Jamal Khashoggi, um conhecido jornalista do mundo árabe e crítico do governo da Arábia Saudita, entrou no consulado do país em Istambul na semana passada para coletar documentos e desde então não foi mais visto, em um episódio que tem provocado diversas reações político-diplomáticas e ameaça estremecer as relações dos sauditas com diversos países, incluindo os EUA.
A noiva de Khashoggi teme que ele tenha sido sequestrado ou morto.
As autoridades em Istambul, por sua vez, afirmam que ele foi assassinado por agentes sauditas e dizem ter provas disso. Já a Arábia Saudita insiste que ele deixou o consulado pouco depois de ter chegado.
Aqui está o que sabemos – e não sabemos – sobre o seu desaparecimento, e por que ele virou tema de debate global:
Quem é Jamal Khashoggi?
Khashoggi é um renomado jornalista que trabalhou em coberturas de grandes notícias para vários veículos de comunicação sauditas – incluindo entre elas a invasão soviética no Afeganistão e a ascensão de Osama Bin Laden.
Ele atuou como conselheiro de altos funcionários sauditas, mas depois caiu em desgraça com o governo.
Por isso, se autoexilou nos Estados Unidos no ano passado e escrevia uma coluna mensal no Washington Post, na qual criticava as políticas do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.
Em sua primeira coluna para o jornal, Khashoggi disse que temia ser preso em uma aparente repressão à dissidência supervisionada pelo príncipe desde que se tornara o primeiro na fila de sucessão ao pai, o rei Salman, no início daquele ano.
“As pessoas que estão sendo presas não são nem mesmo dissidentes, elas apenas têm uma mente independente”, disse ele ao programa Newshour, da BBC, três dias antes de desaparecer.
Por que ele estava no consulado?
O jornalista esteve no consulado saudita em Istambul pela primeira vez em 28 de setembro, para obter um documento certificando que havia se divorciado da ex-mulher, mas foi informado na ocasião de que teria que voltar outro dia.
Khashoggi marcou o retorno para 2 de outubro e chegou às 13h14 no horário local – o compromisso estava marcado para as 13h30.
Ele teria dito a amigos que havia sido tratado “muito cordialmente” em sua primeira visita e assegurou a eles que não enfrentaria qualquer problema.
Apesar disso, ele deu a sua noiva turca Hatice Cengiz dois telefones celulares e disse a ela que ligasse para um assessor do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan (que, segundo o New York Times, é amigo pessoal de Khashoggi), se ele não voltasse.
Hatice esperou por mais de 10 horas fora do consulado e retornou na manhã do dia seguinte, uma quarta-feira, e Khashoggi ainda não havia reaparecido.
O que a Turquia diz que aconteceu com ele?
Autoridades turcas dizem que Khashoggi foi torturado e morto nas dependências do consulado por uma equipe de agentes sauditas – e que depois teve seu corpo removido do local.
Elas afirmam ter provas disso em áudio e vídeo, segundo uma fonte ouvida pela BBC.
“Dá para escutar a voz dele (Khashoggi) e vozes de homens falando em árabe”, disse outra fonte ao jornal Washington Post. “É possível escutá-lo sendo interrogado, torturado e depois assassinado.”
Um alto funcionário disse ao New York Times, sob condição de anonimato, que Khashoggi foi morto duas horas após a sua chegada, em uma complexa operação em que depois teria sido esquartejado.
Movimentação
O jornal turco pró-governo Sabah disse ter identificado uma equipe de 15 agentes sauditas entrando e saindo de Istambul no dia do desaparecimento.
Um dos homens, Maher Mutreb, serviu como coronel da inteligência saudita e trabalhou na embaixada do país em Londres, segundo informações da BBC.
Nove dos agentes teriam chegado em um jato particular vindo da capital saudita, Riad, por volta das 03h15 do dia em que Khashoggi visitou o consulado.
O restante dos supostos agentes teria chegado mais tarde naquele dia em um segundo jato particular ou em voos comerciais. O grupo fez o check-in em dois hotéis próximos ao prédio do consulado.
Imagens do circuito interno de TV transmitidas pela televisão turca parecem mostrar grupos de homens sauditas entrando no país via aeroporto de Istambul e, em seguida, chegando aos hotéis. Também mostram veículos – incluindo vans pretas pretas consideradas centrais para as investigações – dirigindo-se ao consulado uma hora antes da visita de Khashoggi.
Uma das vans teria levado parte do grupo do consulado para a residência próxima do cônsul da Arábia Saudita, cerca de duas horas depois da chegada de Khashoggi.
O grupo então teria deixado o país nos dois jatos particulares que voaram para Riad, via Cairo e Dubai, de acordo com os investigadores.
