe (50,2%). O último dado se alinha com diversas pesquisas, como a do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2010, que aponta um aumento de famílias chefiadas por mulheres, passando de 22,2% em 2000 para 37,3% em 2010.
Algumas mudanças também foram notadas em comparação com pesquisas anteriores, como, por exemplo, a religião dos jovens. Cerca de 40% deles afirmaram que não têm religião, mas acreditam em Deus. Por outro lado, verificou-se o aumento dos evangélicos (31,1%). Já os católicos correspondem a 11,1%.
O estudo revelou também que, enquanto nas décadas de 1970 e 1980, havia forte representação de religiões afro-brasileiras nas comunidades populares, nesta pesquisa apenas 1,5% dos entrevistados afirmaram seguir religiões de matriz africana. O número pode ser reflexo do atual “acirramento de práticas de opressão e intolerância religiosa em diversas favelas dirigido às religiões de matriz africana”, conforme expõe a análise.
Outro dado identificado durante a pesquisa foi o aumento dos jovens que afirmam viver um relacionamento estável (70,2%), seja com esposas ou namoradas. Além disso, 45,5% já têm filhos, o que se torna mais um motivador para largar os estudos e ingressar no tráfico, visto que a justificativa de sustentar a família é muito usada por eles.
A pesquisa em questão foi desenvolvida pelo eixo de Segurança Pública e Direito à Vida do Observatório de Favelas e fala sobre as novas configurações das redes criminosas após a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), no Rio de Janeiro. O estudo busca oferecer subsídios para a construção de políticas e ações públicas que visem combater a lógica da guerra às drogas.
Agência Brasil