O presidente Jair Bolsonaro fará sua estreia num dos mais importantes eventos internacionais, a reunião do G20 – grupo que reúne os líderes das 20 maiores economias do mundo.
A conferência em Osaka, no Japão, oferece um palco privilegiado para o governo brasileiro levar sua mensagem e, com isso, ganhar (ou perder) prestígio e influência internacional.
Mas que ideias Bolsonaro vai promover nos dias 28 e 29 de junho?
Num artigo para o livro G20 Japan: The 2019 Osaka Summit, lançado nesta quarta (19), o presidente detalha os tópicos que pretende abordar. A publicação foi organizada pelo professor John Kirton, diretor do grupo de pesquisa sobre o G20 da Universidade de Toronto.
Bolsonaro abre o artigo com uma crítica genérica às gestões anteriores e a promessa de “resguardar tradições e valores morais” do Brasil. “Um novo Brasil estará em Osaka para participar do G20. Deixamos para trás um período de Estado inchado, ineficiente, corrupto e permissivo com a violência”, diz.
“No lugar disso, estamos construindo a sólida fundação de um governo enxuto, formado por especialistas focados em equilibrar as contas públicas, restaurar o império das leis, e resguardar as tradições e valores morais do nosso povo.”
No texto, o presidente indica que vai focar sua participação no G20 em quatro questões: defesa do livre comércio; reforma da Previdência; combate à corrupção; e defesa da redução do protecionismo de países ricos na agropecuária.
Para o autor do livro sobre o G20, enquanto o presidente brasileiro deve ser alvo de críticas dos demais líderes por sua postura em relação ao meio-ambiente, ele possivelmente será ouvido com atenção nas discussões sobre Previdência, livre comércio e combate à corrupção.
“Será no G20 a verdadeira grande estreia de Bolsonaro no palco internacional, então, o mundo estará interessado em saber quem ele realmente é”, disse Kirton à BBC News Brasil.
“Eles (países do G20) sabem da retórica provocativa de Bolsonaro, num estilo semelhante ao de (Donald) Trump. Mas querem saber quais são suas reais posições e ideias agora que ele está à frente do governo. E coincidiu de algumas agendas domésticas de Bolsonaro serem tópicos de discussão nesse encontro do G20.”
Reforma da Previdência
A reforma da Previdência que o governo tenta aprovar no Congresso Nacional deve ser central nos discursos de Bolsonaro no G20.
“Após anos de discussões mal-sucedidas, apresentamos uma reforma abrangente do nosso sistema de seguridade social”, afirma o presidente, no artigo.
“A estimativa é cortar mais de US$ 250 bilhões em gastos nos próximos 10 anos, protegendo os pobres e combatendo privilégios”, completa.
Pode parecer um assunto doméstico, mas a proposta em discussão no Brasil é de interesse internacional. Isso porque diversos países, principalmente os desenvolvidos, sofrem no momento com o rápido envelhecimento de suas populações e, como consequência, com a perda de mão-de-obra.
É o caso das principais nações europeias e do próprio Japão.
Se o Brasil conseguir aprovar uma reforma eficaz, diz o professor Kirton, pode vir a ser visto como modelo nesse setor, ganhando voz internacionalmente. E há interesse por parte dos países ricos em ouvir as propostas e estratégias adotadas pelo governo para que isso aconteça.
Evidentemente, a aprovação do projeto no Congresso brasileiro encontra empecilhos – o texto enviado pelo governo é alvo de críticas de alguns setores e tende a ser esvaziado por alterações no Legislativo, o que produziria uma economia menor do que a prevista para os gastos públicos.
Mas, diante dos líderes do G20, Bolsonaro deve carregar no otimismo ao fazer seu pronunciamento.
“O que ele pode fazer é levar a mensagem do ‘seu Brasil’ para o G20 dizendo que está adotando ações, em casa, para solucionar alguns dos grandes problemas que todos os demais países enfrentam”, diz Kirton.
“Ele dirá que a reforma da Previdência vai ajudar a controlar o déficit fiscal e a proteger a população que está envelhecendo. Essa é uma mensagem importante para o Japão, a China e países europeus que estão sofrendo com o envelhecimento de suas populações.”
Livre comércio
Segundo o professor Kirton, a reunião do G20 deverá ser palco de uma disputa entre a defesa do livre comércio e a defesa da necessidade de proteção de setores econômicos.
Diante da guerra comercial travada entre Estados Unidos e China, a discussão sobre protecionismo x livre mercado será o grande foco do encontro entre os líderes das 20 maiores economias.
Desde março do ano passado, os governos de Donald Trump e de Xi Jinping travam uma disputa baseada em aumentos de tarifas sobre importação de produtos americanos e chineses, e retaliações a empresas dos dois países – práticas que contrariam as regras da livre concorrência defendidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
No seu artigo, Bolsonaro indica que se juntará às vozes que defendem as regras de livre comércio, embora tenha se aproximado fortemente do governo Trump nos primeiros seis meses de governo e, internamente, dado sinais de que pretende controlar preços da Petrobras.
