“Tudo tem que ter uma mudança. Eu estou sendo aquela pessoa que todo mundo está olhando. Depois de mim, vai haver oportunidade para outros negros, que também vão poder fazer um bom trabalho, como o meu”.
É dessa forma que o industriário aposentado Ubirajara Pereira, de 66 anos, reflete sobre o posto que tem ocupado desde o final de outubro. Ele é o primeiro homem negro a representar o Papai Noel em um shopping de Salvador.
Seu Ubirajara é pai do ator Fabrício Boliveira, e já tinha feito outros trabalho publicitários, mas viver o “bom velhinho”, que é símbolo do Natal, sempre foi um sonho dele.
O aposentado conta que a oportunidade surgiu a partir da indicação de um sobrinho. Ele participou de uma seleção e dois dias depois recebeu a informação de que havia passado.
“Eu sempre quis ser Papai Noel, mas não tinha oportunidade. Não tinha oportunidade de alguém chamar um negro para isso. Aí surgiu. Essa era uma das coisas que faltava na minha vida. Uma das coisas que faltava para eu fazer minha resenha lá em cima com Jesus”.
Para assumir o posto, o aposentado estudou e tem estudado como lidar com o público. Seu Ubirajara também levou a alegria, que é uma característica pessoal, para o personagem. O objetivo dele é fazer a diferença.
“Eu comecei a pesquisar como eu iria tratar uma criança com autismo, como deveria tratar uma senhora…cada ser humano. Eu estudei para caramba”.
“Eu via que o Papai Noel é aquele que anda com o cajado e só acenando, e disse: ‘Eu vou fazer uma coisa totalmente diferente’. Não dá pra ficar sentado o tempo todo. Eu levanto e começo a sambar, pular, brincar. Ficar o tempo todo sentado é ruim”, conta.
O “bom velhinho” atende os clientes do Shopping Center Lapa, que tem a temática da decoração inspirada no filme “Madagascar”, que se passa na África.
O centro de compras fica localizado no bairro Nazaré, a poucos metros da Avenida Sete de Setembro – que é um dos principais pontos de comércio popular da capital baiana.
Na região, circulam centenas de pessoas diariamente. Desde a chegada de Ubirajara no local, que foi marcada por um desfile em um minitrio elétrico, a representatividade negra tem chamado atenção.
Seu Ubirajara revelou que já recebeu vários depoimentos, e que tem se emocionado bastante com a repercussão e com os pedidos das crianças.
“Eu não esperava essa aceitação das pessoas com um Papai Noel negro. Tem sido ótima a repercussão. Todo o dia eu choro, e as Noeletes [ajudantes do Papai Noel] choram também”.
“As crianças não pedem coisas absurdas. Cada dia que passa eu vejo, eu sinto, a humildade das pessoas. Eu já passei por isso. Jamais vou recriminar”.
Durante entrevista ao G1, o aposentado também revelou pedidos curiosos que já recebeu.
“Tem mulher que me pede marido. Cada dia aparece uma ou duas. Elas falam: ‘Papai Noel, eu quero um marido’. Aí eu dou aquela risada bem larga mesmo, procuro saber o nome dela e digo: ‘Eu sou Papai Noel, não sou Santo Antônio, minha linda’. Aí todo mundo ri, vem e me abraça. É esse clima de alegria sempre”.
Representatividade
“Eu gostei, porque eu nunca vi. É a primeira vez. Acho bacana. Para as crianças também, porque tira aquela visão de que Papai Noel só é branco. E não é bem assim”, contou.
Já a ajudante de cozinha Tânia Rodrigues, de 54 anos, revelou que visitou o centro de compras justamente porque soube que o Papai Noel era negro.
Ela estava com a filha, a fisioterapeuta Tainá Santos, de 34 anos, e o neto, o pequeno Cadu, de 5 meses. Os três posaram com o bom velhinho.
“Achei perfeito porque é a primeira vez que eu vejo. Todo shopping tem, mas nunca vi um negro. Quando vi na televisão, eu fiquei encantada e falei: a gente precisa ir lá”, disse.
G1