Funcionários turcos na residência do cônsul também pareciam “com pressa” para ir embora no dia em que Khashoggi desapareceu, segundo o Sabah.
O Washington Post também informa que, antes da visita de Khashoggi, a inteligência dos EUA havia interceptado comunicações de autoridades da Arábia Saudita que discutiam um plano para capturá-lo.
O que aconteceu no dia do desaparecimento, hora a hora
Esta é a linha do tempo dos eventos que se desenrolaram em 2 de outubro, de acordo com a mídia turca.
03h28: O primeiro jato privado transportando supostos agentes sauditas chega ao aeroporto de Istambul.
05h05: O grupo é visto em dois hotéis próximos ao prédio do consulado saudita.
12h13: Vários veículos diplomáticos são filmados chegando ao consulado, supostamente carregando alguns dos agentes sauditas.
13h14: Khashoggi entra no prédio.
15h08: Os veículos deixam o consulado e são filmados chegando à residência do cônsul saudita, nas proximidades.
1715: Um segundo jato particular transportando várias supostas autoridades sauditas aterrissa em Istanbul.
17h33: A noiva de Khashoggi, Hatice Cengiz, é vista no circuito interno de TV esperando do lado de fora do consulado.
18h20: Um dos jatos particulares decola no aeroporto de Istambul. O último avião sai às 21h.
O que a Arábia Saudita diz?
O príncipe Mohammed disse à Bloomberg News na semana passada que seu governo estava “muito interessado em saber o que aconteceu” com Khashoggi e que o jornalista havia deixado o consulado “após alguns minutos ou uma hora”.
“Não temos nada a esconder”, acrescentou.
O irmão do príncipe Mohammed e embaixador da Arábia Saudita nos EUA, o príncipe Khaled bin Salman, insistiu que todos os relatos sobre o desaparecimento ou morte do jornalista “são completamente falsos e sem fundamento”.
O Ministério das Relações Exteriores do país disse que está “aberto à cooperação” e que uma busca no prédio do consulado pode ser realizada como parte da investigação.
A Turquia disse que vai realizar a busca, mas também pediu provas definitivas de que Khashoggi deixou o prédio.
O filho de Khashoggi disse à agência de notícias Al Arabiya, de propriedade saudita, que o desaparecimento de seu pai foi “politizado” por partidos estrangeiros.
“A questão é que há um cidadão saudita que está desaparecido”, disse ele.
Quais são as repercussões desse caso?
O desaparecimento e a suspeita de morte de Khashoggi têm provocado reações políticas e econômicas contra a Arábia Saudita e repercussões já são visíveis – ou temidas – pelo mundo.
O desempenho do mercado de ações de Riad, por exemplo, registrou sua maior queda em anos, no domingo, mas voltou a subir nesta segunda.
Outro reflexo do caso tem sido visto entre potenciais investidores.
Nomes de peso, como executivos da Ford, da Uber e do banco JP Morgan, cancelaram a participação em uma conferência que ocorrerá na cidade – em um movimento que tem sido relacionado ao desaparecimento do jornalista e à crescente tensão entre os EUA e a Arábia Saudita.
Uma página com a lista de palestrantes confirmados foi excluída do site do evento.
O Reino Unido e os EUA também estariam considerando boicotar a conferência, segundo informações apuradas pela BBC.
Mas os riscos à política externa vão muito além.
O presidente americano, Donald Trump, tem ameaçado a Arábia Saudita – que é sua aliada – com uma “punição severa” se Khashoggi tiver sido assassinado.
França, Alemanha e Reino Unido também se posicionaram sobre o caso, em uma declaração conjunta em que pedem ao governo saudita que ofereça uma prestação de contas completa e detalhada sobre o desaparecimento do jornalista, acrescentando que os possíveis culpados devem ser responsabilizados.
Segundo reportagem publicada no jornal britânico Guardian, a Arábia Saudita afirmou que vai retaliar eventuais sanções de que for alvo.
“O reino afirma a sua total rejeição a quaisquer ameaças e tentativas de prejudicá-lo, seja com sanções econômicas, pressão política ou pela repetição de falsas acusações”, disse o governo em nota publicada pelo jornal. “O reino também afirma que se for alvo de qualquer ação, responderá com uma ação ainda mais incisiva.”
A declaração também ressalta que o reino, rico em petróleo, “desempenha um papel efetivo e vital na economia mundial”.
Nesta segunda-feira, os preços do petróleo subiram devido a preocupações com o suprimento da matéria-prima, uma vez que a Arábia Saudita é o maior exportador mundial de petróleo e o peso de suas reservas lhe rende uma enorme influência global – com potencial para elevar os preços, o que afetaria diversas economias.
R7