“Estamos resgatando a vocação de livre concorrência do Mercosul e vamos priorizar negociações que já estejam em estágio avançado, como a negociação com a União Europeia e o Canadá”, diz, acrescentando que iniciará negociações de comércio com Cingapura, Nova Zelândia e Estados Unidos.
De fato, segundo fontes do governo, há uma reunião bilateral prevista para ocorrer em Osaka entre Bolsonaro e o primeiro-ministro de Cingapura, Lee Hsien Loong. No entanto, apesar de dar o tom de que as negociações com a União Europeia caminham bem, as últimas conversas sobre um acordo fracassaram.
Integrantes do bloco europeu, principalmente a França, disseram que não assinarão um entendimento com países que não compartilham dos valores do Acordo de Paris – uma clara referência à postura de ceticismo do governo Bolsonaro em relação ao aquecimento global e a necessidade de preservar a Floresta Amazônica.
No artigo, Bolsonaro também reforça a intenção do Brasil de integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, ao abordar esse ponto, volta a se dizer comprometido com o livre comércio.
A OCDE é formada por um seleto grupo de países, a maioria desenvolvidos e com grandes economias. Fazer parte dessa organização funciona como uma espécie de chancela de credibilidade internacional e de boas práticas comerciais.
“Com a mesma determinação, desejamos nos juntar à OCDE, sem atraso. Só temos a ganhar em adotar as melhores práticas internacionais e trocas com outros países abertos ao comércio e ao fluxo de investimentos.”
Recentemente, o Brasil obteve seu primeiro “ganho” com a aproximação entre Bolsonaro e Trump, quando os EUA se posicionaram formalmente a favor da entrada do Brasil na OCDE.
No entanto, segundo Kirton, para obter o apoio de países europeus, o governo Bolsonaro terá que se mostrar mais comprometido com o meio-ambiente.
De acordo com o professor canadense, o cancelamento, por Bolsonaro, de uma reunião regional das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que seria realizada em agosto em Salvador, na Bahia, foi recebido pela comunidade internacional como sinal de que o Brasil não está comprometido com o combate ao aquecimento global.
“O Brasil quer entrar na OCDE e praticamente todos os países que integram o grupo, com exceção dos Estados Unidos, acreditam numa solução multilateral liderada pela ONU para controlar as mudanças climáticas”, destaca Kirton.
“Se o Brasil quer avançar no seu desejo de fazer parte da OCDE, vai ter que adotar uma posição mais respeitável sobre mudanças climáticas, o que Bolsonaro não tem feito até agora.”
Protecionismo na agricultura
Durante o G20, Bolsonaro deverá fazer um pedido específico aos países ricos: que sejam discutidas regras internacionais mais duras para coibir a adoção de medidas protecionistas na área de agricultura.
Segundo ele, subsídios agrícolas adotados nos últimos anos geraram “empecilhos” para o progresso de países em desenvolvimento.
Não se trata de uma mensagem nova. O mesmo pleito foi feito com vigor, mas sem grandes resultados, durante os oito anos de governo Luiz Inácio Lula da Silva, em diferentes reuniões do G20.
Nos últimos anos, União Europeia e Estados Unidos têm adotado uma série de subsídios para proteger a produção local de alimentos contra importações de commodities mais baratas vindas de países em desenvolvimento, como o Brasil.
Há anos, o governo brasileiro advoga por regras mais duras contra práticas protecionistas na agricultura e já entrou em disputas na OMC contra subsídios concedidos por União Europeia e EUA a produtos agrícolas, como algodão.
“O sistema multilateral de comércio precisa ser reformado para cumprir o seu objetivo original de abrir mercados e promover o desenvolvimento de seus Estados-membros”, afirma Bolsonaro.
“Inaceitáveis diferenças entre as regras sobre produtos agropecuários e produtos industriais têm criado persistentes distorções no comércio de alimentos, prejudicando o progresso de vários países em desenvolvimento.”
Corrupção
Segundo Kirton, outro tópico relevante do G20 será o combate à corrupção, especialmente a adoção de medidas internacionais para impedir lavagem de dinheiro e prática de pagamentos de propina em contratos de multinacionais.
Por causa da Operação Lava Jato, Bolsonaro deve ser um dos líderes com destaque nessa discussão, segundo o professor.
Em seu artigo para o G20, Bolsonaro cita o “pacote anticrime” apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, ao Congresso como exemplo do comprometimento do governo no combate à violência e à corrupção.
“Apresentamos um pacote anticrime que ataca a impunidade que induziu por tanto tempo a corrupção e o crime no nosso país”, diz.
Segundo o presidente, essa proposta, em conjunto com uma futura reforma no sistema tributário, tem o objetivo de “virar a página da decadência política, econômica e moral que dominou o Brasil”.
Não está claro, porém, de que forma as reportagens do site The Intercept que mostram o atual ministro sugerindo estratégias de atuação ao Ministério Público quando ainda era juiz podem ter abalado a imagem da Lava Jato no exterior.
R7