Dados obtidos pelo R7 por meio do Itamaraty revelam que três em cada dez brasileiros presos na Espanha têm ligação com drogas. Segundo o órgão, dos 343 brasileiros que se encontravam presos no país europeu até o final de 2018, 107 — ou 31,1% — cumpriam pena por narcotráfico e posse de drogas, sendo essas as causas mais recorrentes para as detenções.
O Ministério das Relações Exteriores afirma não ter compilado, ainda, os índices referentes a 2019 — aos quais deve se somar a prisão do sargento Manoel Silva Rodrigues, pego com 39 quilos de cocaína pela Guarda Civil espanhola ao chegar no aeroporto de Sevilha em um voo da FAB (Força Aérea Brasileira) com a comitiva do presidente Jair Bolsonaro, no último 25 de junho.
Assim como ocorre hoje com Silva Rodrigues, a maioria dos brasileiros sentenciados por narcotráfico e posse de drogas — 61 de 107 — se concentrava, em 2018, em províncias sob jurisdição do consulado-geral do Brasil em Madri. Os outros 46 se encontravam em áreas sob jurisdição do consulado-geral do Brasil em Barcelona, segundo o Itamaraty.
As detenções de brasileiros por tráfico e posse de drogas no ano passado foram seguidas pelas prisões por crimes contra a pessoa, como homicídio (14), crimes contra o patrimônio (5) e crimes sexuais (2). Sobre as sentenças de 85 dos brasileiros que estavam cumprindo pena, não há informações exatas. Outros 130 se encontravam em prisão preventiva.
O levantamento do Ministério das Relações Exteriores revela ainda que o total de brasileiros presos na Espanha em 2018 subiu 17% em relação aos 293 de 2017. De 2016 para 2017, havia sido registrada uma pequena queda de 4,8% (um total de 308 baixou para 293).
Na Espanha, 107 brasileiros cumpriam pena por narcotráfico e posse de drogas em 2018
Arte R7
O Brasil como país de trânsito para o tráfico
A proporção considerável de brasileiros presos na Espanha por narcotráfico e posse de drogas pode se explicar pelo fato de que o Brasil é um importante país de trânsito dos entorpecentes que vão da América do Sul para a Europa — especialmente a cocaína.
“O primeiro fator que contribui para isso é a presença de organizações criminosas no Brasil que estão em contato com organizações criminosas nos países produtores de cocaína — como a Colômbia e a Bolívia”, afirma Laurent Laniel, analista científico no Centro Europeu de Monitorização das Drogas e da Toxicodependência (EMCDDA, na sigla em inglês).
“No Brasil, essas organizações têm condições tanto de comprar a cocaína dos países produtores e exportá-la para o seu próprio lucro, como oferecer o serviço de transporte da droga comprada por europeus diretamente dos países produtores — facilitando o trâmite desde a fronteira com Colômbia e Bolívia até os portos na Europa. Durante o processo, o crime organizado lança mão de ferramentas bastante conhecidas — como a corrupção de policiais”, acrescenta o especialista, em entrevista ao R7.
Dos contêineres aos aviões
Mais comuns que o caso do sargento Manoel Silva Rodrigues — que escondeu a droga em uma mala e embarcou em um avião — são os episódios de transporte de cocaína do Brasil para a Europa por via marítima.
“Brasil e Europa desenvolveram as trocas comerciais nos últimos anos e as mercadorias viajam, principalmente, em navios. São milhares de contêineres circulando pelo oceano todos os anos — e os traficantes aproveitam para esconder as drogas nessas embarcações”, resume Laniel.
O porto de Santos, no litoral paulista, já foi um importante local de despacho da droga para a Europa. Nos últimos anos, entretanto, as redes de tráfico têm diversificado os lugares de operação. “Como o porto de Santos é o maior da América Latina, se tornou muito visado, o policiamento foi reforçado. O tráfico realocou suas operações para locais como o porto de Natal, no Rio Grande do Norte”, detalha o analista.
“O mesmo ocorreu na Europa: as autoridades entenderam que o porto de Antuérpia, na Bélgica, por exemplo, era um ponto importante para a chegada das drogas, assim como o porto de Valência, na Espanha. A fiscalização nesses locais em relação ao tráfico aumentou e, desta forma, a cocaína é agora levada a pequenos portos na França, na Holanda, no Reino Unido.”
Evidentemente, o transporte de cocaína e outras drogas por meio de aviões também acontece, conforme explica Laurent Laniel.
“Muito comumente, sabemos de pessoas que transportam cocaína na bagagem ou que engolem a droga e pegam voos comerciais de São Paulo para Amsterdam, Madri, Lisboa… Às vezes, são voos diretos. Outras, com paradas em Marrocos, no Líbano, em Dubai. A pessoa faz longas viagens e troca de companhia aérea para despistar a fiscalização na Europa — principalmente porque agora os voos que chegam de São Paulo são visados por causa do tráfico de drogas.”
Mula do tráfico
Para a Guarda Civil espanhola, o sargento Manoel Silva Rodrigues era uma “mula” do tráfico — as autoridades apuraram que ele tinha um encontro marcado no hotel em que repousaria com a tripulação e acreditam que o destino final da droga era mesmo Sevilha. O analista do EMCDDA aponta que, na maior parte das vezes, a cocaína que sai do Brasil para a Europa fica, de fato, no continente.
“Mas já existem registros de cocaína que sai da Europa e vai para a Oceania — Austrália e Nova Zelândia. Há ainda suspeitas de que a droga vá para China, Índia e Oriente Médio — especialmente a Península Arábica”, pondera.
Na Espanha, o brasileiro será acusado de tráfico de drogas, descrito no Código Penal do país como crime contra a saúde pública. A Polícia Federal brasileira, por sua vez, abriu inquérito no início de julho para investigar o sargento e apurar eventuais ligações do militar com narcotraficantes, além das circunstâncias que possibilitaram a obtenção da droga.
O último relatório da EMCDDA, publicado em 2017, aponta que o tráfico de cocaína movimenta aproximadamente 5,7 bilhões de euros (cerca de R$ 23,9 bi) na Europa todos os anos.
R7