A Bolsa de Valores termina 2019 com alta de mais de 30% em um ano que os números confirmam que a valorização só foi possível graças à chegada do pequeno investidor ao mercado de ações. Esse é o melhor desempenho desde 2016 e pode ser explicado pela frustração dos brasileiros com o rendimento da renda fixa. À medida em que o juro caía, mais gente migrava recursos para ações.
O Ibovespa, o principal índice acionário do país, saiu dos 87 mil pontos do final de 2018 para 115.645 pontos desta segunda-feira (30), o último pregão de 2019. A alta de 31,6% ocorreu sem a participação de investidores estrangeiros, que deixaram o país ao longo de todo o ano. O dólar fechou o ano a R$ 4,01, alta de 3,5%, contrariando a expectativa de que poderia cair com a onda de otimismo doméstico.
A valorização da Bolsa ficou aquém de algumas das expectativas do mercado, que chegaram a apontar que o índice poderia ir além de 120 mil pontos. Ficou em linha com a valorização das Bolsas americanas, que subiram entre 23% (Dow Jones) e 35% (caso da Bolsa de tecnologia Nasdaq) e também renovaram recordes ao longo do ano na esteira da queda de juros.
“A alta do Ibovespa este ano ficou abaixo das expectativas iniciais, mas 30% é um patamar bom”, diz Luis Sales, analista da Guide Investimentos.
Ao longo deste ano, a taxa Selic caiu de 6,50% ao ano para 4,50%, aproximando o país do juro real zero visto em países desenvolvidos à medida que a economia brasileira mostrava dificuldade de se recuperar da recessão. A inflação do ano deve terminar ao redor de 4%, enquanto as apostas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) estão na casa de 1,17%.
“O investidor doméstico teve que diversificar portfólio, enquanto o estrangeiro saiu de países emergentes com o receio de desaceleração econômica global”, diz Michael Viriato, professor de finanças do Insper.
Nem sempre foi assim. Historicamente os investidores estrangeiros são responsáveis por manter o volume de negócios na Bolsa, que registrou média diária de R$ 17 bilhões, um salto na comparação com anos anteriores. Desse montante, 45,2% foram negociados por estrangeiros.
Aos poucos, porém, o pequeno poupador começou a elevar a sua participação. Dobrou o número dos brasileiros que investem em ações, de 813 mil para 1,6 milhão (dado de novembro, o mais recente divulgado pela B3). Já a fatia nos negócios subiu para 18,1%, enquanto os investidores institucionais (empresas e fundos de investimento) corresponderam a 31,5%.
Se a marca positiva do ano é a disposição do pequeno investidor a ações, a negativa é o fluxo de saída de estrangeiros. A frustração é especialmente significativa porque havia uma aposta no aumento de aplicações com a mudança de governo e o compromisso com reformas. Prevaleceu, porém, a espera pela retomada do crescimento econômico.
Estrangeiros retiraram da Bolsa R$ 43 bilhões, montante próximo ao recorde registrado em 2008. Naquele ano, foram sacados R$ 24,6 bilhões que, corrigidos pela inflação, equivalem a R$ 44,6 bilhões.
Quando contabilizado os 5 IPOs do ano (oferta pública inicial de ações, feitas por BMG, Centauro, C&A, Neoenergia e Vivara) e 31 follow-ons (oferta adicional de ações) deste ano, a saída de estrangeiros cai para R$ 7 bilhões. A Bolsa não faz a comparação com o ano de 2008 por essa metodologia.
“Quem movimenta o mercado de capitais brasileiro é o investidor doméstico. O brasileiro foi 80% de compra dessas ofertas de ações [IPOs e follow-ons], que devem movimentar R$ 120 bilhões em 2020”, acrescenta Alexandre Pierantoni, diretor da Duff&Phelps no Brasil.
De acordo com analistas do mercado, a alta da Bolsa brasileira é explicada pelo otimismo dos investidores locais com a guinada liberal da política econômica do país e com o voto de confiança no ministro da Economia, Paulo Guedes.
A votação da reforma da Previdência, projeto mais aguardado pelo mercado financeiro neste ano levou o Ibovespa a patamares recordes à época. Além da aprovação com larga vantagem, o valor estimado de economia para o governo ficou acima do previsto para o mercado: R$ 800 bilhões em dez anos.
“Economia de R$ 800 bilhões na Previdência era algo surreal no governo Temer”, diz Sales, da Guide.
Apesar do resultado positivo para o mercado, o caminho foi de percalços, especialmente quanto à articulação para a aprovação do projeto.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, entraram em conflito sobre a responsabilidade de angariar parlamentares e apoio da população para a nova Previdência.
