Prefeituras de cidades paulistas flexibilizaram decretos sobre o uso obrigatório de máscaras de proteção, imposto para conter a disseminação da covid-19, para facilitar a rotina de pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e também de seus responsáveis e cuidadores. Entre as administrações municipais que adotaram a medida no estado estão Sorocaba e Guarulhos, com regras específicas e a exigência de apresentação de um documento para comprovar a condição.
A decisão se antecipa ao projeto de lei federal 1562/2020, aprovado pelo Congresso e à espera pela sanção presidencial, que estabelece a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais públicos ou privados, mas acessíveis ao público – medida que engloba os transportes públicos, táxis, carros de aplicativos e aviões.
O texto dispensa do uso de máscaras pessoas com Transtorno do Espectro Autista e deficiências intelectuais, sensoriais ou quaisquer outras que pressuponham dificuldades para cumprir a obrigatoriedade, assim como crianças com menos de três anos.
O advogado Marcelo Valio, atuante na área de direito das pessoas com deficiência e membro da Comissão de Defesa dos Direitos dos Autistas da OAB-SP, avalia que a legislação é importante, pois muitas leis municipais prevêem multas e até condução a uma delegacia em caso de descumprimento da medida, por colocar a coletividade em risco.
“Algumas pessoas com deficiência intelectual, com autismo, síndrome de down e outras doenças raras podem apresentar hipersensibilidade no uso das máscaras faciais. Essas crises podem apresentar um grau muito elevado, gerando comportamentos muito disruptivos e até autolesivos, colocando essas pessoas em risco iminente”, ressaltou o especialista.
No entanto, o advogado Marcelo Valio lembra que, em determinação recente, o STF (Supremo Tribunal Federal) garantiu a autonomia de estados e municípios na adoção de medidas de isolamento social, quarentena e suspensão de atividades para combater a disseminação da doença, independentemente de ordens contrárias do governo federal.
“De rigor, poderá haver discussão a respeito da aplicabilidade e efeitos da Lei Federal, se sancionada pelo presidente da República, em estados, municípios e no Distrito Federal que já tenham regulado a matéria, em face de decisão do Supremo Tribunal Federal”, explicou o advogado.
O vice-presidente da AMA-BA (Associação de Amigos do Autista da Bahia), Leonardo Martinez, pai de um autista e autor do pedido pioneiro, feito à Prefeitura de Salvador, onde a família mora, ressaltou que a reivindicação foi embasada em laudos técnicos, assinados por alguns dos especialistas mais importantes do estado no tema.
“Todos atestaram questões comportamentais e sensoriais. Muitos autistas não têm noção de risco, manipulam as máscaras, as introduzem na boca, mastigam. Temos os autistas, em percentual muito alto, que têm distúrbios sensoriais. Eles sentem como se microagulhas perfurassem o rosto ou uma queimação. Não é um incomodo. É dor e impossibilidade de uso”, frisou.
Leonardo Martinez destacou que as máscaras faciais são um importante meio de proteção individual, em que pese não ser o único – há ainda o distanciamento social e a higienização das mãos e do ambiente, entre os principais.
No entanto, o ativista alertou que o uso inadequado do equipamento pode se tornar perigoso para um autista. “Deixa de ser um meio de proteção e passa a ser um meio de contaminação”, acrescentou.
“A flexibilização é para os casos em que a pessoa não tem outra opção. Além disso, para [situações] quando as crianças, adolescentes ou adultos, por questões sensoriais, precisam sair de casa para dar uma volta, ajudar na autorregulação ou prevenir autolesões e heterolesões. É uma questão técnica, não apenas um desejo dos pais”, finalizou Leonardo Martinez, pai de um adolescente, de 15 anos, que tem autismo severo.
Apesar do apelo de ativistas, a liberação do uso de máscaras para autistas e outras pessoas com deficiências (intelectuais e sensoriais) é vista com receio por parte da comunidade científica.
O infectologista Marcos Boulos considerou inadequada a flexibilização da norma, pois entendeu que tal opção é contrária aos princípios da saúde pública. “Se existem de fato contraindicações, que eu desconhecia, não existem outras opções”, ponderou.
O médico enfatizou que os pais ou cuidadores de autistas, assim como outras pessoas com necessidades especiais, precisam reforçar as medidas para evitar o contágio durante a pandemia. “Devem sair quando absolutamente necessário, evitando aglomerações”, complementou Marcos Boulos.
R7