Lançada no Instagram no último domingo (19), a campanha votoantirracista busca fomentar candidaturas negras para a Câmara Municipal de São Paulo. Idealizada pelo publicitário Fernando Xavier, de 29 anos, a intenção da campanha é lançar o voto como a principal estratégica para combater a desigualdade racial no Legislativo.
A ideia nasceu em meio à pandemia da covid-19, doença que tem risco de morte de negros 62% maior do que em brancos na capital paulista, e sob o caldo de insatisfação social, após episódios envolvendo cidadãos negros, que expuseram o racismo estrutural no Brasil e nos Estados Unidos.
No primeiro caso, Xavier, que também é negro, cita dois exemplos: João Pedro, adolescente de 14 anos morto durante operação da PF (Polícia Federal) no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), e Miguel, criança de cinco anos que morreu ao cair do 9º andar de um prédio no Recife (PE).
O publicitário complementa com o caso de George Floyd, homem negro que morreu sufocado por um policial branco que ajoelhou sobre o pescoço dele no chão, em Minneapolis, cidade localizada no estado de Minnesota, nos Estados Unidos.
“Eu usei as redes sociais, nesses casos, para expor os meus sentimentos e a minha avaliação sobre, apesar de não ter o hábito de usar as redes sociais para reagir a alguma coisa. E eu percebi, depois, que era uma perda de energia porque não existia estratégia por trás daquilo. Daí eu comecei a pensar numa estratégia robusta, com escopo, e aí nasceu a campanha”, conta Xavier.
As eleições municipais de 2020 estão previstas para 15 e 29 de novembro – os eleitores irão votar para prefeitos e vereadores. No último pleito, realizado em 2016, 7 em cada 10 prefeitos eleitos no primeiro turno no Brasil são brancos, de acordo com levantamento feito pelo R7, com base no repositório de dados eleitorais do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Ao todo, dos 5.499 eleitos, 3.861 são brancos, o que equivale a 70% do total.
Especificamente no caso da capital paulista, Xavier argumenta que foram eleitos 55 vereadores em 2016 e, desse total, oito são pessoas pretas de pele clara (15%) e duas são pessoas pretas de pele escura (3,5%). “A campanha tem o foco na Câmara porque é mais factível. É onde nós temos uma possibilidade de salvação maior. É uma briga mais concreta”, explica.
“Nós temos que colocar pessoas negras em posição de poder, uma vez que são excluídas pela estrutura racista. Então, contrariar essa estatística e colocar alguém negro nessa posição, e se escolhermos direito e for para além da representatividade, a gente pode sim pegar carona na renovação que ocorreu na Assembleia Legislativa de São Paulo e colocar pessoas negras na Câmara Municipal. E isso pode ser revolucionário”, afirma.
No Instagram, a conta é recheada de publicações que explicam a funcionalidade do Legislativo, como a função de um vereador e o quociente eleitoral. Os posts recebem linguagem fácil e acessiva e já tem mais de 500 seguidores. O próximo passo da campanha é o lançamento de um site, com previsão para ir ao ar no início de setembro.
A campanha, contudo, tem data para acabar (15 de novembro), mas o combate à desigualdade, não. “Nós temos diversas estratégias, sendo o voto a principal delas. Em segundo lugar, temos o consumo. Consumo é sinônimo de poder”, diz.
“Quando nós falamos em racismo, nós falamos de uma estrutura que tem diversos tentáculos, e cada um desses tentáculos vai barrar a ascensão de uma parcela da população a determinados lugares de poder, para que a outra parcela ocupe esse espaço de poder sem concorrência justa, além de usar a parcela oprimida como mão de obra barata para manter seu estilo de vida”, argumenta.
“Quando a gente fala em combater essa lógica colocando candidatos pretos em lugar de poder, o consumo é a mesma coisa. Os lugares são negados, pelo viés de direito e financeiro, por exemplo. Nós não moramos em bairros e sim na periferia, jantamos em determinados lugares, compramos certas roupas. Temos que repensar por esse lado também, que nos leva ao terceiro ponto, o mercado de trabalho. Contratar pessoas pretas, indicar pessoas pretas, usar produtos feitos por pessoas pretas. Por isso, para combater essa desigualdade, precisamos colocar pessoas pretas nos cargos de poder”, finaliza.
R7