A demora de alguns provedores de conexão a internet em atualizar seus sistemas de identificação de usuários da rede mundial de computadores tem dificultado o trabalho de policiais encarregados de investigar crimes cibernéticos. A afirmação é do coordenador do Laboratório de Inteligência Cibernética do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Alessandro Barreto.
Segundo Barreto, o problema decorre, principalmente, da resistência de algumas empresas em fazer os investimentos necessários para migrarem da tecnologia IPv4 para o IPv6 – protocolo de internet (do inglês Internet Protocol, ou IP) lançado em 2012, como uma resposta à ameaça de saturação dos “endereços” numéricos que identificam cada computador, servidor, celular, tablet ou dispositivo conectado à rede.
Criado no início da década de 1980, o IPv4 opera com “endereços” de 32 bits, suportando cerca de 4,30 bilhões de IPs em todo o mundo. As combinações numéricas que identificam um IP permitem a conexão dos equipamentos em rede. Ou seja, para realizar uma pesquisa, enviar um e-mail ou acessar as redes sociais, o internauta tem que necessariamente utilizar um equipamento com um número de IP autenticado. Ocorre que, conforme a internet se popularizou, o número de endereços ainda disponíveis no protocolo IPv4 foi diminuindo rapidamente, motivando a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (do inglês, Icann ) a lançar o IPv6, que usa 128 bits, possibilitando um número infinitamente maior de combinações numéricas.
De acordo com Barreto, com a saturação do antigo protocolo, provedores que ainda não migraram para o IPv6 passaram a atribuir um mesmo IP a mais de um internauta. “Alguns provedores, por várias questões, não querem fazer a migração. Então, eles pegam um endereço de IP e compartilham [entre vários clientes]. Já pegamos um único IP sendo usado por 1.020 aparelhos. Como vamos chegar à conexão?”, questionou Barreto, ao explicar como isso dificulta o trabalho dos investigadores. “É como se tivéssemos uma autopista com mil veículos, todos da mesma cor e com uma mesma placa. [Por isso] alguns abusadores e exploradores sexuais deixaram de ser identificados”, ressaltou o coordenador, sustentando que a 5ª fase da Operação Luz na Infância, deflagrada esta manhã (4) para investigar a suspeita de crimes de exploração sexual contra crianças e adolescentes, também foi prejudicada por essa questão.
“Isso não afeta só crime de abuso e exploração sexual infantil. Afeta fraudes eletrônicas, crimes eleitorais, o que quer que seja que exija a identificação do responsável. Asseguro a todos vocês que os números de hoje poderiam ser maiores. Poderíamos ter mais operações de busca e apreensão sendo feitas neste momento”, comentou Barreto sobre os 105 mandados de busca e apreensão que estão sendo cumpridos em 14 estados, no Distrito Federal, e em outros seis países: Chile, El Salvador, Equador, Panamá e Paraguai, além dos Estados Unidos, onde um investigado foi detido, no estado do Michigan. Até as 13h, o ministério confirmava a prisão de 31 pessoas, incluindo o suspeito detido em território norte-americano.
Se todos os provedores migrarem para o protocolo IPv6, o número de IP disponíveis aumentará, e o sistema suportará muito além dos cerca de 4,30 bilhões de endereços. Com isso, será mais fácil distinguir os equipamentos conectados à rede. “Isso minimizará os problemas e conseguiremos identificar mais abusadores e outros criminosos [cibernéticos]. Alguns provedores já estão se adequando, mas há alguns provedores gigantescos que aplicam a metodologia [IPv4] e que não querem migrar para o IPv6”, acrescentou Barreto. “Então, vou usar este espaço para pedir encarecidamente [às empresas]: migrem para a versão 6 do protocolo.”
Questionado sobre o que mais o governo pode fazer além de pedir às empresas que atualizem seus sistemas, Barreto revelou, sem citar nomes, que um provedor já foi multado durante uma fase anterior da Operação Luz na Infância por ter dificultado investigações. “No Brasil, o Marco Civil da Internet estabelece que os provedores de conexão têm que fornecer informações que nos permitam individualizar a autoria e a materialidade de delitos. A legislação é clara quanto a isso.”
Procurado pela Agência Brasil, o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e do Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) informou que as empresas concluíram em 2017 a migração das redes para o protocolo IPv6, de acordo com as ações definidas em conjunto com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Segundo o sindicato, além disso, é necessário que todos os conteúdos e dispositivos utilizados pelos usuários adotem o IPV6. De acordo o SindiTelebrasil, nos Estados Unidos, a taxa de adoção é de 37,63% e, no Brasil, de 27,7%.
O sindicato destacou que, enquanto a migração não é concluída, “as redes de telecomunicações devem manter o suporte ao IPV4 para que os usuários possam acessar todos os conteúdos e aplicações disponíveis. Como o recurso de numeração do IPV4 é escasso, com esgotamento total previsto para janeiro de 2020, há necessidade de compartilhamento de endereços para que o acesso à Internet funcione. Esse procedimento é uma exigência das entidades que fornecem os endereços, tanto em nível mundial quanto em nível nacional”.
Agência Brasil