Sergio Moro volta ao centro dos holofotes no momento em que é alvo de setores do Judiciário e do próprio governo. Em entrevista à ISTOÉ, ele mantém a serenidade que o consagrou, diz que não atua com viés partidário e garante foco no trabalho à frente do Ministério da Justiça
Sergio Moro comemorou 47 anos no último dia 1, mas nem tudo são flores e festas na vida do ministro da Justiça e Segurança Pública. Hoje, como quando esteve à frente da Operação Lava Jato, ele está novamente no centro dos holofotes. É o homem da vez. Só que diferentemente do período em que tomou posse como o principal ministro de Jair Bolsonaro, Moro experimenta um dos momentos mais delicados da carreira. É alvo preferencial de grupos do Poder Judiciário — leia-se STF —, por ter contrariado poderosos e inconfessáveis interesses, e vítima de fogo-amigo até mesmo dentro do Palácio do Planalto, por razões que nem a nossa vã filosofia pode imaginar. No final da semana, a República parecia girar em torno dele. Foi criticado por cometer deslizes semânticos, ao declarar que os homens recorriam à violência contra as mulheres por se sentirem intimidados por elas, virou manchete de todos os sites ao encaminhar um documento ao ministro Luiz Fux em que repetia o que disse em entrevista exclusiva à ISTOÉ, ou seja, que jamais houve qualquer determinação para destruição do material colhido com os hackers presos pela PF, e chegou a ser admoestado pelo próprio presidente da República, ao discorrer sobre o projeto anticrime em tramitação no Congresso. “O Moro está vindo de um meio onde ele decidia com uma caneta na mão. Vem da Justiça, mas não tem poder, não julga mais ninguém. Entendo a angústia de querer que o projeto vá à frente, mas temos que fazer o Brasil andar”, disse. O homem é ele e suas circunstâncias, já dizia o filósofo espanhol Ortega y Gasset. Por mais que ele tente manter a fleuma habitual, são as circunstâncias que fazem de Sergio Moro o personagem da semana. Para o bem e para o mal.
A contínua divulgação de mensagens trocadas entre Moro e os procuradores de Curitiba, obtidas ilegalmente a partir da violação de celulares, por mais que não tenham revelado nenhuma ilicitude até agora na atuação do ministro enquanto juiz da Lava Jato, causa-lhe ranhuras indiscutíveis. Nos corredores do Congresso, onde brotam toda espécie de artimanhas políticas, já se fala abertamente que Moro está cada vez mais distante da vaga de ministro do STF, o que lhe restaria engatar uma carreira político-partidária, aproveitando que sua imagem junto à sociedade permanece inabalável. As pesquisas de opinião pública mostram, inclusive, que a avaliação pessoal do ministro até melhorou depois que o site The Intercept, do jornalista americano Glenn Greenwald, deflagrou o vazamento dos diálogos. Para Moro, a invasão de privacidade foi criminosa e a divulgação extremamente sensacionalista. Nem por isso ele defende punições ao jornalista. Na entrevista à ISTOÉ, ele assegura que Greenwald não será deportado. Muito menos planeja se aproveitar do episódio para entabular uma carreira política. Apesar de cultivar boa reputação perante à sociedade, Moro não se deixa seduzir pelo canto da sereia. Por ora, recusa a possibilidade de vir a ser candidato a presidente da República ou mesmo a participar do processo de reeleição de Bolsonaro, sendo seu vice, como se comenta nos bastidores. “Minha missão está no Ministério da Justiça, onde devo dar sequência no combate à corrupção e na intensificação de medidas contra o crime organizado”, resumiu.
A certeza de que não cometeu nenhuma infração ética mantém o ministro com foco no trabalho que elegeu como prioritário. Ele comemora o fato de que, no seu entender, a impunidade já não prevalece mais no País e que o trabalho à frente da pasta da Justiça, mesmo incipiente, já contribuiu de forma decisiva para a redução em 20% no índice de assassinatos. Mesmo sob fogo cruzado, o ex-juiz não perde a serenidade que o consagrou. O ministro garante que se seus detratores tivessem constatado alguma irregularidade contra ele, como a condenação de algum inocente ou a inclusão de uma única prova ilegal contra as centenas de pessoas que ele mandou para trás das grades, certamente deixaria o cargo. “Se fosse apresentado algo que eu tenha feito de ilegal, ilícito ou imoral, eu deixaria o cargo, mas o que eu vi foi um monte de bobagens”.
