A reunião da Aliança Latino-Americana Anticontrabando 2019, realizada em San José, na Costa Rica, foi sacodida por um número e um percentual: o contrabando, em todas as suas formas, versões e ofertas, movimenta US$ 210 bilhões por ano na América Latina, o que corresponde a 2% do PIB de todos os países da região.
No câmbio desta quinta-feira 16, são R$ 850,5 bilhões, equivalentes, por exemplo, a 85,5% do trilhão de reais definido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como mínimo de poupança necessária na reforma da Previdência para permitir a adoção do regime de capitalização.
Para se ter uma dimensão do tamanho do problema, o valor anual movimentado pelo contrabando em toda a Europa está estimado em 95 bilhões de dólares (R$ 384,8 bilhões), ou seja, menos da metade do latino-americano.
As principais indústrias afetadas são as de tabaco, siderurgia, metalomecânica, aço, licores, segurança cibernética, medicamentos, cosméticos, plásticos, calçados, têxteis e confecções.
Os cigarros são a principal mercadoria desse comércio ilegal. “Eles representam 67%, ou dois terços, de todas as apreensões de produtos contrabandeados no Brasil”, contabiliza o presidente do Instituto Brasileiro de Ética Competitiva (ETCO), Edson Vismona. “Os líderes de mercado são os vindos ilegalmente do Paraguai. Estamos entregando o mercado de bandeja aos contrabandistas”, lamenta ele.
No sentido inverso, cosméticos fabricados no Brasil são vendidos em lojas paraguaias por 50% dos preços praticados por aqui. Em muitos casos, por menos.
Os dados e estatísticas exibem uma situação grave. No Brasil, 54% do cigarro fumado – mais da metade do total – é ilegal. No Chile chega a 24%, no Peru a 14%, na Argentina a 12% e no Panamá a incríveis 70%, ou sete em cada dez. Em todo o mundo, 11% dos 450 bilhões de cigarros tragados anualmente chegam à boca e aos pulmões dos fumantes por meio do contrabando.
A atividade cresce e se fortalece aqui e na América Latina sobre quatro pilares básicos: preços altamente competitivos, corrupção, fiscalização deficiente e pouca punição. Em todos os pontos do mundo, consumidores procuram o menor preço nas compras. É uma busca legítima. Nos países pobres ou tomados por crises econômicas, casos do Brasil e de boa parte dos países latino-americanos, ela é ainda mais acentuada. Nesse contexto, os consumidores fragilizados deixam-se seduzir pelos produtos ilegais com rapidez e facilidade muito maiores.
Não bastasse, as punições são pequenas ou quase nulas na região. No Paraguai, é contravenção, e não crime. No Brasil, a pena vai de dois a cinco anos de prisão, mas na suprema maioria dos casos o condenado é solto em poucos meses – isso quando há julgamento. Está criado o cenário perfeito para a atividade se alastrar.
Nas grandes cidades brasileiras, compra-se dois ou até três maços de cigarro contrabandeado com o valor de um equivalente legal. Na falsificação de medicamentos, a situação é mais grave. Os casos se dividem entre os que trazem pouca ou mesmo nenhuma quantidade do ingrediente ativo anunciado na embalagem. Pela segurança da saúde, o setor de remédios é um dos únicos em que o consumidor adepto de contrabandeados reluta em comprar.
Para abastecer esse mercado amplo, os contrabandistas se aproveitam de fronteiras mal supervisionadas e de agentes, sistemas e até autoridades corruptas na área de fiscalização – duas características historicamente relacionadas a países latino-americanos. Não por acaso, o contrabando na América Latina é 2,2 vezes maior do que o realizado em solo europeu.
“O mais difícil no Brasil é combater a prática em nossos limites de território. Temos sete fronteiras triplas. A mais estratégica delas é a com o Paraguai e a Argentina. Não há dúvida de que a situação é desafiadora. Requer união urgente de esforços” acrescenta Vismona
Grande volume de dinheiro, penas baixas, relativa facilidade de atuação e milhões de consumidores de braços abertos geraram na América Latina um fenômeno previsível: a atração do crime organizado e da milícia para a atividade.
A Polícia Federal tem levantamentos que confirmam a participação de lideranças do Comando Vermelho e do Primeiro Comando da Capital, o PCC, no contrabando de cigarros paraguaios. Em grande parte dos morros e comunidades do Rio de Janeiro controladas por milícias, é proibido vender cigarro legal. Apenas os contrabandeados, fornecidos com a participação da milícia, são liberadosa comerciantes, camelôs e vendedores de rua. Grupos do crime organizado entraram no negócio também em El Salvador, Honduras e Guatemala.
Uma boa medida de combate ao contrabando é criar observatórios para monitorar o comércio ilícito, nos moldes de alguns existentes no Chile e na Costa Rica. No Brasil, o ministro da Justiça, Sergio Moro, anunciou, dias atrás, a formação de um grupo de trabalho para estudar a criação de centros integrados de operações nas fronteiras. A primeira cidade escolhida para receber uma dessas instalações é Foz do Iguaçu, no Paraná. A unidade será modelo teste de referência para a montagem em outras regiões do País.
R7