Os grandes capitalistas europeus querem destruir o futebol sul-americano para dominar o esporte e manter suas margens de lucro. Como não têm jogadores dribladores como Neymar, eles buscam impor a retranca como padrão tático, numa nova forma de imperialismo.
Essa resenha futebolística proletária é frequente no site Causa Operária e naquela que é provavelmente a única mesa-redonda anticapitalista do Brasil, o programa Na Zona do Agrião, veiculado duas vezes por semana no YouTube.
São veículos ligados ao PCO (Partido da Causa Operária), legenda de esquerda surgida em 1995 de uma dissidência do PT.
“Neymar punido por driblar: capitalistas querem acabar com o futebol”, dizia uma manchete recente do site, em referência ao cartão amarelo recebido pelo jogador após aplicar uma carretilha num adversário durante o Campeonato Francês.
Sem nenhum representante eleito, o partido tem alguma força em sindicatos como os dos Correios, e uma militância pequena, mas aguerrida, algo como um Juventus da Mooca da política.
O cientista político Henrique Áreas, 34, é um dos responsáveis pela editoria de esporte do Causa Operária. Torcedor fanático do Comercial de Ribeirão Preto, sua cidade natal, defende que o futebol é parte da luta de classes.
“Tudo que acontece na sociedade tem a ver com política, tem a ver com a luta de classes. Com o futebol não é diferente”, afirma.
Na visão de mundo do PCO, está em curso uma grande conspiração internacional contra o futebol brasileiro, que se manifesta de diversas formas. Neymar, que Áreas considera um craque léguas à frente de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, seria a principal vítima desse complô.
“Existe uma pressão de setores dos capitalismo europeu que não podem permitir que o Brasil seja o melhor futebol do mundo”, declara. “O Neymar acaba sendo uma dessas peças.”
Também seria injusta a fama de “cai-cai” do atleta, afirma. “Cair é uma defesa do cara que apanha em campo a todo momento.”
Para o PCO, o pior instrumento desse neocolonialismo futebolístico teria se manifestado com a criação do árbitro assistente de vídeo.
“O VAR é um instrumento de controle do futebol pelo imperialismo, para que o resultado dos jogos vá ao encontro dos seus interesses econômicos”, sentenciou o Causa Operária em julho de 2019.
Quando a França ganhou a Copa do Mundo da Rússia, em final contra a Croácia em que teve um pênalti marcado a seu favor após consulta ao VAR, o site protestou, dizendo que era mais um exemplo da truculência do imperialismo.
“Se dão golpe de Estado em centenas de países, massacram, torturam e matam povos inteiros, levar a Copa do Mundo na ‘mão grande’ não é nenhuma novidade”, decretou.
Para que uma armação desse tipo acontecesse, obviamente, os árbitros no campo e na cabine de vídeo teriam que ser parte do esquema.
“A gente não sabe como funciona. Pode ser que as pessoas estejam envolvidas no esquema, ou pode ter uma pressão política que faz com que aqueles resultados sejam mais favoráveis”, afirma Áreas, que foi candidato a prefeito de São Paulo pelo PCO em 2016, quando obteve 1.019 votos (0,02% do total).
A paixão do PCO pelo futebol o torna único entre os partidos políticos. Praticamente toda a cúpula da legenda aborda o tema nos veículos do partido, incluindo seu principal líder nacional, Rui Costa Pimenta, que já disputou a Presidência da República três vezes.
O site do Causa Operária tem em média 100 mil acessos mensais, segundo Áreas, e o canal do YouTube conta com 82 mil inscritos. Existe ainda um jornal impresso, com tiragem de cerca de 5.000 exemplares.
Marxista-leninista até a medula, o PCO sempre resistiu a se aliar a outras legendas, mesmo as de esquerda, a quem costuma acusar de serem “pequeno-burguesas”.
No futebol, acontece algo parecido. A esquerda comete um grande erro, de acordo com o partido, ao menosprezar o futebol como “ópio do povo” ou rejeitar a seleção brasileira apenas como um instrumento da direita.
“A esquerda tem essa política de se abster do futebol, e aí fica mais fácil para a direita. A esquerda deveria apoiar a seleção brasileira. Ter discordância com a CBF é outra coisa”, diz Áreas.
Como a camisa amarela da seleção ficou muito associada ao bolsonarismo, os dirigentes do PCO preferem uma versão dela em vermelho, que se popularizou entre a esquerda nos últimos anos.
Áreas defende a permanência de Tite na seleção e exalta o Flamengo como time do momento. Mas discorda de que o rubro-negro esteja em outro patamar por causa do técnico português Jorge Jesus. “O mérito é dos jogadores.”
Ele é radicalmente contra a contratação de treinadores estrangeiros por clubes brasileiros, porque eles trariam embutida a mentalidade europeia da retranca.
“Retranca é parte de uma ideologia importada. Eles convenceram a gente, como colonizadores, a não atuar de modo ofensivo para que possam jogar de igual para igual”, declara.
Outra modernidade que o partido rejeita é a ofensiva da Fifa contra gritos homofóbicos nos estádios, tema que foi objeto de um artigo do Causa Operária muito criticado por sites de esquerda.
“A questão de ofender x ou y é abstrata, subjetiva. Já a liberdade de expressão é um direito de fato, de falar o que quiser. E quem vai censurar? O Estado, dominado pela direita”, justifica.
Para o PCO, o futuro do futebol brasileiro passa por uma revolução proletária, não muito diferente da que Karl Marx defendeu ao escrever o Manifesto do Partido Comunista, no século 19.
Adaptada ao futebol, a tomada do poder seria feita pelas torcidas organizadas, que controlariam as ligas e os clubes.
“O clube-empresa vai acabar com o futebol. Os capitalistas vão destruir clubes como fizeram com o Bragantino”, diz, em referência ao time de Bragança Paulista controlado pela multinacional de bebidas energéticas Red Bull.
FRASES DE ARTIGOS DO CAUSA OPERÁRIA
“Neymar é representante do futebol sul americano, que a despeito de toda a má vontade da imprensa imperialista e seus teleguiados locais, consagra-se como um dos maiores jogadores do seu tempo.”
“O VAR é um instrumento de controle do futebol pelo imperialismo, para que o resultado dos jogos vá ao encontro dos seus interesses econômicos.”
“O futebol é como qualquer outro aspecto da vida social, é um terreno onde se desenvolve a luta de classes.”
“A derrota esmagadora da seleção brasileira [no 7 a 1] aconteceu muito tempo antes deste fatídico 8 de julho no Mineirão. […] Acuaram os brasileiros para não torcer pelo Brasil, buscaram de todos os meios desestabilizar o time brasileiro.”
“Final da Copa [de 2018]: os povos oprimidos torcem para a Croácia contra a França imperialista.”
Bahia Notícias