O aumento do fundo público de financiamento eleitoral para R$ 3,7 bilhões, que está sendo discutido na Câmara, poderá levar a uma onda de reeleições no pleito municipal do ano que vem, especialmente se não vier acompanhado de limites de gastos de campanha.
O alerta é do professor Cláudio Ferraz, da PUC-RJ, que estuda o tema. Em 2017, ele e três colegas publicaram um influente estudo mostrando que estabelecer um teto de gastos é essencial para aumentar a competição eleitoral e possibilitar a renovação política.
Reportagem do jornal Folha de S.Paulo desta segunda-feira (22) mostrou que, nanico até o ano passado, o PSL de Jair Bolsonaro será o dono da maior fatia pública de recursos eleitorais e partidários no ano que vem, chegando a quase meio bilhão de reais, caso o Congresso aprove a ampliação prometida para o fundo destinado aos candidatos.
PERGUNTA – A principal conclusão do estudo publicado em 2017 é que a restrição do gasto eleitoral aumenta a competitividade. O aumento do fundo em discussão pelo Congresso terá o efeito contrário?
CLÁUDIO FERRAZ – Depende de qual será a regra sobre limite de gasto. Se houver um aumento no fundo, mas o limite de gasto for mantido, não é óbvio qual será o efeito. Nas eleições de 2016, houve limite de gastos, que dependia do valor mais alto gasto na eleição de 2012. Mas em muitos municípios os candidatos gastaram menos do que esse limite. Em geral mais recursos tendem a beneficiar os incumbentes, que têm mais vantagens em conseguir recursos. Assim, um aumento de recursos com a mesma regra pode, sim, reduzir a concorrência política.
P – Com a elevação do tamanho do fundo para R$ 3,7 bilhões, podemos prever uma onda de reeleições no ano que vem?
CF – Sim, especialmente se não houver um limite de gasto ou se ele for mais frouxo do que o limite estabelecido para a eleição de 2016.
P – A renovação foi uma das marcas da eleição de 2018, sobretudo para o Congresso. O sr. diria que as restrições de financiamento eleitoral tiveram impacto nesse fenômeno?
CF – Não é claro que foram os limites ao gasto em 2018 que geraram renovação. Deputados incumbentes puderam gastar menos, então isso pode ter gerado um efeito importante. Mas muitos dos novos se elegeram gastando menos, com campanhas em redes sociais muito mais baratas. E filhos e filhas de políticos importantes, com mais recursos, não se elegeram. O limite pode ter contribuído para a renovação, mas houve algo especial na eleição de 2018. Havia uma demanda por renovação por parte da sociedade e muitos candidatos se elegeram de carona na onda bolsonarista.
P – Reduzir muito o financiamento não pode prejudicar o acesso do eleitor ao programa de governo dos candidatos?
CF – Pode, mas as campanhas estão mudando rapidamente. No passado, TV e rádio eram muito importantes no Brasil, como mostram diversos estudos. Mas com mídias sociais, WhatsApp etc., a forma de fazer campanha está mudando e se tornando mais barata. Precisamos de estudos que investiguem se eleitores que se informam via mídias sociais estão menos informados. A nosso percepção é que sim, especialmente com tanta fake news circulando. Mas seria importante quantificar isso.
P – A vitória de Bolsonaro em 2018, com uma campanha de poucos recursos e por um partido pequeno e sem estrutura, muda de alguma forma a importância que se atribui ao financiamento para se vencer uma eleição?
CF – Com certeza. Mas não sabemos se isso foi conjuntural, dadas as circunstâncias da eleição de 2018, ou se é um padrão que está aqui para ficar. A TV aberta continua sendo muito importante no Brasil como canal de comunicação, mesmo com mídias sociais, WhatsApp etc.
P – Seria saudável para a competição eleitoral reduzir mais os limites de financiamento e baratear as campanhas? Chegamos a um limite?
CF – Difícil dizer, especialmente porque temos que pesar a informação que o eleitor tem com os efeitos sobre a concorrência política.
P – Que avaliação o sr. faz do financiamento público eleitoral, com base nas últimas duas campanhas?
CF – Ele precisa ser aperfeiçoado. Os caciques partidários têm poder demais sobre o uso de recursos e muito pouca prestação de contas. O uso do dinheiro é pouco democrático. Deveria haver regras mais claras sobre como distribuir recursos dentro dos partidos. Por outro lado, um sistema político onde a riqueza pessoal tenha um efeito grande em quem pode concorrer e se eleger não é apropriado para o funcionamento de uma democracia. Nesse sentido, o financiamento público ajuda a tornar o sistema mais equitativo.
P – O dinheiro privado, sobretudo de empresas, deveria ter algum papel no financiamento eleitoral?
CF – O problema não é o financiamento privado, é o financiamento corporativo, as grandes somas de recursos. Pessoas podem doar e isso pode ser saudável. Mesmo empresas poderiam doar com limites individuais fixos e iguais para todas as empresas. O problema é que no passado esse limite era proporcional ao volume de recursos das empresas, então grandes empresas podiam doar recursos demais.
P – Há algum país que o sr. enxergue como modelo para financiamento eleitoral para o Brasil?
CF – Não há sistema perfeito. Financiamento público funciona bem em alguns contextos e não funciona em outros. O sistema privado dos EUA também tem muitos problemas. Temos que fazer reformas, avaliar seus efeitos e ir aprimorando o sistema brasileiro. O Chile adotou reformas interessantes recentemente, estamos ainda vendo o que acontecerá por lá.
R7