E passada a reforma da Previdência, a agência econômica travou.
“Bolsonaro atrapalhou, se não fosse por ele poderíamos ter um ano melhor. Quem ajudou foi Guedes. O ministro se entendeu com Maia e Alcolumbre [presidente do Senado] e entendeu como [a articulação] funciona”, afirma Sales, da Guide.
Houve ainda o momento em que Guedes foi responsável por provocar a própria turbulência no mercado: em novembro, afirmou que não estava preocupado com a alta recorde do dólar e que era bom o país se acostumar com o elevado patamar da moeda estrangeira ainda por um bom tempo. Com a fala do ministro, o dólar bateu recorde e se aproximou dos R$ 4,25. Fechou a R$ 4, em linha com as projeções ajustadas pelo mercado quando o cenário externo começou a se mostrar menos favorável.
Pesaram ao longo do ano a guerra comercial travada entre Estados Unidos e China – atualmente em negociação para um acordo – e o impacto sobre economias desenvolvidas. A crise argentina e a tensão política no Chile também se refletiram no Brasil.
Aos olhos do investidor estrangeiro, países latinos são um único pacote que inclui o Brasil e, em momentos de tensão, eles tendem a retirar recursos deste grupo. A saída de dólares do país eleva a cotação da moeda.
“Nós tivemos um ano muito difícil para emergentes, especialmente latinos. Tínhamos esperança que o governo levasse o patamar de otimismo quanto ao Brasil, mas tivemos muita discussão entre os poderes”, afirma Mauriciano Cavalcante, gerente de câmbio da Ourominas.
A queda de juros, apesar de benéfica à Bolsa, tem o efeito contrário na moeda. Com a Selic a 4,5%, a renda fixa brasileira fica menos atrativa a estrangeiros, que investem sob a estratégia de carry trade. Nela, o ganho está na diferença do câmbio e do juros, pois o investidor toma dinheiro a uma taxa de juros menor em um país, no caso, os EUA, para aplicá-lo em outro, com outra moeda, onde o juro é maior, o Brasil.
Em 2016, com a Selic a 14,25%, o diferencial entre a taxa brasileira e a americana ficou ao redor de 13,75% ao ano. Hoje, com a Selic a 4,5% e o juro americano a 1,5%, esse diferencial fica ao redor de 3%.
Já os investidores brasileiros migram da renda fixa para a renda variável, o que explica o recorde de CPFs na Bolsa. A poupança, contudo, teve captação líquida de R$ 17,4 bilhões em 2019, segundo o BC, abaixo dos R$ 38,2 bilhões captados em 2018, mas acima dos R$ 17,1 de 2017, ano em que a Selic foi de 13,75% a 7%.
“Com o juro real baixo, vamos continuar vendo uma realocação dos investimentos do brasileiro, com migração da renda fixa para fundos multimercado e Bolsa e o mercado de capitais voltou a ficar atrativo para capitalização das empresas, especialmente em um ambiente ancorado nas reformas estruturais. Fundos multimercado e fundos de ações tiveram maior captação da história em 2019, por exemplo”, diz Pierantoni, da Duff&Phelps.
Segundo a Anbima (entidade do mercado de capitais), as ofertas de fundos imobiliários totalizaram R$ 32,5 bilhões no ano. As emissões de debêntures incentivadas também foram recordes em 2019, com R$ 27 bilhões.
Se em 2019 as projeções eram de valorização expressiva, a alta da Bolsa em 2020 deve ser mais contida. Segundo a mediana da estimativa de 10 estrategistas (economistas) consultados pela Bloomberg, o Ibovespa deve terminar 2020 a 130 pontos, que seria uma alta de 12%.
O período não irá contar com a força do corte de juros. Apesar de prever um corte de 0,25 ponto percentual na Selic no começo de 2020, o mercado espera que a taxa básica volte a 4,5% ao final do ano.
“A Bolsa foi bem porque a taxa de juros caiu mais que o esperado. Se o juros não tivesse caído como caiu, a Bolsa não teria subido tanto”, diz Viriato, do Insper.
Ele aponta que o desempenho da economia global no ano também favoreceu a alta do Ibovespa.
“A economia não teve uma forte desaceleração, o ano não foi tão ruim quanto se esperava. A economia seguiu desacelerando, mas ainda cresce” afirma o professor.
Segundo relatório de outubro do FMI (Fundo Monetário Internacional), o crescimento da economia global deve ser de 3% em 2019, o menor desde a crise financeira de 2008 e 2009.
“Não entramos 2020 com risco de recessão nas grandes economias, vemos estabilização e esperamos crescimento do mundo de 3,1%”, aponta Peretti, do Santander.
Bahia Notícias