A maioria dos moradores qualifica Pacaraima como uma cidade pacata e receptiva com migrantes de qualquer origem. Fora das comunidades indígenas, é difícil achar um pacaraimense de nascimento. Moradores de diferentes cidades e histórias escolheram a sede do município pela tranquilidade do lugar, por razões familiares, pela oportunidade de empreender no comércio ou para atuar na área pública.
É o caso do professor Agamenon Santos, nascido no Maranhão, onde se formou em pedagogia, e morador de Pacaraima há 19 anos. Ele chegou à cidade para trabalhar na rede de ensino.
“Vim pra Pacaraima recém-formado. Sou professor concursado. Aqui construí minha família. O município me ofereceu oportunidades e eu vi a cidade crescer”, informou Agamenon, hoje secretário municipal de Educação.
Pároco da cidade, padre Jesus Lopes Fernandez Bobadilla vive há nove anos em Pacaraima. Por ser da Espanha, ele escolheu o local pela facilidade da língua, já que se fala muito espanhol no município.
“Pacaraima é uma cidade com gente muito boa, gente de bem. Não é uma cidade amaldiçoada pela violência como alguns dizem. É um povo trabalhador, um povo bom, uma cidade super tranquila e amena”, afirmou o padre.
Socorro Maria Lopes é natural de Manaus (AM) e também vive em Pacaraima desde 2009, atraída pela qualidade de vida. Desde que chegou, atuou no serviço público como secretária municipal de Assistência Social e assessora pedagógica na Secretaria de Educação.
Segunda ela, a cidade sempre foi muito tranquila. “Até três, quatro anos atrás a gente andava na cidade a qualquer hora. Podíamos sair de madrugadinha, caminhando e chegar tarde. Dormíamos com portas e janelas abertas”, acrescentou.
Os moradores também revelam que a relação com Santa Elena de Uairen, primeira cidade venezuelana depois da fronteira, sempre foi de parceria e dependência. A cidade vizinha é destino comum dos brasileiros para abastecer veículos com combustível mais barato e fazer compras de produtos importados com menos incidência de impostos.
“Pacaraima e Santa Elena sempre foram cidades que se ajudaram. Problema de crise lá se ajuda aqui. Problema aqui se ajuda lá. Era uma região de fronteira normal. São duas comunidades fortemente ligadas e costumavam se proteger e se resguardar. Era uma coisa só. A gente só via divisão quando passava pelas bandeiras da fronteira”, destacou Socorro Maria Lopes, formada em letras e línguas aplicadas.
Integração
De Santa Elena também saem muitos venezuelanos todos os dias para utilizar o comércio ou serviços públicos de Pacaraima, principalmente a educação. Na Escola Estadual Cícero Vieira Neto, a única de ensino médio em Pacaraima, de 900 alunos matriculados, 230 são venezuelanos. Muitos deles vivem em Santa Elena e cruzam diariamente a fronteira para estudar.
Mariangel Del Carmen Polido Carvajal, 16 anos, estuda em Pacaraima há um ano e meio. “Penso que a educação aqui é melhor que lá. O índice de estudo é mais alto, porque tem professores e um conteúdo mais avançado que nossa educação”, comentou a estudante.
Filha de um brasileiro com uma venezuelana, Gabriela Olinda Lima estuda em Pacaraima desde a creche e quer continuar no país. “Sempre morei em Santa Elena e estudei no Brasil. Provavelmente, vou estudar medicina em Boa Vista.”
Segundo o diretor administrativo da escola, coronel Júlio César, os alunos venezuelanos estão bem adaptados, porque essa relação existe há muito tempo. “Com exceção de alguns venezuelanos que chegaram agora com o fluxo migratório, a maioria está bem adaptada e fala bem o português. Não existe um choque cultural, porque essa adaptação não é de hoje.”
Diretora pedagógica da escola, Maria de Jesus disse que o atendimento a alunos estrangeiros ocorre desde que a escola foi inaugurada, em 2001. “As salas de aula são heterogêneas. A língua estrangeira da escola é o espanhol. Temos dois ônibus que fazem o transporte desses alunos. Eles são tratados de igual para igual, tanto que nunca tivemos conflitos dentro da escola”.
Muitos dos alunos venezuelanos não foram às aulas na última semana, depois da repercussão dos conflitos envolvendo brasileiros e imigrantes. A intenção da maioria dos alunos da Venezuela é construir a carreira no Brasil, pelo menos enquanto durar a crise no país vizinho.
Este é o desejo de Elian Eduardo Guadarismo, 16 anos. Sua família tem um restaurante em Santa Elena, mas o movimento caiu muito depois da crise venezuelana. Seus pais só não se mudaram ainda para o Brasil por medo do preconceito. Entretanto, Elian já está decidido a continuar por aqui. “Quero estudar direito no Brasil. Na Venezuela não tenho futuro”, concluiu o jovem.
Agência Brasil