“O PODER NA SOMBRA. A dúvida é
quão baixo Donald Trump pode chegar
para vencer as eleições de novembro” (David Smith)
“Dê uma chance à guerra” (FOX NEWS e
o fdp do Coronel Oliver North(1), durante a guerra dos EUA com o Iraque)
O artigo escrito por David Smith para o The Observer, traduzido por Luiz Roberto Mendes Gonçalves e publicado na Carta Capital de 1113, me trouxe à mente a pergunta que está no título. Não estou aqui me referindo a uma guerra no sentido global, de grandes proporções, mas num sentido menor, um conflito regionalizado, quem sabe uma nova “guerra às drogas”, ou um possível ataque a um país árabe com a justificativa mentirosa da existência de armas de destruição em massa.
As últimas pesquisas mostram Donald Trump bem atrás das intenções de voto. Seria, ou será, nas últimas décadas, mais precisamente depois da Segunda Guerra Mundial, o quarto presidente dos EUA a não conseguir a reeleição. E também não seria a primeira vez que um governo faz uso de conflito militar para despertar no cidadão o sentimento de patriotismo(2), e de nacionalismo, e o governante surfar na onda e mostrar que só ele tem a capacidade de enfrentar o inimigo externo. Poderia ser a última cartada de Trump. Não estou alardeando que vai acontecer, talvez até pelo timing, já que as eleições estão próximas. Mas me pergunto: será que no seu íntimo ele não torce para que algum grupo terrorista faça um ataque no território norte-americano ou em algum país aliado? Para falar no popular, seria a “sopa no mel” para os falcões da CIA(3).
Economia de guerra(4). Mas a guerra não serve apenas para elevar o sentimento patriótico. Perversamente o sistema capitalista a utiliza, também, com o intuito de alavancar a circulação do capital. Não é possível dissociar o capitalismo da indústria armamentista. E sempre repito um exemplo: se você tem uma loja de sapatos você vai ganhar sua vida, e manter seus empregados, e pagar seus impostos, vendendo seu produto, o sapato. Se as nações mais ricas têm grande parte da sua economia dependente da venda de armas, é preciso disseminar, criar, conflitos:
“De quando em quando, no entanto, o mecanismo de funcionamento do sistema entra em colapso, já que a possibilidade de ampliação do número de consumidores não é ilimitada. Nestes momentos, que são os temerosos períodos de crise, as empresas – a cujos interesses, a rigor, os estados nacionais estão submetidos – lançam mão de suas prerrogativas e pressionam os governantes por uma solução rápida para o retorno da circulação de capital: a guerra. A guerra não só aumenta de maneira considerável a venda de armas – foram 65 bilhões de dólares em 2015 -, mas principalmente mobiliza, em uma segunda fase, a construção civil, cuja cadeia produtiva envolve todos os demais setores, a indústria, o comércio e os serviços”(5).
Boa parte da economia dos EUA é dependente da produção de armas. No ano de 2018, por exemplo, a produção de armamentos no mundo somou, aproximadamente, 2 trilhões de dólares, sendo que 36% desse total foi da indústria bélica norte-americana.
As guerras e o legado tecnológico. Já que estamos falando em guerras: há poucos dias atrás um canal de televisão colocou no ar alguns avanços tecnológicos que ocorreram depois das duas Grandes Guerras Mundiais. Isso fez eu “viajar” para dois livros de Habermas(6) que li há muito tempo atrás, “Técnica e Ciência como Ideologia” e “Conhecimento e Interesse”. O filósofo alemão, ao abordar o complexo ciência-técnica-indústria-exército-administração, em substituição ao complexo militar-industrial, coloca como a ciência e a tecnologia estão subordinadas a determinados interesses de classe, ou seja, entre diversos outros autores Habermas também questiona a neutralidade científica.
(1) Hoje o Tenente-Coronel reformado, que foi o pivô do escândalo Irã-Contra, preside a Associação Nacional de Rifles, mais poderoso lobby de armas nos EUA.
(2) Temos um exemplo semelhante com a nossa vizinha Argentina, que durante a ditadura militar entrou em guerra com a Inglaterra por causa das Ilhas Malvinas, na tentativa de angariar o apoio popular e ocultar a crise econômica.
(3) Assim são chamados os que defendem solução agressiva, militar, para solução de qualquer conflito. Recusam a via diplomática.
(4) O conceito aqui utilizado de Economia de Guerra difere do comumente aplicado, que são ações efetivadas por governos para enfrentar situações extremas, como conflito militar (ex.: redução da produção de bens de consumo). Neste momento, por sinal, muitos advogam que o Brasil deve adotar uma Economia de Guerra por causa da pandemia.
(5) https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/12/opinion/1492009074_482693.html
(6) Filósofo alemão, Jurgen Habermas, expoente da segunda geração da Escola de Frankfurt, é aquele autor de leitura indispensável. Sim, muitas vezes entender o pensamento habermasiano (e não sou expert nisso), exige um esforço maior para compreensão, fase a densidade de seus escritos, mas é necessário conhecer suas obras. A propósito, há anos atrás a socióloga Barbara Freitag, com um certo exagero, deu um conselho para quem pretende ler e entender Habermas: “tire umas férias, ou uma licença prêmio ou sabática e retire-se para um lugar sossegado…muna-se de uma boa dose de perseverança e paciência”.
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Prof. Ivan Gargur Martins dos Santos
Economista, professor, consultor