Sergio Moro está convencido de que o objetivo do vazamento de suas mensagens pessoais é soltar Lula, impactar a Lava Jato e anular condenações. O Brasil, de fato, parece reeditar fatos ocorridos na Itália durante os anos 90, quando a Mãos Limpas teve sua confiança corroída, depois de as principais figuras da operação sofrerem acusações de abuso de poder. “Uma vez, um juiz julgou quem havia escrito a lei. Primeiro mudaram o juiz. Logo em seguida, a lei”. O verso foi escrito em 1973 pelo cantor italiano Fabrizio De André. O ministro da Justiça quer evitar que a história se repita como farsa.
Sergio Moro – ministro da Justiça
Há dois meses, o site “The Intercept” e outros veículos vêm divulgando trocas de mensagens que envolvem diálogos do senhor com os procuradores da Lava Jato. Qual é a sua convicção sobre o caso?
Existe uma investigação da Polícia Federal referente ao hackeamento criminoso. Há pessoas presas por isso. Viu-se uma grave violação de privacidade, não só minha, mas de diversas outras autoridades. O que eu tenho dito desde o começo da divulgação é que não há como reconhecer a autenticidade das mensagens, porque eu não as tenho mais. Usei esse aplicativo, o Telegram, até 2017, e é publicamente conhecido que depois de certo tempo de desuso elas são eliminadas. Agora, o que eu vi das mensagens divulgadas, tirando todo o sensacionalismo realizado, é que não há nenhuma ilegalidade ou postura antiética de minha parte.
As mensagens podem ser usadas como prova em algum processo legal?
Isso vai ser decidido pela Justiça. Em princípio, o que é obtido por meio de furto eletrônico, produto de crime, não pode ser utilizado, mas vai caber à Justiça dar essa resposta.
Se os criminosos hackearam não só o senhor, mas os ex-presidentes Lula e Dilma, ministros e o atual presidente da República, por que se concentraram em divulgar apenas as suas mensagens?
As investigações vão revelar o que estava por trás disso. Houve um movimento na divulgação com o sentido de atacar a Lava Jato e o esforço anticorrupção que fizemos nos últimos anos. Talvez o objetivo seja anular condenações, impedir novas investigações. Se verificarmos o grande sensacionalismo na divulgação dessas mensagens, muitas vezes com distorções no conteúdo, de contexto e que nem se pode dizer que sejam autênticas, é de supor que o objetivo principal era impactar a Lava Jato.
Eles foram bem-sucedidos?
Claro que traz uma celeuma desnecessária sobre a Lava Jato. Mas se formos analisar de maneira objetiva o que foi feito, os diversos processos, os casos de corrupção identificados, as responsabilizações, veremos que foi algo inédito na história do País. Nós tínhamos uma tradição de impunidade no que se refere à grande corrupção e essa tradição foi alterada. Isso, em parte, graças ao mérito da Lava Jato. E esse mérito não foi impactado. Até porque, mesmo abstraindo a falta de demonstração de autenticidade dessas mensagens, ninguém fala em fraudar provas, em incriminar um inocente. O que existe ali são mensagens inócuas.
Qual é a intenção, no seu entender?
Está claro que um dos objetivos é anular condenações, entre elas a de Lula.
O senhor acha que houve uma articulação nesse sentido, sintonizando a divulgação das mensagens com a ação dos defensores do ex-presidente para libertá-lo?
Ficou claro que o propósito era anular as condenações pela Lava Jato.
Os hackers receberam dinheiro para cometer o crime?
