Com o fim do presidencialismo de coalizão, representado pela eleição de Jair Bolsonaro (PSL), as votações na Câmara dos Deputados têm sido marcadas pela clivagem ideológica: direita de um lado, esquerda de outro.
É a primeira vez que isso acontece desde 2003, segundo análise feita com dados do Basômetro, ferramenta do jornal O Estado de S. Paulo que mede o governismo de partidos e parlamentares.
Nos governos do PT, tanto Luiz Inácio Lula da Silva quanto Dilma Rousseff cooptaram partidos de centro-direita com a distribuição de ministérios e outros cargos. Como contrapartida, essas legendas apoiavam projetos de interesse do Executivo no Congresso.
Nos cinco primeiros meses do segundo mandato de Lula, por exemplo, partidos de perfil conservador como PMDB, PTB e PP tiveram taxa de governismo superior a 90%, desempenho similar ao de legendas mais à esquerda, como PSB e PDT.
O governismo foi medido a partir dos dados que alimentam o Basômetro, ferramenta criada pelo Estadão Dados em 2012 e relançada no último domingo (9), em parceria com a equipe de infografia. A base de dados registra tudo o que aconteceu no plenário da Câmara desde 2003: 844 mil votos de 1.811 deputados em 2.427 votações.
Mesmo no período em que Michel Temer (MDB) governou, após o impeachment de Dilma, as linhas ideológicas da Câmara ficaram difusas. Nos primeiros cinco meses de Temer, por exemplo, PT e PSDB não tiveram padrões de comportamento muito diferentes — os partidos votaram 61% e 65% das vezes com o Palácio do Planalto.
Bolsonaro qualifica o modelo do presidencialismo de coalizão como “velha política”, e afirma que não dará ministérios em troca de votos. Mesmo sem pertencer formalmente à base, porém, os partidos cujo viés ideológico vai do centro à direita têm votado de forma parecida, com alta taxa de apoio ao governo.
Bolsonaro conta com 13 legendas que lhe dão mais de 90% dos votos alinhados com o que orienta. O PSL, partido do presidente, vota totalmente de acordo com o governo quando é orientado a fazê-lo. O Novo, alinhado com a política econômica, deu 99% dos votos segundo a orientação. Também estão na lista dos mais fiéis DEM, Progressistas, MDB e PL.
No polo oposto está um bloco formado por PSOL, PT, PCdoB, PDT e PSB. O PSOL é o partido que menos concordou com as indicações do governo: votou com ele em apenas 9% das ocasiões. No caso de PCdoB e PT as taxas foram de 11% e 12%.
O cientista político Rodrigo Prando, do Mackenzie, identifica como uma reação natural o fato de a esquerda ser contrária às pautas governistas, já que sofreu ataques na campanha eleitoral e no início do governo. “Bolsonaro foi o candidato anti-esquerda, antilulismo, antipetismo”, afirma. “Certamente haveria uma frente, uma reação ainda que não unificada.”
Do outro lado do espectro, o pesquisador do Mackenzie entende que partidos como Novo e DEM têm sido favoráveis a pautas do governo apenas na economia. “Dentre esses que estão votando a favor, não é porque gostam do Bolsonaro, mas porque entendem como essencial a reforma da Previdência, a liberdade econômica, a redução do Estado. Já é algo que eles queriam implantar.”
Segundo o professor, o apoio deve flutuar conforme as pautas interessem aos partidos. “Não é um apoio unânime, é específico. Vários serão contrários, por exemplo, à questão da liberação das armas, da cadeirinha, das pautas ambientais que o governo tem defendido.”
Para o professor de filosofia da FAAP Luiz Bueno, a ideologia se faz mais presente nos votos dos partidos de esquerda do que nos que apoiam o governo. “No caso de partidos como DEM, MDB, PP, há um histórico de ser mais governista”, diz.
Apesar de a Câmara ter uma taxa de governismo de 76% na gestão Bolsonaro, próxima à media histórica desde 2003, o presidente não tem boa relação com o Legislativo.
A taxa se baseia apenas nas votações em que o Planalto orientou a base a votar de determinada forma. No entanto, o Estado mostrou ontem, também com base no Basômetro, que o governo abriu mão de orientar o voto dos aliados em 31% das votações.
R7