A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (14) o texto-base do projeto que endurece as punições por abuso de autoridade de agentes públicos, incluindo juízes, promotores e policiais.Ainda é preciso votar os destaques, ou seja, mudanças pontuais em artigos do texto. Ele já foi votado no Senado e estava parado na Câmara desde 2017. Por isso, caso não haja nenhuma mudança, seguirá direto para sanção presidencial.
De acordo com o projeto, são considerados passíveis de sanção por abuso de autoridade membros dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, membros do Ministério Público, membros de tribunais ou conselhos de contas, servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas.
Entre as mudanças estão a proibição de decretação de prisão provisória em “manifesta desconformidade com as hipóteses legais” e também a decretação de condução coercitiva sem que antes haja intimação para comparecimento ao juiz. A pena é de um a quatro anos de detenção.
O texto também prevê que a autoridade possa ser punida com seis a dois anos de detenção, além de multa, caso deixe de se identificar ou se identifique falsamente para o preso no ato de seu encarceramento. Fica modificada ainda a lei de 1996 que regula as interceptações telefônicas. Hoje, ela diz que é crime realizar esse tipo de atividade sem autorização judicial, com pena de dois a quatro anos. Agora, os deputados acrescentaram parágrafo para incluir na tipificação a autoridade judicial que pedir a quebra de sigilo ou interceptação “com objetivo não autorizado em lei”.
Se manifestaram contra a proposta deputados do PSL, Novo, Podemos e Cidadania. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu o projeto. “Nós entendemos que esse texto atinge de forma democrática todos aqueles que revestidos de cargo público possam cometer abuso de autoridade”, disse aos parlamentares no plenário.
O projeto foi votado de maneira simbólica. Alguns deputados pediram que fosse votado nominalmente, mas o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou que não havia número suficiente para a verificação. Na Casa, uma das principais polêmicas se deu em torno da presença de artigos que afetam policiais militares.
O texto diz que fica proibido submeter o preso ao uso de algemas ou de outros meios de restrição de movimentos nos casos em que não haja resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso. A pena é dobrada se o preso for menor de 18 anos ou se a presa estiver grávida.
“Ao aprovar este projeto estamos inviabilizando o trabalho do policial”, afirmou o deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG). “O único agente do Estado que está nas ruas é o policial militar. Estamos criando aqui a possibilidade de demissão do policial pelo uso de algemas”, afirmou.
O deputado, de um partido da oposição, fez no plenário um apelo ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) para que vetasse os itens referentes a policiais. Outro artigo estabelece pena de um a quatro anos para quem deixar presos do mesmo sexo confinados juntos. Um caso emblemático aconteceu em 2007, quando uma adolescente ficou 26 dias presa na mesma cela que 30 homens no interior do Pará -ela foi violentada pelos presos. A juíza responsável pelo caso, Clarice Maria de Andrade, foi afastada da magistratura por dois anos.
Membros de partidos do centrão e da oposição defenderam que o texto serve para limitar o uso de prerrogativas do cargo para prejudicar indevidamente outra pessoa. “Nós vamos limitar, colocar no lugar aquelas pessoas que não respondem processos nenhum pelos seus erros”, afirmou o deputado Euclydes Pettersen (PSC-MG).
O projeto que foi votado nesta quarta-feira é o relatado no Senado pelo senador Roberto Requião (MDB-PR). Neste ano, o Senado aprovou outra mudança nas regras, relatada por Rodrigo Pacheco (MDB-MG). No entanto, segundo o presidente Rodrigo Maia, líderes na Câmara reclamaram que o texto tratava apenas de juízes e promotores. “Ia parecer alguma revanche de alguém contra um outro Poder e não é isso que nós queremos, queremos uma lei para se alguém extrapolar”, afirmou.
Ainda assim, categorias ligadas ao Judiciário protestaram contra a votação. Em nota, o presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), Vitor Hugo Azevedo, afirmou que há pontos polêmicos que “representam riscos à atuação austera do MP”.
“A exemplo de previsão de crimes que tratam de condutas que são meras irregularidades administrativas; figuras criminosas imprecisas e permeadas de subjetividade, além de penas desproporcionais”, diz a nota.
O QUE PREVÊ O PROJETO
Detenção de um a quatro anos e multa:
– Autoridade que decretar medida de privação da liberdade em desconformidade com as hipóteses legais;
– Quem decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo;
– Quem executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, ou de condenado ou internado fugitivo;
– Quem prossegue com o interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio;
– Quem impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pleito de preso à autoridade judiciária competente para a apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia;
– Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento. Incorre na mesma pena quem mantém, na mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente;
– Quem invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei;
– Quem obtiver prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito;
– Quem divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado;
– Quem der início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente.
Detenção de seis meses a dois anos e multa:
– Quem deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal;
– Quem deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada;
– Quem prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal;
– Quem fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar fotografia ou filmagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal, com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública. Não haverá crime se o intuito da fotografia ou filmagem for o de produzir prova em investigação criminal ou processo penal ou o de documentar as condições de estabelecimento penal;
– Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso quando de sua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão;
– Quem submeter o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento dos membros, quando manifestamente não houver resistência à prisão, internação ou apreensão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, internado ou apreendido, da autoridade ou de terceiros;
– Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado;
– Quem negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível;
– Quem antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação.
Detenção de um a quatro anos e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência:
– Quem constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro.
Detenção de três meses a um ano e multa:
– Quem coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo.
Reclusão de 2 a 4 anos e multa:
– Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Bahia Notícias