Existe a investigação e a questão do pagamento vai ficar esclarecida de acordo com as provas que forem identificadas. A minha impressão é que, considerando o perfil dos presos, que sugere pessoas envolvidas em práticas de estelionato e fraudes eletrônicas, eles foram movidos por propósitos de ganho financeiro.
Um deles disse que o Walter Delgatti iria vender o material para o PT. Há pistas que levem a isso?
Vamos ter que esperar o resultado das investigações. Embora muita gente não acredite, o meu papel nesse caso é o de dar estrutura para a PF trabalhar, autonomia aos investigadores. Não acompanho pari passu essas investigações.
Se fossem apenas os quatro envolvidos, o caso já estaria encerrado, mas a PF pediu mais 90 dias para concluir o inquérito. Qual o significado disso?
Existem fatos a ser esclarecidos: são só essas pessoas envolvidas? Qual o grau de envolvimento delas? Há outras pessoas? Ocorreu ou não pagamento? Quais eram as motivações que levaram à prática desses atos? Ou seja, ainda tem uma série de coisas a serem esclarecidas.
A ex-deputada Manuela D’Ávila será ouvida?
Isso cabe à PF. É um passo natural do inquérito ouvir as pessoas que estejam de alguma forma relacionadas ao fato.
O presidente Bolsonaro chegou a dizer que Glenn Greenwald iria pegar “cana” por causa das interceptações ilegais. Do ponto de vista legal, ele pode ser deportado?
Temos de evitar o sensacionalismo do outro lado. Por exemplo, foi editada uma portaria pelo Ministério da Justiça, que estava sendo estudada faz tempo, de número 666, que tem por objetivo vedar o ingresso no País de estrangeiros considerados perigosos. Na portaria, detalhamos o que são estrangeiros considerados perigosos: terroristas, envolvidos com exploração sexual infantil, crime organizado armado, torcidas violentas. Pessoas suspeitas envolvidas nessas atividades não entram no Brasil. É deportação sumária. Brasileiro às vezes é barrado ao entrar em outros países até por motivos nem tão graves. Muitas vezes por uma falha documental ele é devolvido. O que fizemos: não podemos permitir que pessoas suspeitas dessas atividades ingressem no País. Uma pessoa suspeita não entra. Simples assim.
Então a medida não atinge Greenwald?
Quando divulgamos a portaria, algumas pessoas disseram: ah, mas é uma retaliação ao jornalista americano. Primeiro, ele já está no País. Segundo, não está enquadrado em nenhuma dessas condutas criminais. E, terceiro, pelo fato de ser casado com um brasileiro, e ter filhos brasileiros, ele sequer poderia ser deportado. Então, temos de ter cuidado com essas tentativas de gerar ainda mais sensacionalismo. A medida não tem nada a ver com o caso do jornalista do Intercept.
Nos dois meses de ataques ao seu sigilo, o que impactou na sua vida pessoal?
Esse sensacionalismo que buscou distorcer o que foi feito me afetou muito. Temos aí todos os processos, proferidos com abalizadas decisões judiciais, tudo no papel, tudo explicado, os fundamentos das decisões. Grande parte das condenações exaradas por mim foram confirmadas em instâncias recursais. Portanto, não teve nenhum inocente preso. O extremo sensacionalismo na divulgação das mensagens procurou dar um viés negativo ao nosso trabalho. O que eu tenho percebido, pelo contato com a sociedade, é que houve até a intensificação do apoio ao nosso trabalho.
Esses episódios podem ter inviabilizado sua ida para o STF?
Não se coloca essa questão no momento. É inapropriado se discutir cargos no STF, quando não existe a vaga de fato. O meu foco é o trabalho aqui como ministro da Justiça e da Segurança Pública. Minha expectativa é realizar um bom trabalho no meu período de gestão aqui.
O senhor pensa em disputar a Presidência da República?
Quando aceitei o convite do presidente Bolsonaro, tinha um objetivo muito simples: meu foco é o de ampliar os avanços no combate à corrupção, o que envolve também superar obstáculos de eventuais retrocessos, e poder avançar contra o crime organizado. Essa é a missão. Na minha perspectiva, apesar de alguns questionamentos, meu trabalho é eminentemente técnico, embora, como ministro, sempre haja um componente político em função do relacionamento com o Congresso. Mas não trabalho com o viés partidário.
