Foram quase duas semanas de protestos violentos dos chamados “coletes amarelos” — vestimenta adotada pelos manifestantes, que faz parte dos equipamentos de segurança obrigatórios nos carros franceses.
O movimento bloqueou estradas, rotatórias e outros pontos-chave na circulação das grandes cidades na França e resultou na morte de uma pessoa, que foi atropelada, e mais de 200 feridos.
Nesta terça-feira (26), Macron veio a público assumir a crise e dizer que o governo pretende consultar associações e organizações ativistas a cada três meses, antes de revisar os preços dos combustíveis no país.
Mas para Yann Duzert, professor de Negociação e Resolução de Conflitos da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o discurso não deve bastar para conter os ânimos do movimento. O presidente precisa, de fato, se colocar mais próximo da população em questões que vão muito além dos protestos recentes.
“Macron é alguém que fica muito na torre dele e não ouve os franceses. Ele precisa entender que, nas negociações modernas, não basta alinhar dinheiro e interesses. É preciso também reconhecer identidades”, diz.
Em prol do ambiente
Na França, o aumento no valor do combustível faz parte de uma série de medidas anunciadas por Macron para incentivar o uso de carros que poluam menos o meio ambiente.
Em pronunciamentos após as manifestações, entretanto, o presidente não deu sinais de que reverterá a política de preços — apenas propôs um “debate nacional sobre a transição ecológica” e sinalizou a disposição de suavizar o impacto para motoristas de baixa renda.
“Ele poderia dar mais incentivos fiscais em vez de subir custos para os menos favorecidos que, muitas vezes, não podem se dar ao luxo de escolher um meio de transporte diferente — há trabalhadores que moram na zona rural e precisam de um carro para se dirigir ao serviço. Algumas soluções seriam os incentivos à compra de carros elétricos, incentivos fiscais para o transporte coletivo ou para pessoas que compartilham um mesmo veículo para ir trabalhar”, aponta Duzert.
Popularidade em queda
Independentemente das medidas a serem anunciadas pelo presidente para conter a crise, Macron ainda tem pela frente a difícil missão de recuperar a aprovação dos franceses.
No último levantamento do IFOP (Instituto Francês de Opinião Pública), publicado no início de novembro, somente 25% dos entrevistados disseram estar satisfeitos com o presidente — uma queda considerável em relação aos 29% de outubro.
Na opinião de Duzert, o líder comprometeu sua popularidade já em 2017, ao anunciar a redução dos impostos sobre fortunas, e depois no início de 2018, com o aumento na contribuição social generalizada — tipo de imposto pago pelos aposentados.
“Houve uma diminuição de poder de compra dos aposentados e da classe média e o Macron passou a impressão de ser ‘o presidente dos ricos’”, completa o professor.
A brasileira Alessandra Bourlé, que é professora de Civilização Brasileira e Língua Portuguesa na Universidade do Havre e mora na França há 13 anos, concorda que o estilo de liderar de Macron é alvo de questionamentos por boa parte dos franceses.
“O Macron vem de um partido — o Em Marcha! — que não é tradicional, de esquerda ou de direita. Isso fez com que as pessoas ficassem com uma sensação de não saberem para onde se está indo. Todos se perguntam de que lado ele está.”
Redes sociais e insatisfação generalizada
Com tantas dúvidas, não é de se espantar que a insatisfação generalizada tenha se tornado também pauta dos “coletes amarelos”.
“Começou, de fato, com o preço dos combustíveis, mas em seguida a manifestação tomou forma maior e eles começaram a colocar na mesa todos os problemas que dizem respeito à sociedade francesa: denunciam perda do poder aquisitivo e especialmente o aumento dos impostos, já que a França é um dos países com maiores encargos tributários da Europa”, detalha Alessandra Bourlé.
Na organização dos protestos, as redes sociais desempenharam papel imprescindível — da mesma forma como ocorreu na Primavera Árabe em 2010 e mais recentemente no Brasil, durante a greve dos caminhoneiros.
“É um movimento que não tem partido, que surfou em uma onda de rejeição ao governo e ninguém sabe exatamente como surgiu, sem uma liderança estabelecida. Ainda assim, conseguiram se organizar na França inteira e realmente bloquear o país”, acrescenta a professora.
Apesar do aceno de Macron nesta terça-feira, a mídia local e os especialistas acreditam que a tensão deve se arrastar pelos próximos dias.
“A dúvida é como Macron vai conseguir dialogar com este grupo que não tem um representante e, ao mesmo tempo, vem se mostrando bastante violento”, conclui Alesssandra.
R7