Com a aparentemente simples análise de fezes, pesquisadores brasileiros descobriram que a presença de 16 bactérias na microbiota intestinal pode indicar a presença de câncer colorretal em estágio inicial.
Para chegar ao resultado, os cientistas usaram 969 amostras fecais de bancos de dados internacionais, tanto de pessoas saudáveis quanto de indivíduos com câncer. Com essa informação em mãos, desenvolveram modelos -alimentando computadores com grandes bases de dados para que eles encontrassem padrões- que buscavam diferenciar as amostras normais das problemáticas.
Resultado: os modelos tiveram um nível de acerto superior a 80%.
Segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer), o câncer colorretal é o segundo tipo de câncer mais frequente entre as mulheres e o terceiro entre os homens. Têm maiores chances de desenvolver a doença pessoas a partir dos 50 anos, com histórico familiar desse câncer, com doenças inflamatórias de intestino -como doença de Crohn-, e com histórico de tabagismo e consumo de álcool.
Por motivos ainda não totalmente claros, os casos desse câncer têm apresentado crescimento entre jovens.
Hoje, o diagnóstico já inclui a análise das fezes das pessoas, mas em busca de sangue oculto. O exame é barato e relativamente simples, mas em caso de anormalidade geralmente é indicado também o exame de colonoscopia, mais caro e invasivo.
Andrew Thomas, especialista em bioinformática da USP e um dos responsáveis pela pesquisa, diz que o modelo desenvolvido por sua equipe não deve substituir formas atuais de diagnóstico, mas, sim, ser um aliado ao exame de sangue oculto. Testado dessa forma no estudo, a técnica aumentou a detecção de câncer.
A ideia de usar a microbiota para tentar detectar câncer não é nova, mas as pesquisas costumam olhar para um único banco de dados. Já o estudo, que foi publicado na revista científica Nature Medicine nesta segunda (1º), combina diferentes pesquisas para chegar a essa detecção.
“Certamente esse é o estudo mais amplo do mundo nesse sentido”, diz Emmanuel Dias-Neto, cientista do A.C.Camargo Cancer Center e um dos autores.
Segundo Thomas, a capacidade de o modelo criado detectar a doença em diferentes populações com dietas e estilos de vida diferentes, chamou a atenção dos pesquisadores.
Isso é relevante porque o câncer colorretal está ligado a esses dois fatores. Diversos estudos têm relacionado a doença a um consumo maior de carnes vermelhas e embutidos. Pesquisas também têm demonstrado que dietas ricas em vegetais, frutas e grãos, além de atividade física, são associadas a menores taxas desse tipo de câncer.
O fato de o estudo ter conseguido identificar o câncer a partir de bancos de dados coletados por grupos de pesquisadores de países com costumes totalmente distintos, como Alemanha e Japão, demonstra a a força do modelo criado.
“Cada grupo utiliza um determinado método de extração de DNA [dos micro-organismos do intestino, permitindo a identificação dos que estão presentes], o que pode produzir um viés”, diz Dias-Neto. “A pesquisa mostrou que, mesmo com eventuais vieses desse tipo, 16 bactérias diferentes são consistentemente associadas a pacientes com câncer.”
O pesquisador do A.C.Camargo afirma, contudo, que o próprio estudo tem um viés para países desenvolvidos, e, dessa forma, precisa ainda de replicação em outras regiões com dietas diversas, como o Brasil.
Outro achado curioso da pesquisa foi a maior presença de espécies de bactérias da boca no intestino dos pacientes com câncer colorretal. “Algum mecanismo faz com que essas bactérias consigam chegar mais facilmente e se manter no intestino dessas pessoas”, diz Thomas. “Abrimos algumas avenidas para outras pessoas investigarem isso mais a fundo.”
Uma hipótese que poderia explicar isso, afirma Dias-Neto, são dietas com muita gordura e carne e posterior consumo de medicamentos, como o popular Omeprazol e outros inibidores de bombas de prótons, para alívio estomacal. A prática eleva o pH estomacal e poderia permitir o trânsito e colonização das bactérias.
Além do potencial de diagnóstico, o modelo apresentado poderia também ajudar na prevenção do câncer colorretal. Se essas bactérias começarem a aparecer no exame, seria possível intervir para tentar mudar a microbiota, diz Dias-Neto.
O uso de prebióticos e a realização de transplante de fezes podem ser opções para normalizar a microbiota da pessoa.
“Isso tudo culmina em uma discussão global de excesso de consumo de carne, que está matando o planeta de diversas maneiras”, afirma o pesquisador do A.C. Camargo.
Bahia Notícias