Pelo menos 50 mil brasileiros deixaram de ser diagnosticados com câncer
desde o início da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Além disso,
milhares de pacientes diagnosticados com um tumor tiveram os tratamentos
suspensos, conforme estimativas das Sociedades Brasileiras de Patologia
e de Cirurgia Oncológica. Além do cancelamento de procedimentos não
urgentes, como consultas, exames e cirurgias (só em abril,
aproximadamente 70% das operações oncológicas foram adiadas), muitos
pacientes com outras doenças têm deixado de procurar unidades de saúde
por medo do contágio pela Covid-19.
“Nosso receio, diante deste cenário, é que a não realização do
diagnóstico precoce aumente em grandes proporções os casos de câncer em
estágio avançado daqui a alguns meses, reduzindo as taxas de cura”,
afirmou o urologista e cirurgião Nilo Jorge Leão, coordenador do
Instituto Baiano de Cirurgia Robótica (IBCR). Além do risco de muitos
tumores não diagnosticados evoluírem, há outro problema a ser
considerado: o acúmulo de diagnósticos no pós-pandemia de Covid-19. “É
possível que tenhamos dificuldade para dar conta da demanda reprimida
que vai surgir daqui a alguns meses, sobretudo no Sistema Único de Saúde
(SUS), onde já existem grandes filas de espera para tratamento dos
pacientes, já que, somados aos novos casos, estarão os muitos que
tiveram que postergar seus tratamentos”, frisou o médico.
O receio do urologista, compartilhado por oncologistas, patologistas e
outros especialistas que fazem o diagnóstico e/ou tratam pacientes
oncológicos, se baseia, sobretudo, no fato de que pacientes com tumores
avançados requerem, em geral, tratamentos mais agressivos e com maior
morbidade (maior incidência de complicações e sequelas). Além disso, há
casos de tumores que, quando estão muito avançados, não dão ao paciente
muitas opções de tratamento. Por isso, é muito importante que o câncer
seja diagnosticado em uma fase em que a cirurgia, a quimio ou a
radioterapia possam ser indicadas. Há casos de diagnóstico tardio em que
nada, além de cuidados paliativos, pode ser feito.
Recomendações – Para evitar que isso aconteça, o coordenador do IBCR
recomenda que pacientes com sintomas agudos, suspeita relevante ou que
já receberam o diagnóstico do câncer, mas não deram início ao
tratamento, não posterguem consultas e exames. “O atendimento com um
médico não implica, necessariamente, em dar início imediato ao
tratamento. Cada caso precisa ser avaliado individualmente e em todos é
preciso considerar os riscos da Covid-19 entre a população oncológica,
que faz parte do grupo de risco por ser mais vulnerável às complicações
pela nova doença”, destacou Leão.
Quando não há necessidade de exame físico, uma teleconsulta pode ajudar
no âmbito da triagem, direcionando os pacientes que precisam de um
diagnóstico ou de orientações para dar prosseguimento ao seu tratamento.
Dessa forma, o isolamento social que tem contribuído para evitar o
colapso do sistema de saúde consegue ser, de certa forma, respeitado.
Nos casos em que o paciente realmente precisa ir ao hospital ou clínica
para realizar consultas, exames ou procedimentos, cuidados como o uso da
máscara e do álcool em gel nas mãos após o toque em objetos e
superfícies são fundamentais.
Telemedicina – O urologista Nilo Jorge Leão tem atendido pacientes
diversos através de plataformas digitais. Alguns com infecções ativas e
que precisam de orientação para o tratamento e outros que já tinham o
diagnóstico prévio de câncer, mas querem saber se devem ser tratados
agora ou podem aguardar um pouco mais. “Para responder a essa questão,
devemos usar o conhecimento médico, técnico, pautado em anos de estudos
embasados acerca de cada tumor especificamente, associado ao bom senso,
pesando os riscos da exposição potencial do coronavírus”, explicou.
Embora grande parte dos especialistas defenda que a internação, a
realização de uma cirurgia, possíveis complicações e prolongamento da
internação aumentem a exposição e o risco de contrair o coronavírus, há
casos urgentes cujo tratamento não pode ser adiado. Entre esses, estão
os pacientes com sangramentos gastrointestinais, risco de obstrução ou
quando existe a possibilidade real de mudança do prognóstico, por
exemplo. “No IBCR, definimos critérios detalhados para cada
especialidade sobre a realização ou o adiamento de cirurgias
oncológicas. Fizemos isso com muita responsabilidade e zelo. Tudo o que
queremos é evitar uma epidemia de câncer avançado pós-pandemia de
Covid-19”, concluiu Nilo Jorge Leão.