O próprio presidente acalentaria o sonho de disputar a reeleição tendo o senhor como vice?
Desconheço. Está muito cedo para falar em eleições futuras. Estamos ainda no primeiro ano de mandato. O presidente já mencionou que pode ser candidato à reeleição, mas planos específicos me parecem prematuros.
No meio da crise das mensagens, o senhor chegou a achar que deixaria o cargo?
O que eu falei desde o início é que se fosse apresentado algo que eu tivesse feito de ilegal, ilícito ou imoral eu deixaria o cargo, mas sinceramente o que eu vi foi um monte de bobagens. A última que publicaram contra mim é que eu teria dado uma palestra em Novo Hamburgo e não a teria registrado no cadastro eletrônico do tribunal. Mas eu realizei a palestra e o dinheiro que ganhei com ela foi doado para uma instituição de caridade, comprovada documentalmente. Houve ali apenas um lapso de não efetuar o registro, o que diversos juízes não fizeram. São coisas muito fracas.
O senhor defendeu a destruição das mensagens?
Houve um mal-entendido. A quem cabe decidir sobre a destruição das mensagens é o Judiciário. Agora, existe uma investigação sobre o hackeamento e não sobre o conteúdo das mensagens. O foco da PF é o hackeamento e caberá ao juiz decidir ao final sobre a destinação dessas provas. Pode ser a destruição. Afinal, elas são produto de um roubo eletrônico. Mas eu não dei nenhuma determinação à PF para a destruição de qualquer prova. Isso nem seria da minha competência e isso não ocorreu.
Ainda há resistências ao seu projeto anticrime?
É um Congresso novo, apesar de alguns parlamentares terem sido reeleitos. E é também um governo novo, que tinha uma expectativa da aprovação da Reforma da Previdência num prazo mais curto e estamos vendo que está sendo aprovada só agora. Então, nesse trato com o Congresso é natural alguma dificuldade. Nós estamos tentando convencer os parlamentares do acerto das nossas propostas. No pacote anticrime, por exemplo, existem questões mais controvertidas, como a execução da prisão em segunda instância, mas que entendemos necessárias. Há também medidas muito importantes contra o crime organizado. Não só na parte da investigação, mas também no sentido de desestimular que criminosos se mantenham ligados a facções. Quem for condenado por pertencer a uma organização criminosa não obterá benefícios prisionais, como progressão de regime. Na minha avaliação, seria importante uma deliberação do Congresso e acredito que ela acontecerá em breve.
Sobre a crise dos presídios, sobretudo após a recente rebelião em Altamira, o senhor acha que o sistema carcerário não tem solução?
Estamos trabalhando para ter uma solução. Há um déficit de investimentos na criação de vagas no sistema carcerário, em parte porque até existem recursos, mas os Estados têm uma grande dificuldade na execução de projetos, até por falta de capacidade de engenharia. Desde que assumimos o ministério, o Departamento Penitenciário tem trabalhado para melhorar esse quadro. Uma das constatações aqui é que o ministério tem um corpo pequeno de engenheiros. Agora, foi apresentada uma Medida Provisória autorizando a contratação temporária de engenheiros. A previsão é a criação de mais 20 mil novas vagas prisionais ainda em 2019.
Qual é sua avaliação sobre os sete primeiros meses do governo Bolsonaro?
Ele assumiu com uma série de desafios e houve grandes realizações. Há a Reforma da Previdência, que é uma entrega significativa. E diversas iniciativas para desburocratizar e deixar a atividade econômica mais dinâmica. Na área da segurança pública, destacamos a redução percentual dos assassinatos em 20%. Fizemos a transferência dos líderes do PCC para presídios federais, obtivemos recordes na apreensão de cocaína e tudo isso impacta na redução da força do crime organizado.
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Carlos José Marques e Germano Oliveira (Revista Istoé/Terra – Reprodução)